29 Abril 2020
Em 2002, acompanhei Anya e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, para jantar com Carmen Netzel e comprovei como tomava notas sobre os cortes orçamentários que nossa saúde sofria [na Espanha]. “O euro - disse, também anotei - não deve dividir sofrimento, porque isso acabará com a União Europeia”. E, novamente, o BCE pode nos dar o anti-inflamatório providencial contra a pandemia ou deixar que afundemos na insolvência.
Contudo, Stiglitz não duvida mais da viabilidade do euro, nem teme que seja nossa camisa de força. Reconhece, além disso, que nenhum modelo utilizado até hoje por economistas como ele, que dirigiu o Banco Mundial, serve para analisar esta recessão: “Um choque incomum de demanda e oferta ao mesmo tempo, intelectualmente estimulante”. Tomara que esboce logo novos modelos!
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 28-04-2020. A tradução é do Cepat.
Está em quarentena em Manhattan?
E, como todo nova-iorquino, ouço uma ambulância, a cada 20 minutos, que não deixa esquecer o vírus e a morte.
E você está assimilando bem ou sofre?
Estou mais ocupado que nunca. E me surpreende como nos adaptamos rápido ao teletrabalho. Meus netos vão todos os dias às aulas pelo computador... são obrigatórias!
E, aqui, deveriam ser.
E são colégios públicos. Mas muitas crianças nos Estados Unidos não têm computador wi-fi. A pandemia acentua as diferenças sociais.
Como as empresas estão se portando?
Algumas deram um pagamento extra a seus empregados por trabalharem mais na pandemia. E Abigail Disney criticou os diretores da Disney por demitir milhares de empregados, sem antes baixar o salário deles.
É uma grande empresária.
A pandemia volta a demonstrar que nossas economias estão pensadas para crescer por ambição, mas não para prevenir por solidariedade.
Onde nota isso?
Em que, pelo imperativo neoliberal, se insistiu, nesses anos, em otimizar o sistema de saúde, para que não tivéssemos mais camas hospitalares das imprescindíveis e que não gastássemos mais em prevenção. E, como se vê, agora nos faltam.
Esse foi um grande debate na Espanha.
Antes da recessão, visitei os hospitais de vocês...
E você tinha a nossa amiga Carmen Netzel pesquisando em Vall d’Hebron.
E a saúde que vocês desfrutavam era das melhores do mundo, até que começaram a cortar o seu orçamento... Qual político reivindica aqueles cortes agora?
Ninguém. Como o vírus muda o mundo?
No resto do planeta, há nacionalistas, como Trump, que querem voltar ao protecionismo e castigam a imigração, jogando a culpa da pandemia na globalização.
Os aviões não a propagam mais?
Também teria se propagado, com pandemias anteriores. O que não deveria se propagar é a estupidez de Trump, ao deixar sem fundos as pesquisas de virologia e zoonose e ao reduzir o número de respiradores.
Qual foi a desculpa?
É o de menos. O caso é que queria cortar impostos dos bilionários. É que o neoliberalismo pode fazer com que as economias corram, mas deixa as sociedades como esses carros de hoje, que vendem a você sem pneu reserva.
O vendedor diz a você que por estatística...
Pela estatística que convém a eles e que deixa você abandonado sem pneu ou sem respirador, e você morre.
Agora, você acredita mais nos economistas que nos epidemiologistas?
Somos igualmente falíveis, porque trabalhamos com pessoas e sociedades. Não são ciências exatas.
E você confia nos bancos centrais?
Apesar dos 2,6 trilhões de dólares que o Federal Reserve está injetando em nossa economia, temos mais desemprego que durante a Grande Depressão. É que o Governo está falhando.
E a União Europeia age bem?
Gosto da forma como a Dinamarca e outros países europeus administram seu retorno à normalidade.
Por quê?
Porque protegem os empregos, não apenas dão dinheiro para as pessoas. Mas, para qualquer norte-americano, toda a União Europeia aparece agora como invejável, porque temos o maior gasto em saúde per capita do mundo e os piores números de morte e infecção pela pandemia.
O que torna o sistema de saúde de vocês tão ineficiente?
Que aqueles que mais morrem são os mais pobres, porque isso deixa indiferentes aqueles que se sentem a salvo e podem pagar a melhor saúde. E agora Trump investe contra o melhor de nosso sistema... A ciência!
Como?
Cortando 30% dos fundos públicos para a ciência, porque considera as melhores universidades e os cientistas uma elite a punir.
A pandemia acabará com seu longo ciclo expansivo e, por conseguinte, com Donald Trump?
Trump perderá não só pela economia, também porque a maioria do país hoje quer uma saúde gratuita e universal, acesso à universidade para todos e controle das armas.
A gestão da pandemia pode lhe custar a Casa Branca?
Nossas estatísticas na pandemia são horrorosas. Todos acusam Trump de falta de previsão ao ver a Ásia e a Europa sofrê-la, antes, e continuar negando-a. E agora sua gestão é comparada com a eficácia alemã ao fazer milhões de testes.
Poucos países conseguiram fazê-los.
Mas sabe que, nesses dias, em Queens, milhares de pessoas dependem da caridade e da solidariedade de outros cidadãos para comer?
Haverá rápida recuperação econômica?
Não acredito, mas o importante é que em nenhum caso seja um tempo perdido e, se levarmos mais de um ano para recuperar o emprego, que os jovens o invistam em se formar e os governos em melhorar nossos sistemas de saúde. E todos em que nossas economias sejam mais robustas.
Como sairemos dessa?
No mundo pós-pandemia, a ciência não servirá à economia, mas, ao contrário.
Isso soa bem.
E isso fortalecerá as democracias, mas também sistemas autoritários que vão querer utilizá-la para minar as democracias.
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“O que não deveria se propagar é a estupidez de Trump”. Entrevista com Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU