O significado do Sínodo para o Vaticano II. E para um “Vaticano III”. Artigo de Massimo Faggioli

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01 Novembro 2019

“Um concílio geral tem futuro em uma Igreja Católica global que tem mais de 5.000 bispos, quase o dobro do número dos bispos que estavam no Vaticano II? Haverá um Concílio Vaticano III em Roma? Ou talvez um Manila I, um Nairóbi I ou um Bogotá I?”

O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA. O artigo foi publicado em La Croix International, 30-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A relação entre o Papa Francisco e o Sínodo dos Bispos resume a ideia de reforma no atual pontificado.

O papa está convencido de que a reforma da Igreja começa com uma mudança de mentalidade, não com mudanças legislativas ou institucionais. Estas últimas são, na verdade, bastante simples. Mas devem ser precedidas por mudanças internas e espirituais.

As duas assembleias sinodais sobre o matrimônio e a família (2014-2015) foram um evento crucial neste pontificado.

Mas, para além de alguns pequenos ajustes introduzidos por Francisco, esses dois encontros se desdobraram de acordo com as regras e os protocolos sinodais que foram estabelecidos pelos papas anteriores – de Paulo VI a Bento XVI.

As primeiras mudanças legislativas no Sínodo dos Bispos foram realizadas apenas em setembro de 2018, quando Francisco emitiu o Episcopalis communio. Esse “motu proprio” veio seis meses depois que a Comissão Teológica Internacional publicou um importante estudo sobre a sinodalidade.

Papa Francisco relança o Sínodo dos Bispos

Mas, mesmo antes de 2018, o papa já havia começado a fazer mudanças significativas no Sínodo.

Em pontificados anteriores, essas reuniões costumavam ser “não eventos”.

Esperava-se que os bispos ratificassem – sem qualquer debate ou discussão real – uma pauta e um resultado predeterminados que haviam sido preparados pela Cúria Romana e pelo establishment eclesiástico.

Ao contrário, Francisco transformou as assembleias sinodais em eventos de verdade. Eles têm sido precedidos por uma consulta a sério dos fiéis em nível local.

As atuais reuniões do Sínodo (a fase celebrativa) em Roma têm apresentado uma genuína liberdade de expressão. E o resultado dessas sessões (a fase pós-sinodal) tem sido marcado por decisões papais sobre as conclusões alcançadas pelo Sínodo, que, então, entram em uma fase de recepção eclesial.

Existe um paralelo óbvio entre o Concílio Vaticano II (1962-1965) e o modo como o Papa Francisco tem utilizado o Sínodo dos Bispos. Isso se deve ao fato de que a importância de cada assembleia sinodal - como o Concílio – se encontra no próprio evento, e não apenas nos documentos. Mas também ao fato de que o Sínodo com Francisco é mais do que um espetáculo “eclesiástico”. Em vez disso, ele se tornou-se um evento “eclesial” que envolve toda a Igreja.

O Vaticano II foi diferente dos concílios anteriores, porque deu um espaço e um papel eclesial mais amplo aos participantes. Foi o que o historiador da Igreja francesa Yves Chiron chamou de crescimento do “periconcílio”.

De modo semelhante, com Francisco, os sínodos viram o crescimento do “perissínodo”.

Todas as vozes e as influências desempenham, como nunca antes, um papel essencial na preparação, celebração e recepção de cada assembleia.

Não é apenas o maior papel da imprensa, mas também as diferentes vozes que compõem a Igreja.

Agora, a dimensão perissinodal da Igreja é maior e mais relevante.

Isso se deve em parte à globalização da Igreja. Mas também à crise do sistema clerical e ao crescente papel das mulheres.

Próximo passo: uma assembleia de todo o Povo de Deus

Mais reformas terão que ser implementadas para que o Sínodo dos Bispos se torne um instrumento da sinodalidade eclesial. Acima de tudo, deve haver modificações nos direitos de fazer parte e de votar no Sínodo. Não pode continuar sendo um encontro apenas masculino e clerical. Isso também pode exigir uma mudança no nome da própria instituição, para refletir que ela não é mais apenas um Sínodo de bispos.

Isso abre uma questão que permaneceu em segundo plano nas últimas décadas e tem sido um verdadeiro tabu entre os estudiosos e os pastores católicos. Em uma Igreja em que o Sínodo desempenha um papel tão importante, qual é o lugar de um concílio geral?

Em certo sentido, já estamos experimentando o próximo concílio, dada a natureza universal das questões que as várias assembleias sinodais têm discutido desde 2014 e as decisões que o papa tomou em relação a elas. Mas a real convocação de um concílio geral ainda é um elefante na sala. Isso se deve em grande parte à memória do Concílio anterior.

As assembleias sinodais deste pontificado continuam iluminando e demarcando o modo como falamos sobre o Vaticano II e a possibilidade de realizar um futuro concílio.

Chegou a hora de um Vaticano III?

Por um lado, aqueles que se opõem à ideia de um “Vaticano III” argumentam, de modo até convincente, que outro concílio é prematuro, porque a Igreja ainda está “digerindo” os ensinamentos do Vaticano II.

Mas isso é verdade? A Igreja ainda está trabalhando na implementação dos ensinamentos do último Concílio?

Em algumas áreas do mundo, a situação avançou para além daquilo que o Vaticano II imaginava. Os ensinamentos conciliares são insuficientes em comparação com a necessidade da Igreja em termos de mudança na disciplina eclesiástica. No entanto, em outras áreas do mundo, os neotradicionalistas (como os dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha) estão liderando um movimento de rejeição direta dos ensinamentos do Vaticano II, que eles consideram moderno demais para ser católico.

O outro lado da moeda são os progressistas radicais que rejeitam o Concílio como católico demais para ser moderno.

Uma certeza é que as assembleias sinodais com Francisco lançaram uma luz sobre o estado da recepção do Concílio Vaticano II.

Da conciliaridade à sinodalidade

Por outro lado, as expectativas de um novo “concílio geral da Igreja Católica” têm sido re-enquadradas pela emergência da sinodalidade.

E isso deriva não apenas do Sínodo dos Bispos internacional em Roma, mas também de iniciativas regionais como o Concílio Plenário 2020-2021 na Austrália ou o processo sinodal que está sendo planejado na Alemanha.

Os três concílios mais recentes – Trento, Vaticano I e Vaticano II – são exceções na história da Igreja, porque foram eventos de conciliaridade eclesial (o papa junto com os bispos) que ocorreram em uma Igreja que havia se tornado abertamente hostil à sinodalidade eclesial.

O Concílio de Trento (1545-1563) determinou a convocação de sínodos provinciais a cada três anos e de sínodos diocesanos a cada ano, mas isso nunca ocorreu.

O Vaticano I (1869-1870) elevou o papado romano com as definições de primado e infalibilidade papais.

O Vaticano II (1962-1965) afastou-se de quaisquer declarações mandatórias sobre a frequência dos concílios e sínodos locais.

Esses três concílios epocais também devem ser vistos como eventos que criaram uma Igreja mais clerical, papalista e episcopalista, que depende unicamente dos bispos e, principalmente, do de Roma, apesar do que a teologia católica diz sobre os leigos.

E o que isso significa para as perspectivas de conciliaridade?

Um novo capítulo na história do governo da Igreja

Um concílio geral tem futuro em uma Igreja Católica global que tem mais de 5.000 bispos, quase o dobro do número dos bispos que estavam no Vaticano II?

Haverá um Concílio Vaticano III em Roma? Ou talvez um Manila I, um Nairóbi I ou um Bogotá I?

Se a “virada” de Francisco à sinodalidade for bem-sucedida, ela poderia ser o começo de um novo capítulo na história do governo da Igreja.

Nos últimos cinco séculos, a conciliaridade foi essencialmente antissinodal, a fim de impedir a ocorrência de sínodos locais ou nacionais. Mas agora a sinodalidade está remodelando o modo como a Igreja concebe a conciliaridade.

Isso significa reabrir a interpretação do Vaticano II e o papel dos concílios no futuro da Igreja. E isso poderia levar a uma nova concepção do modo como o catolicismo governa a si mesmo.

 

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