30 Janeiro 2020
“A rejeição de Bergoglio e também de Kolvenbach a outra intervenção papal foi decisiva. E agora, com o Papa Francisco, a dinâmica do Vaticano II se recupera, embora em um contexto diferente. E com ele a herança espiritual e teológica do Padre Arrupe e das Congregações 32 e 33, que marcaram a Companhia desde o Vaticano II. Subsiste o antijesuitismo em parte da Igreja, agora reforçado por aqueles que contestam o pontificado do Papa Francisco”, escreve Juan Antonio Estrada, jesuíta, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 25-02-2020. A tradução é do Cepat.
Que o Concílio Vaticano II significava uma reforma da Igreja e a abertura para uma nova abordagem foi algo que imediatamente as pessoas e instituições mais conservadoras da Igreja captaram, provavelmente muito mais do que aquelas abertas a mudanças. Marcava o fim de uma era, a da contrarreforma, do antimodernismo e da defesa contra o Iluminismo, na qual o catolicismo havia perdido a sintonia com o curso da história e com as novas questões e necessidades dos homens.
Era necessário proceder com uma reforma interna (a Constituição Lumen Gentium) e externa (a Constituição Gaudium et Spes) da Igreja, que implicava uma nova teologia do episcopado, dos leigos, da vida religiosa, da relação com outras igrejas cristãs e das missões, etc. O curso do Concílio fortaleceu os alaridos dos tradicionalistas. Triunfavam a nova teologia e os autores que tinham sido condenados por Pio XII, nos anos 1950.
Os jesuítas foram, com outras congregações religiosas, protagonistas do Concílio e, em conjunto, impulsionadores das mudanças. A eleição de Pedro Arrupe como Geral (de 1965 a 1983) e as Congregações Gerais 31 (1965-1966) e 32 (1974-1975) marcaram o novo rumo. Era necessário reformular a identidade e missão jesuítas em um novo contexto. Os problemas do século XVI ressurgiam em uma nova época histórica: renovar a Igreja e ser fiel a ela, propugnar uma forma de missão e vida religiosa diferente, sabendo que muitos se opunham a ela.
Buscou-se reformar a Companhia internamente (equiparar professos e coadjutores, transformar as instituições e colégios, de acordo com a doutrina social e a opção pelos pobres, promovendo a missão e desmonarquizar os jesuítas, promover os leigos, etc.) e externamente (vincular fé e justiça, promover o ecumenismo, passar da sociedade da cristandade para uma igreja em missão, em uma sociedade secular, abrir-se ao diálogo com o Iluminismo e o ateísmo, etc.).
Arrupe tornou-se um símbolo do novo paradigma. A Companhia, que havia sido uma fiel servidora do papado e da hierarquia, tornou-se suspeita. Foi acusada de mundanismo e de proximidade com o comunismo, bem como a teologia da libertação para a qual alguns jesuítas haviam contribuído, de desobediência e de permitir correntes críticas à hierarquia eclesiástica e ao próprio papado.
A passagem de Paulo VI a João Paulo II, bem como a nova hegemonia dos tradicionalistas, que tinham sido minoria no Concílio, consolidaram o distanciamento da Companhia e do Padre Arrupe por parte do governo da Igreja. A aceitação e obediência dos jesuítas frente à intervenção papal, com a nomeação do padre Dezza como seu delegado para toda a Companhia, passando por cima das constituições, apaziguou os ânimos.
Contudo, a desconfiança e a rejeição aos jesuítas permaneceram em parte da hierarquia romana e em muitos bispos. A eleição do padre Kolvenbach (1983) pela Congregação 33, com a aceitação de João Paulo II, protegeu a Companhia, mas quando apresentou sua renúncia (2006), pela primeira vez na história, e ao ser aceita pelo Papa Bento XVI, ressurgiu novamente a tentativa de controlar e reorientar os jesuítas. A herança do Concílio e de Arrupe não apenas persistia, como também havia sobressaído apesar da oposição da minoria jesuíta conservadora.
Padre Pedro Arrupe na capa da Revista Times de abril de 1973 (Fonte: Enciclopédia Católica Online)
A tentativa do cardeal Bertone se inscreve nesse contexto. Também aumenta o significado de Bergoglio, um provincial jesuíta em sintonia com os tradicionalistas, que experimentou um processo de “conversão pastoral e teológica” quando foi arcebispo de Buenos Aires, como aconteceu com Oscar Romero, em El Salvador. No conclave, era visto por muitos cardeais como tradicionalista, embora aberto e de diálogo. Portanto, os conservadores pensaram nele como um novo delegado papal.
A rejeição de Bergoglio e também de Kolvenbach a outra intervenção papal foi decisiva. E agora, com o Papa Francisco, a dinâmica do Vaticano II se recupera, embora em um contexto diferente. E com ele a herança espiritual e teológica do Padre Arrupe e das Congregações 32 e 33, que marcaram a Companhia desde o Vaticano II. Subsiste o antijesuitismo em parte da Igreja, agora reforçado por aqueles que contestam o pontificado do Papa Francisco.
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Bergoglio e Kolvenbach: decisivos contra uma nova intervenção papal na Companhia. Artigo de Juan Antonio Estrada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU