11 Junho 2021
"Bergoglio acerta um golpe profundo ao escrever que a vergonha reparadora abrirá as portas para a compaixão e a ternura do Senhor. Qual é o outro caminho? A política do avestruz não leva a lugar nenhum, adverte o bispo de Roma". A análise aprofundada de Riccardo Cristiano, jornalista e escritor italiano.
O artigo foi publicado por Formiche, 10-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Francisco responde ao cardeal Reinhard Marx, arcebispo demissionário de Munique e Freising, chamando-o de "caro irmão" e dizendo "em primeiro lugar, obrigado por sua coragem cristã que não teme a cruz". Pouco depois, acrescenta: “A Igreja não pode dar um passo em frente sem assumir a crise”. Assumir responsabilidade individual e comunitária: “Concordo com você ao descrever a triste história dos abusos sexuais e como a Igreja lidou com isso até recentemente como uma catástrofe. Perceber essa hipocrisia na maneira como vivemos a nossa fé é uma graça, é um primeiro passo que devemos dar. Precisamos assumir a responsabilidade pela história, tanto pessoalmente quanto como comunidade. Não podemos ficar indiferentes diante desse crime. Aceitar significa colocar-se em crise”.
Mesmo nessas horas, não é difícil ler que a carta enviada pelo cardeal Marx ao papa foi uma carta chocante. Mas talvez o verdadeiro choque seja a ideia de que a ferida diria respeito a quem a provocou. Claro que isso é indiscutível, mas não é suficiente e a profundidade, a beleza e a força da carta do cardeal alemão, que pediu para deixar a direção da diocese de Munique também para testemunhar que estava assumindo a sua responsabilidade, não poderia deixar Francisco indiferente, que de fato autorizou a publicação da carta. Em sua resposta, escrita em espanhol, Francisco não aceita sua renúncia, confirmando a sintonia com o respeitado cardeal alemão: “Pedem-nos uma reforma, que - neste caso - não consiste de palavras, mas de atitudes que tenham coragem para enfrentar a crise, de assumir a realidade, sejam quais forem as consequências. E toda reforma começa por si mesmos. A reforma da Igreja foi realizada por homens e mulheres que não temeram entrar em crise e se deixar reformar pelo Senhor”.
Aqui é difícil não ouvir o eco do que o cardeal escreveu pedindo para ser destituído de seu cargo: "As investigações e perícias dos últimos dez anos me mostram constantemente que houve fracassos ao nível pessoal e erros administrativos, mas também um fracasso institucional e 'sistemático'. As mais recentes polêmicas e discussões mostraram que alguns representantes da Igreja não querem aceitar essa corresponsabilidade e, portanto, também a culpa compartilhada da Instituição. Consequentemente, rejeitam qualquer tipo de reforma e inovação em relação à crise ligada aos abusos sexuais. Eu definitivamente vejo tudo isso de forma diferente”.
Para Francisco, portanto, não há necessidade de ideólogos da reforma, mas de colocar em jogo a própria carne, como fez Marx. O Papa reconhece isso, dizendo que é "a maneira com que você mesmo assumiu, caro irmão, ao apresentar a sua renúncia", porque "enterrar o passado nos leva a nada. O silêncio, as omissões, a valorização excessiva do prestígio das instituições só levam ao fracasso pessoal e histórico”.
A preocupação com o prestígio trouxe descrédito, porque faltou a coragem: “Nem as pesquisas de opinião nem o poder das instituições vão nos salvar. Não nos salvará o prestígio de nossa Igreja, que tende a esconder seus pecados, não nos salvará o poder do dinheiro ou a opinião da mídia (muitas vezes dependemos demais deles). Nós nos salvaremos abrindo a porta Àquele que pode fazê-lo e confessando nossa nudez: 'eu pequei', 'nós pecamos' ... e chorando, e gaguejando o melhor que pudermos aquele ‘afaste-se de mim, porque sou um pecador ', herança que o primeiro Papa deixou aos Papas e Bispos da Igreja”.
Bergoglio acerta um golpe profundo escrevendo que a vergonha reparadora abrirá as portas para a compaixão e a ternura do Senhor. Qual é o outro caminho? A política do avestruz não leva a lugar nenhum, adverte o bispo de Roma.
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Por que o Papa Francisco rejeita a renúncia do cardeal Marx - Instituto Humanitas Unisinos - IHU