09 Julho 2019
O cardeal Oswald Gracias, de Bombaim, na Índia, é um dos conselheiros mais próximos do Papa Francisco. Ele é membro do Conselho dos Cardeais que está reescrevendo a constituição do Vaticano e também foi indicado para ser um dos quatro coordenadores de uma recente cúpula da Igreja sobre a proteção dos menores.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 06-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gracias disse ao Crux que a reorganização da Cúria Romana – o governo central da Igreja Católica – terá um “efeito Francisco” e terá a evangelização, o serviço e a caridade como seus três pilares principais.
O Crux conversou com Gracias no dia 3 de julho sobre a nova constituição do Vaticano, uma possível visita papal à Índia e outras questões.
O senhor esteve em Roma na semana passada para a reunião do Conselho dos Cardeais que aconselha o papa e agora está de volta. O que levou o senhor para a Cidade Eterna desta vez?
Várias coisas, reuniões... Eu estou participando da reunião anglófona para a proteção dos menores que reúne bispos de língua inglesa de todo o mundo. Eu também tive um encontro na Secretaria de Estado para acompanhar a reunião de fevereiro [a cúpula sobre abusos sexuais].
Recentemente o papa publicou dois motu proprios que estão ligados a essa reunião, que se concentrou na proteção dos menores. Quando teremos o próximo passo dessa reunião?
Já tivemos algumas reuniões, e espero que até o fim do ano tenhamos formalizado as nossas contribuições. Ainda podem se seguir algumas mudanças no direito canônico, e nós também queremos colocar mais corpo ao motu proprio do papa. Há uma área na proteção dos menores que é a de garantir que os perpetradores não façam isso de novo. Mas há também a promoção de boas práticas para criar ambientes seguros, através da formação de padres, leigos, famílias – prevenção. E isso é algo que precisamos cuidar. Ainda há muitos desafios, mas muito está sendo feito.
A nova constituição claramente já não vai ser publicada antes da metade do ano. Qual é o novo prazo?
Era um pensamento desejoso pensar que ela sairia em junho. O esboço está pronto, mas pedimos um feedback de todo o mundo e da Cúria. E tem havido muitos comentários que ainda não pudemos ver. Mas há um grupo trabalhando nisso, e amanhã eu terei uma conferência via Skype para acompanhar. Mas a minha esperança é de que até setembro, ou dezembro no máximo, a constituição será publicada.
É verdade que há algumas partes que ainda estão sendo escritas, como sobre o papel do porta-voz ou da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores?
O esboço está pronto; mas alguns problemas surgiram, e nós os estamos revisando. Como toda a questão de quanto isso deve estar ligado à Cúria ou ser mais independente. Por exemplo, os porta-vozes. Eles são os porta-vozes do papa ou da Cúria? Porque um é mais concreto, a outra lhes dá mais acesso.
Quais serão alguns dos novos elementos da constituição Praedicate Evangelium?
Um elemento-chave é que a Cúria deve estar a serviço do papa, mas também das Conferências Episcopais. A Cúria é nomeada pelo papa, mas tem que ajudar a todos. No fim, isso exigirá mudanças no direito canônico, porque a Cúria sempre esteve a serviço do papa, mas agora estará a serviço do papa e dos outros bispos, da Igreja universal. Essa é uma grande mudança. Outra grande mudança é que demos às Conferências Episcopais um lugar central, mesmo que ainda haja algumas dúvidas sobre a sua validade jurídica. Mas elas são eficazes e uma situação presente no mundo, então há uma seção sobre elas. A sinodalidade e a colegialidade também vieram à tona, mas o principal é estar a serviço do papa e dos bispos.
O que significa dizer que a Cúria estará a serviço das Conferências Episcopais ?
Essa é a ideia do Papa Francisco de que queremos estar a serviço para que as Conferências Episcopais saibam que a Cúria está a serviço, as acompanha, as ajuda. A Cúria está fazendo um trabalho gigantesco. As dioceses não funcionariam sem ela. A mentalidade está mudando, mas tem que ser fortalecida pela lei. Uma vez, você só poderia chegar à Cúria quando viesse a cada cinco anos. Agora é mais fácil, com telefones, e-mails etc. E também pregar o Evangelho. É o elemento central da Igreja, de modo que a primeira prioridade será pregar o Evangelho. Depois a Congregação para a Doutrina da Fé, depois o serviço social da Igreja, indo ao encontro daqueles que estão nas periferias. Esperamos que o ofício do esmoleiro papal se torne um dicastério. A mensagem é focar na evangelização, no serviço, na caridade. Esses são os “efeitos Francisco” na Cúria.
Algumas das propostas da constituição exigirão mudanças no direito canônico. Vocês vão correr atrás dos cânones depois?
Em alguns casos, teremos que fazer isso, porque você não pode ter a constituição contradizendo o direito canônico.
Isso não deveria ser feito antes?
Isso é muito complicado. Mas o Santo Padre pode simplesmente dizer que estamos mudando esses códigos, e isso terá que ser feito. Está demorando muito tempo, mas isso será feito. Uma das razões pelas quais levamos muito tempo é porque, antes de começarmos a redigir, nos reunimos com todos os dicastérios. Eu pensava que não haveria tanto feedback, já que os consultamos antes, mas parece que as pessoas continuaram pensando a respeito!
Mudando de assunto. O papa irá à Índia?
Esperamos que sim. Ele quer ir. Eu também tenho negociado com o governo, porque, como o papa é um chefe de Estado, ele precisa do convite do governo. Agora que a eleição terminou, temos que falar sobre quando ele pode vir e para onde. Antes das eleições, o primeiro-ministro me disse que era possível, mas que o momento certo tinha que ser encontrado.
Muitas pessoas que verem a Índia de fora temem que o fato de o governo ter sido reeleito significa que haverá um aumento na radicalização, com um crescimento do ódio contra as minorias religiosas. Vocês têm medo em relação à comunidade cristã?
Eu não diria que estou com medo, não. Em última análise, é o nosso governo, e temos que trabalhar com ele. A minha única hesitação, ansiedade, é que não há praticamente nenhuma oposição ao governo, e isso não é bom para nenhum país. Você precisa dos freios e contrapesos, e a Igreja é apenas 2%, e, obviamente, não podemos ser essa oposição. Estamos em contato com o governo e esperamos poder trabalhar juntos. É um país de maioria hindu, e nós temos que aceitar isso.
Mas todos não deveriam estar seguros, independentemente da sua religião?
Sim, isso é verdade. E o governo também tem que ser inclusivo. E eu tenho esperança nisso.
No dia 1º de julho, um tribunal decidiu que a polícia devia parar de investigar a acusação de que o senhor havia encoberto um caso de abuso, dizendo que o senhor fez o que tinha que fazer. Em algum momento, o senhor achou que o resultado poderia ser diferente, que havia mais que poderia ter feito?
Estamos absolutamente certos de que fizemos o que deveríamos ter feito. Mesmo no julgamento anterior, o juiz disse que não havia nenhuma acusação sobre o modo como o caso foi tratado por mais de cinco anos, e que, de repente, eles estavam chegando lá. Mas há evidências documentais suficientes: eu me encontrei com o sobrevivente de tarde e parti para o aeroporto pouco depois, dizendo ao meu auxiliar para ir à polícia, o que ele fez no dia seguinte. Eu me preocupo com a imagem que a Igreja pode ter, de ter encoberto. E isso absolutamente não ocorreu.
Qual foi o impacto da reunião de fevereiro na Índia?
Eu acho que os bispos estão conscientes da sua responsabilidade, e nós temos diretrizes nacionais há alguns anos, mesmo que não tenhamos pessoal suficiente em todas as dioceses para tratar dessas questões quando elas surjam. Por essa razão, eu estou trabalhando para que algumas dioceses compartilhem seus recursos quando se trata disso, para que tenham uma comissão que possa trabalhar para mais de uma. Nós não tivemos muitos casos, mas sabemos que eles existem, sem dúvida. A Igreja está sangrando com isso em todos os países. Sempre há mais a ser feito, mas a Igreja tinha um conjunto de diretrizes antes mesmo do governo na Índia, mesmo que Roma tenha levado algum tempo para aprovar essas diretrizes!
Há alguma atualização sobre a declaração de martírio das vítimas de Kandamal, talvez o pior pogrom anticristão do início do século XXI, com mais de 100 pessoas mortas em questão de dias e cerca de 50 mil pessoas que encontraram abrigo em uma floresta próxima?
Eu me ofereci os meus próprios especialistas de Bombaim para ajudar a dar os primeiros passos, mas confesso que não estou totalmente atualizado. Falei com algumas pessoas no Dicastério para as Causas dos Santos no Vaticano, porque não há dúvida de que elas são mártires, mas alguns aqui em Roma e na Índia estão cientes de que o tempo tem que ser o certo por causa da situação local, mas devemos pelo menos iniciar o processo, tê-lo pronto. Eu falei com as vítimas, parentes, esposas e sobreviventes, e acho que não haveria dúvida, pelo que eles disseram, que elas são mártires. Obrigado por me lembrar de que precisamos seguir em frente.
Algo mais?
Continuem rezando pela Índia. Temos muito a oferecer ao mundo e à Igreja.
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Cardeal indiano diz que reforma da Cúria terá um “efeito Francisco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU