07 Janeiro 2020
Reforma da cúria, da administração das finanças do Vaticano, presbiterado de homens casados ... Escolhas decisivas para o papa sobre o caminho a seguir.
A reportagem é de Jean-Marie Guénois, publicada por Le Figaro, 01-01-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco completou 83 anos no dia 17 de dezembro de 2019, ao término de um ano muito movimentado para ele, tendo realizado nada menos do que sete viagens internacionais para visitar nove países, em particular o Panamá, onde foi realizada a JMJ em janeiro passado. É preciso voltar ao 1982 do pontificado de João Paulo II para encontrar uma densidade tão grande de deslocamentos.
Francisco também liderou, durante o mês de outubro, um importante Sínodo sobre a Amazônia, uma reunião mundial sobre a pedofilia em fevereiro e realizou muitas outras audiências, sem contar as visitas surpresa que ele gosta de fazer. Mas essa agenda tão cheia de um papa que nunca sai de férias e que nunca parece querer parar, provocou uma “ondulação” romana em meados de dezembro, quando a agenda oficial de 2020 ainda parecia virgem.
Para algumas pessoas, foi até o sinal anunciado de uma renúncia próxima de Francisco... ainda mais que ele havia demitido dois dos seus secretários particulares no dia 26 de novembro, Fabian Petacchio e Yoannis Lahzi Gaid. E havia nomeado, no dia 8 de dezembro, para o posto-chave de prefeito da Congregação para a Evangelização, a pessoa que muitos veem como o seu sucessor, o cardeal Luis Antonio Tagle, arcebispo de Manila.
Na realidade, não há renúncias papais à vista. O ano de 2020 prevê viagens importantes, ainda não confirmadas, mas em preparação: Montenegro, Chipre, Hungria, Sudão do Sul, Iraque, Indonésia, Timor Leste, Papua-Nova Guiné. A França continua excluída, como Francisco confidenciou diretamente, no dia 16 de dezembro, ao novo presidente da Conferência Episcopal, Dom De Moulins-Beaufort, durante um encontro no Vaticano.
Em termos de saúde, Francisco está objetivamente muito bem para a sua idade, mesmo que o Vaticano não pratique a transparência sobre o assunto. No entanto, o microcosmo romano ficou abalado no dia 13 de dezembro, quando um vídeo do papa abraçando a esposa do presidente argentino, Fabiola Yanez, em visita a Roma, revelou que ele carregava sob a túnica branca uma caixinha brilhante de tipo médico que não tinha nada a ver com uma caixa de microfone, pois o encontro ocorria com um pequeno grupo em uma pequena sala.
De fato, Francisco sofre de um problema crônico no quadril, geralmente muito doloroso para ele, e de uma catarata, mas ele está em forma, como demonstrou na cansativa viagem para a Tailândia e o Japão no fim de novembro. Sem falar do seu espírito combativo intacto, se não até superior ao do início do seu pontificado.
Ele demonstrou isso no dia 19 de dezembro, ao acolher outros 33 refugiados no Vaticano, provenientes de um acampamento da ilha grega de Lesbos. Ele pediu que colocassem em um corredor da Santa Sé uma grande cruz de acrílico que tinha, no cruzamento dos braços, o colete salva-vidas laranja de uma vítima desconhecida que morreu no Mediterrâneo. A crueza da obra provocou uma polêmica, porque a insistência do papa sobre o problema da imigração provoca uma certa rejeição por parte de alguns ambientes católicos. E também porque, nessa obra, a representação de Cristo é substituída pelo colete salva-vidas.
Cruz de acrílico, com colete salva-vidas, representando os migrantes desconhecidos, que morrem em suas travessias. Foto: Vatican News
Francisco continua sacudindo os hábitos e as mentalidades, como gosta de fazer. Acima de tudo, ele deseja levar até o fim a sua reforma da Igreja Católica. A partir desse ponto de vista, 2020 será decisivo. O papa não apenas continuará implementando as decisões tomadas durante a cúpula sobre a pedofilia, organizada no Vaticano em fevereiro passado, como fez no dia 17 de dezembro, ao emitir uma medida espetacular: a abolição do sigilo pontifício. Mas também continuará a reforma da administração das finanças do Vaticano, um dossiê extremamente complicado, para o qual ele nomeou no dia 14 de novembro uma pessoa próxima a ele como prefeito da Secretaria para a Economia. Trata-se do jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero Alves, em substituição do cardeal australiano Pell.
Dois outros dossiês fundamentais, menos funcionais, mas absolutamente determinantes para o futuro da Igreja Católica, devem ser levados em consideração em 2020: a ordenação ao presbiterado de diáconos permanentes casados, cujo princípio foi votado no Sínodo sobre a Amazônia, e uma profundíssima reforma da Cúria Romana, a administração central da Igreja, que poderia modificar, assim, os equilíbrios atuais do exercício do poder dentro da Igreja Católica.
O Sínodo sobre a Amazônia, convocado em Roma em outubro passado para tratar da pastoral, mas também de todos os problemas sociais e ecológicos daquela região do mundo, votou, com uma maioria de dois terços daquela assembleia de bispos, uma medida espetacular para a Igreja romana latina: a possibilidade ordenar ao sacerdócio homens casados em áreas muito distantes onde faltam padres. Eles seriam escolhidos entre os diáconos permanentes já existentes.
Já existem padres casados há séculos nas Igrejas Católicas de ritos orientais, no Oriente Médio e na diáspora. A “disciplina” do celibato, que não é um dogma, foi imposta pela primeira vez na Igreja latina pelo Papa Gregório VII, no século XI, depois reforçada em 1545 durante o Concílio de Trento, dado que a prática do celibato presbiteral sempre foi difícil de aplicar.
Se o Papa Francisco validasse essa medida votada pelo Sínodo para a Amazônia, isso abriria uma brecha no celibato presbiteral, embora ele tenha prometido que não o revogaria. De fato, essa medida se limitaria a situações específicas, decididas de tempos em tempos pelas Conferências Episcopais envolvidas.
Mas, na Europa, três Conferências Episcopais já estão preparando ativamente a implementação dessa reforma que, no entanto, está destinada apenas à Amazônia: Alemanha, Suíça e Bélgica. Essa reforma, que deve ser conhecida no fim de janeiro ou em fevereiro, com a publicação da exortação pós-sinodal que está em processo de tradução, talvez será fonte de profundas divisões na Igreja.
Quanto à reforma da administração central da Igreja, que já está na sua fase final, o papa, dirigindo sua saudação aos membros da Cúria Romana no dia 21 de dezembro, optou por preparar as mentes em vez de dar detalhes técnicos.
Ele insistiu no espírito da reforma, estigmatizando aqueles que, por “rigidez” e “medo da mudança”, continuam pondo “obstáculos”, transformando a Cúria em um “campo minado de incomunicabilidade e de ódio”, que constitui um “círculo vicioso”.
Ele citou até o célebre cardeal Martini, aquele grande oponente teológico de João Paulo II e do cardeal Ratzinger: “A Igreja está 200 anos atrás. Como ela não se sacode?”.
De fato, afirmou o Papa Francisco, “não estamos mais na cristandade, não estamos mais! Não somos mais (...) os primeiros, nem os mais ouvidos”. Assim, “o que vivemos não é apenas uma época de mudanças, mas sim uma verdadeira mudança de época”. Portanto, continuou, é preciso “iniciar processos e não ocupar espaços”, porque “Deus se encontra nos processos em curso”, para fazer uma “conversão” para “sermos mais humanos e cristãos”.
A nova constituição apostólica, intitulada Praedicate Evangelium (Anunciem o Evangelho), deve ser publicada em meados deste ano. Bem distante da autopreservação, ela define um Vaticano “cada vez mais missionário”, prometeu Francisco. Uma das medidas emblemáticas seria mudar a hierarquia dos ministérios do Vaticano. A Congregação para a Doutrina da Fé, até hoje a primeira por dignidade e importância, poderia ser simbolicamente destronada do seu status por uma nova entidade dedicada à evangelização e às questões sociais, sob a orientação do recém-nomeado cardeal Tagle.
Nessa nova visão, o Vaticano não seria mais a central romana que decide tudo e para a qual tudo converge, mas sim uma plataforma de serviços dedicados às Conferências Episcopais, às quais seriam confiadas novas responsabilidades, no espírito de uma descentralização.
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2020, um ano decisivo para a Igreja Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU