23 Fevereiro 2019
O primeiro dia, ontem, foi o da autocrítica e do reconhecimento da grave inércia que arrasta a Igreja frente a pedofilia. Também foi o de reivindicar medidas concretas, para o que o Papa Francisco (mais uma vez) deu o primeiro passo e lançou 21 propostas para que se discutam com sinodalidade e colegialidade.
A reportagem é de Hernán Reyes Alcaide, publicada por Religión Digital, 22-02-2019. A tradução é do Cepat.
A jornada desta sexta-feira iniciou com um eixo bem claro: a prestação de contas, a accountability em sua versão da ciência política estadunidense.
Foi o cardeal indiano Oswald Gracias o encarregado inaugurar, hoje, no Vaticano, o segundo dia de discussões da cúpula antipedofilia e demorou apenas algumas linhas para deixar claro o rumo do dia: sentado ao lado do Pontífice, afirmou que os membros da Igreja culpados de abusos sexuais “têm a obrigação de prestar contas às autoridades civis”.
“Aqueles que são culpados de um comportamento criminoso, com justiça tem a obrigação de prestar contas às autoridades civis por tal comportamento”, expôs Gracias, arcebispo de Bombaim, ao proferir seu discurso no segundo dia de trabalho da reunião na qual Jorge Bergoglio participa em tempo integral, junto com os 190 participantes de todo o mundo.
A linha de Gracias foi clara: como parte da sociedade, a Igreja não pode seguir vivendo nas costas do mundo quando esses casos ocorrem: “Embora a Igreja não seja um agente do Estado, reconhece a autoridade legítima do direito civil e do Estado. Para tanto, a Igreja coopera com as autoridades civis nesses assuntos para fazer justiça aos sobreviventes e à ordem civil”, pediu.
“Nenhum bispo pode dizer a si mesmo: “Esse problema de abuso na Igreja não me concerne, porque as coisas são diferentes em minha parte do mundo”. Cada um de nós é responsável por toda a Igreja”, destacou Gracias, membro também do C6, o grupo de cardeais que assessora o Pontífice na reforma da Cúria.
“Juntos, temos responsabilidade e obrigação de prestar contas. Estendamos nossa preocupação para além de nossa Igreja local, para abarcar todas as Igrejas com as quais estamos em comunhão”, pediu, dirigindo-se aos 114 presidentes de conferências episcopais.
Segundo Gracias, "o abuso sexual na Igreja Católica e a consequente incapacidade de abordá-lo de maneira aberta, efetiva e prestando contas com respeito a isso, vem causando uma crise multifacetada que assediou e feriu a Igreja, sem falar daqueles que foram abusados ".
Em um tom de autocrítica semelhante ao que prevaleceu ontem, na jornada inaugural, o cardeal asiático afirmou que "não se pode ignorar que tratar do tema do abuso de maneira correta tem sido difícil para nós na Igreja por várias razões".
"Uma tarefa fundamental que incumbe a todos, individual e colegialmente, é restabelecer a justiça para aqueles que foram violados", enfatizou, de acordo com o eixo do segundo dia, que será centrado na prestação de contas ou accountability.
"O abuso sexual de menores e outras pessoas vulneráveis não somente viola a lei divina e eclesiástica, mas também é um comportamento criminoso público", recordou aos representantes eclesiásticos, que depois deverão voltar aos seus países para transmitir os delineamentos da cúpula.
Nesse marco, Gracias, sentado junto ao Papa Francisco na Sala Nova do Sínodo, expôs que "é importante identificar e aplicar medidas para proteger os jovens e as pessoas vulneráveis de futuros abusos".
"O mais importante é que o abuso inflige dano aos sobreviventes. Esse dano direto pode ser físico. Inevitavelmente, é psicológico com todas as consequências a longo prazo de qualquer trauma emocional grave relacionado a uma profunda traição de confiança", lamentou.
"Por mais grave que seja o abuso direto de crianças e adultos vulneráveis, o dano indireto infligido por aqueles com responsabilidade diretiva dentro da Igreja pode ser pior ao revitimizar aqueles que já sofreram abusos", afirmou nessa linha.
Leia mais
- Francisco encerra encontro no Vaticano com promessa de que a Igreja irá ''enfrentar com decisão'' os abusos
- Homens e mulheres: perante Jesus, nenhuma hierarquia. Entrevista com Oswald Gracias, cardeal indiano
- Francisco e as diretrizes contra a pedofilia. 21 pontos de reflexão sugeridos aos bispos
- As tentativas de Bannon e da direita católica para orientar a cúpula do Vaticano sobre a pedofilia por um viés anti-homossexual
- Homossexualidade e pedofilia: a luta contra os abusos na Igreja
- Valentina Alazraki representou um momento de raro destaque na deontologia jornalística. O que foi dito no sábado, diante do Papa é a opinião do verdadeiro jornalismo que quer ser um aliado da Igreja Católica
- Os oito compromissos do Papa Francisco e da Igreja para proteger os menores no final do Encontro no Vaticano sobre a pedofilia clerical
- Principal assessor de João Paulo II defende legado do Papa a respeito dos abusos sexuais
- Encontro sobre "A proteção dos menores na Igreja". Declaração de padre Federico Lombardi SI, Moderador do Encontro
- Pedofilia, Bergoglio encerra a cúpula: "Agora seriedade sobre os abusos". Mas nem todos os cardeais estão abertos à tolerância zero
- O que a Igreja deve fazer diante dos abusos? Entrevista com Valentina Alazraki, convidada a falar no Vaticano sobre “a proteção dos menores na Igreja”
- Lombardi anuncia a criação de uma “força-tarefa” vaticana para a luta contra a pederastia
- Vítimas divididas diante do discurso do Papa no encerramento do encontro antipederastia
- Apesar da pressão externa, pouco se falou sobre homossexualidade na cúpula sobre abusos no Vaticano
- O Cardeal Marx acusa o Vaticano: destruídos dossiês sobre padres pedófilos, abolir o segredo pontifício
- Abusos sexuais na Igreja: chegou a hora de fazer as contas com alguns momentos e passagens do pontificado de João Paulo II
- Os ataques à Igreja são o sinal de uma nostalgia escondida. Entrevista com o cardeal Schönborn
- Arcebispo australiano sugere a criação de novo dicastério vaticano para combater o abuso e a cultura clerical
- O cisma. Artigo de Raniero La Valle
- A cúpula sobre os abusos e a armadilha ''donatista''
- “A denúncia de um crime não deve ser obstaculizada pelo segredo oficial ou por normas de confidencialidade”, afirma Cupich
- O Papa beija as mãos de um sobrevivente de abusos. Vídeo
- Os temas do primeiro dia de trabalho foram apresentados durante o encontro com os jornalistas. No solo sagrado do sofrimento
- A ousadia de Francisco
- A comoção dos bispos com o testemunho das vítimas de abusos
- “O santo Povo de Deus olha para nós e espera de nós não meras e óbvias condenações, mas medidas concretas e eficazes”, afirma Francisco
- Francisco e as diretrizes contra a pedofilia. 21 pontos de reflexão sugeridos aos bispos
- Francisco terá que consertar a cultura do encobrimento que João Paulo II permitiu
- Papa abre cúpula contra abusos sexuais anunciando “medidas concretas e eficazes”
- Com maior número de católicos no mundo, Brasil será projeto-piloto para dar voz a vítimas de abusos na Igreja
- Scicluna recorda aos bispos o dever de respeitar os protocolos e as leis civis
- Encontro sobre o Cuidado dos Menores. “Fiéis pedem medidas concretas”, afirma Francisco
- Cardeal filipino cobra os que fecharam os olhos diante dos abusos
- "A presença do Papa nunca esteve prevista" no encontro de vítimas de abusos, afirma Juan Carlos Cruz
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal indiano reivindica que os abusadores dentro da Igreja “prestem contas às autoridades civis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU