17 Agosto 2021
Nas semanas seguintes à publicação do documento Traditionis custodes, do Papa Francisco, o motu proprio que anunciava a sua decisão de revogar as permissões para celebrar a missa tradicional em latim contidas no motu proprio Summorum pontificum de 2007, houve muito choro e ranger de dentes por parte de quem defende o rito antigo. Grande parte disso provou por que o Papa Francisco estava certo ao fazer o que fez: a missa tradicional em latim se tornou uma incubadora para a divisão. O cisma está no ar junto com o incenso.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 16-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No topo da lista está Michael Brendan Dougherty, da revista National Review, com um artigo publicado no New York Times. Dougherty se engana muito para alguém que afirma ser jornalista. Ele sugere que o canto gregoriano só floresceu depois do Summorum pontificum, mas eu frequento a Catedral St. Matthew the Apostle em Washington desde 1985, e tínhamos canto gregoriano em todas as missas das 10h. Eles também o tinham na Igreja St. Paul’s Cambridge, perto de Boston. E na St. Clement de Chicago. E em muitas outras igrejas.
Ele aplaude os “luminares da cultura britânica” que escreveram ao Papa Paulo VI pedindo-lhe que mantivesse o rito antigo. Dougherty parece especialmente impressionado com o fato de os autores terem citado a inspiração do rito para incontáveis obras de arte, a ponto de a carta deles “nem mesmo fingir ser de fiéis cristãos”. Trata-se de um encômio estranho e utilitário para alguém tão envolvido no culto do Todo-Poderoso.
Dougherty exibe uma fixação no sacrário. Estes nunca foram “destruídos”, como ele afirma, mas às vezes foram transferidos para uma capela mais tranquila, onde a oração diante do Santíssimo Sacramento era tão possível quanto antes, às vezes até mais.
Eu não nego que ocorreram alguns desastres iconoclastas depois do Concílio, mas eles foram anedóticos e não sistêmicos. Dougherty acha que é importante, de alguma forma, que o sacrário esteja sobre o altar do sacrifício, mas não está claro por que ele acha isso. As hóstias consagradas alguns dias antes são de alguma forma mais divinas do que as hóstias que o padre acabou de consagrar?
No entanto, são estas frases de Dougherty que provam involuntariamente que o Papa Francisco estava certo:
“O Papa Francisco vislumbra que voltaremos à missa nova. Meus filhos não podem voltar a ela; não é a formação religiosa deles. Francamente, a missa nova não é a religião deles.”
Aí está. Apesar de todo o seu esforço para se distanciar dos “cismáticos” no início do artigo, ele mostra que está determinado a tornar seus filhos cismáticos no fim das contas. A religião para ele não significa se vincular à comunidade dos fiéis que tem sido fiel ao mandamento do Senhor de “fazer isto em memória de mim” ao longo dos séculos. A religião não tem a ver com a fidelidade à tradição da fé e às suas lideranças de autoridade. Trata-se de reivindicar os próprios gostos pessoais. A sua reiteração do catolicismo à la carte pode ser sofisticada aos seus próprios olhos, mas mesmo assim é catolicismo à la carte.
A revista First Things foi um foco de dissidência contra a decisão do Papa Francisco. O pior foi a coluna de Martin Mosebach, que demonstrou uma ignorância verdadeiramente notável do ensino católico de verdade, até mesmo quando afirma que as pessoas comprometidas com o rito antigo exibiam “uma devoção séria e entusiasmada pela plenitude completa do catolicismo”.
Será? Eu achava que aceitar o magistério e o rito de um Concílio Ecumênico fazia parte da “plenitude do catolicismo”.
Mosebach também demonstra um entendimento completamente equivocado da história litúrgica quando escreve: “A tradição está acima do papa. A missa antiga, enraizada profundamente no primeiro milênio cristão, é uma questão de princípio cuja proibição está além da autoridade do papa. Muitas disposições do motu proprio do Papa Bento XVI podem ser deixadas de lado ou modificadas, mas esta decisão magisterial não pode ser facilmente eliminada”.
Será que ele já ouviu falar do Movimento Litúrgico, que começou no século XIX e levou à Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium do Vaticano II? O Concílio – e vários papas anteriormente, incluindo o conservador Pio XII e o reacionário Pio X – estavam constantemente renovando as formas litúrgicas. Pio X diminuiu a idade para a Primeira Comunhão e encorajou a recepção frequente por todos. Pio XII trouxe de volta a Vigília Pascal, que mudou não só as nossas liturgias da Semana Santa, mas também a nossa eclesiologia: a ênfase no batismo e nos batizados no Vaticano II teria sido inimaginável se Pio XII não tivesse restaurado a Vigília Pascal.
George Weigel, também na First Things, de fato, invocou Pio XII e fez muito sentido na sua defesa do Novus Ordo. Mas ele reclamou que o Traditionis custodes “é teologicamente incoerente, pastoralmente divisivo, desnecessário, cruel – e um lamentável exemplo do bullying liberal que se tornou muito familiar em Roma recentemente”.
Muito familiar? Parece que eu me lembro do herói de Weigel, o Papa São João Paulo II, que removeu professores das suas cátedras acadêmicas porque entraram em conflito com as suas interpretações do Vaticano II. Na realidade, eu acho que algumas das remoções foram justificadas, e eu não tenho nenhum problema em admitir que Roma tem o direito de se pronunciar sobre essas questões.
Mas se o Traditionis custodes é bullying, e o bullying é ruim, João Paulo II também não foi culpado disso? Ou é apenas o “bullying liberal” que irrita Weigel? A maioria das pessoas se pergunta por que Francisco tem se mostrado tão disposto a tolerar a oposição dos seus próprios cardeais e de outros na Cúria que procuram minar as suas iniciativas.
Na manhã em que surgiu a notícia sobre a decisão do Papa Francisco, eu expressei a minha preocupação por aqueles que eram devotos do rito antigo, mas não compravam todas as bobagens ideológicas que muitas vezes vinham com ele. Mas nas semanas seguintes, Francisco provou estar certo.
A missa tradicional em latim levou a uma eclesiologia distorcida e, pelo menos nos Estados Unidos, abriu uma nova batalha nas guerras culturais. Se você duvida que o papa estava certo, você só precisa ouvir os seus críticos.
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“Defensores da missa em latim provam que Papa Francisco estava certo ao suprimir o rito antigo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU