29 Outubro 2018
O país elegeu ontem, 28-10-2018, Jair Bolsonaro (PSL) presidente do Brasil. Ele será o 38º presidente, o oitavo eleito após a redemocratização. Com 55,14% dos votos válidos, Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT), com 44,86% da preferência, no segundo turno. Pelo menos 37 milhões de brasileiros se abstiveram, anularam ou votaram em branco, algo como 29% de todo o contingente de eleitores.
Para analisar o cenário pós-apuração, IHU On-Line conversou com Paulo César Carbonari. Na entrevista por e-mail, uma das saídas apontadas pelo filósofo é o enfrentamento do conservadorismo por meio de propostas que englobem os direitos universais: "creio que o desafio de enfrentar a agenda conservadora e autoritária precisa de uma proposta de direitos humanos em perspectiva popular e de altíssima intensidade. Precisamos superar as concessões que setores de direitos humanos têm feito ao conservadorismo. A agenda é reconstruir um campo popular intenso e isso passa por investir nos processos organizativos. Não basta termos boas ações e muitos relatórios de denúncia, eles serão necessários, mas com eles precisamos reforçar processos concretos de resistência e de luta interseccional", coloca.
Paulo César Carbonari | Foto: Reprodução - Youtube
Paulo César Carbonari é graduado em Filosofia no Instituto Berthier - IFIBE com reconhecimento pela Universidade de Passo Fundo, mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás e doutor em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. É professor do IFIBE, Passo Fundo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que avaliação faz do resultado das eleições presidenciais e qual é o seu significado político?
Paulo César Carbonari - Bolsonaro venceu. Ainda que seus oponentes tenham evitado pronunciar seu nome ao longo da campanha, ele agora é o presidente eleito. Foi eleito com expressiva votação, ainda que não tenha pouco mais de 55% dos votos válidos, não tem apoio da maioria dos brasileiros/as que ou votaram no adversário, quase 45%, votaram nulo ou branco, cerca de 9,5%, ou se abstiveram, mais de 21%. São 84 milhões de brasileiros/as que estão contra o presidente eleito. Um volume nada desprezível. E é com eles que tem que saber lidar, se quiser permanecer nos marcos democráticos – ainda que duvide de que o fará!
Mas, este resultado se coloca em marcos mais amplos que analisamos ainda que rapidamente a seguir.
O processo eleitoral de 2018 foi marcado por situações significativas:
a) não ter havido debate entre os dois principais concorrentes no segundo turno – ainda que a ausência do candidato eleito tenha justificativa médica – empobreceu demais a oferta de subsídios para que o eleitorado tivesse condições de avaliar posições e contradições;
b) as ações judiciais de cerceamento do debate político nas universidades – foram mais de 20 no país, e ensejou liminar do STF – é outra mostra de cerceamento da possibilidade de expressão da reflexão para a compreensão dos jogos no processo eleitoral;
c) a massiva presença das redes e com elas de um novo modo de propagação de propostas e, junto com elas, de mentiras e ataques – o presidente eleito praticamente só fez campanha pelas redes (ainda que se entenda as restrições médicas).
Cada uma dessas situações exige boas reflexões e, todas elas juntas, alimentam um contexto no qual os/as eleitores/as se viram com poucas possibilidades de ver a campanha eleitoral como exercício político no espaço público. Elas todas contribuíram para despolitizar ainda mais o processo eleitoral e para enfraquecer a democracia, que já está em crise. O controle vertical associado à automação e à inteligência artificial presente especialmente em espaços não compartilháveis publicamente das redes sociais demarcaram novas formas de controle da formação da opinião no processo eleitoral e a compreensão dos fatos que nela foram gerados (exemplo disso é a repercussão do #elenão amplamente desconstruída pela ação do então candidato, agora eleito, nas redes, particularmente no Whatsapp).
É de se perguntar: como entender que um veículo de interação, de integração, tenha se tornado um modo de fazer atuação e participação no processo eleitoral que despotenciou o espaço público e o atropelou, não fortalecendo processos de formação de convergências de interesses, mas reforçando ataques e a destruição das reputações? Há uma força mobilizada por estes processos que não foi dirigida para a construção do que é comum, do interesse comum, e essa força persiste como desafio para a democracia, sobretudo no sentido de fortalecer os espaços públicos de formação da opinião, das demandas políticas e dos processos participativos considerando a realidade destes novos instrumentos de interação.
O crescimento e o fortalecimento dos discursos e práticas de ódio e violência foram amplamente disseminados e patrocinados por setores significativos da sociedade e claramente por uma das candidaturas, a vitoriosa, produziu consequências graves para a convivência democrática. O fascismo social, que está na sua raiz não é novo na realidade cotidiana das populações pobres, dos/as trabalhadores/as, dos/as negras/as, das mulheres, dos LGBTs, dos indígenas e quilombolas, entre tantos/as outros/as, cresceu. Há uma seletividade cada vez mais “legitimada”. O enfrentamento da violência que vitima prioritariamente exatamente estes segmentos sociais parece se combinar com uma certa anuência à violência, se é que ela for para certos grupos sociais.
A construção de um inimigo alimenta lógicas de guerra, de ataque, como se elas pudessem ser as mais adequadas para justificar medidas securitárias mais endurecidas. A criação e alimentação da figura do “bandido” e sua aplicação seletiva tem sido uma das medidas mais comuns neste contexto. O discurso do “bandido bom é bandido morto” parte do princípio de que há um conjunto de humanos que não cabem na humanidade. Para eles a punição extrema, em nome da segurança dos “humanos de bem”. Chega-se até a dizer que direitos humanos não prestam porque só protegem bandidos, ou que, até se aceita direitos humanos contanto que para os humanos direitos. Há como que uma “naturalização” do punitivismo e do seletivismo, ainda que isso não seja de hoje. A segurança almejada passa necessariamente pela prática de exclusão seletiva e pelo reconhecimento excludente, longe, muito longe, da igualdade. Dois valores democráticos estão profundamente questionados: a universalidade e a igualdade. Esta é uma herança que chegou ao processo eleitoral de há muito e que fica como consequência para o pós-eleições.
Outro aspecto a considerar é o de saber em que medida a vitória/derrota eleitoral pode significar também derrota/vitória política; vitória/derrota democrática. A campanha foi amplamente polarizada, mas isso não é novidade nas eleições brasileiras, além desta, ao menos a última também foi. A questão que poderia ser discutida é a seguinte: como entender que um dos candidatos, o que foi eleito, tenha ido tão longe defendendo propostas antidemocráticas, de apoio à ditadura militar, de apoio à tortura, de ataque às minorias e aos direitos constitucionalmente garantidos – ainda que na vitória discurse com a constituição, a Bíblia, a biografia de Churchill e um livro de Olavo. Deu provas expressas em suas várias manifestações do baixo apreço à democracia, particularmente quando a uma semana do segundo turno falou em prender ou mandar para fora do país os opositores. Ainda que jure que vai ser “escravo” da Constituição. Parece que se ajusta por necessidade dos interesses, das conveniências, das circunstâncias. Parece usar bem que é da democracia abrir espaço até para quem não a aprecia, para quem a combate, para quem quer destruí-la.
As teorias da pós-democracia ajudam a entender, mas certamente não são suficientes para que possamos compreender que se passa na democracia brasileira. Nossa democracia ainda não está consolidada. Esta é a principal lição. Os pactos das transições geraram adesão a padrões mínimos de democracia e instituições e agentes institucionais que permaneceram atuando sem que uma atualização política fosse feita e sem que crimes fossem punidos (tortura nunca foi efetivamente punida ainda que a lei a condene). A democracia parece ser um “valor relativo” e conveniente, ainda que pesquisas de opinião revelem adesão significativa à democracia, mas ela parece abstrata e formal, visto que, quando analisada em temas concretos, cai a adesão. Nossa Constituição, saudada por ser cidadã, na realidade vem sendo desconstruída desde o dia seguinte de sua promulgação – já são quase 100 emendas e a primeira foi apresentada em 06 de outubro de 1988, e previa a pena de morte (foi declarada inconstitucional somente dez anos depois e agora volta como pauta de um dos candidatos).
O processo eleitoral parece que fez voltar vários fantasmas e os alimentou excessivamente, fazendo eleitores/as acreditarem profundamente na sua existência real. Um dos exemplos é a figura do “comunista”, amplamente usada por candidatos de distintas formações ideológicas e contra candidatos de diferentes correntes políticas (Doria usou contra França, em São Paulo; Bolsonaro usou contra Haddad no país, para citar dois exemplos). A “ameaça comunista” qualifica adversários com uma carga forte de negatividade política, ainda que contra todas as evidências concretas. Chamar candidatos de esquerda de “comunistas” é claramente produzir um adjetivo cujo conteúdo parece não ter a menor base semântica, ainda que tenha se viabilizado com grande força performativa. Esta situação indica que nessa campanha não houve somente fake news. O resultado indica que do processo eleitoral fica um resquício, um entulho autoritário, que exigirá muito dos processos de educação política – aliás prática bastante ausente nos vários espaços de ação política nos últimos anos e também pouco exercida nos espaços formais de educação – e talvez uma das razões para a disseminação de tantas bizarrices com baixa capacidade de reação.
O pensamento, a prática e o modo de ser conservador/autoritário, o populismo de direita, ganharam muita força. A justificativa básica para aderir a ele, dizem, é o desejo de “mudança”. Mas uma mudança restauracionista, que até se compreende ante a crise social, econômica e política do capitalismo atual e que ganha presença em vários lugares do mundo, não sendo, por isso, uma “jabuticaba”.
Esta forma de pensar e de ser não constitui um bloco monolítico e nem homogêneo e nele há vários núcleos em composição (um mais fascista, outro antiuniversalista/ultraliberal, outro antipetista, entre outros). Sua vitória eleitoral, por óbvio, por fazer deixar de existir o núcleo antipetista, que apesar disso poderá permanecer como “fantasma”, se concentrará na composição pelo menos dos dois primeiros. Ele disputa a hegemonia, o que significa que não só quer dirigir o poder, mas também quer dirigir moral e intelectualmente a sociedade. O que assusta é a força e a potência que conseguiu mobilizar na sociedade brasileira. Literalmente está conseguindo recolocar os capitães do mato, os inquisidores, os “savonarolas”, os escravocratas, os torturadores, os machistas, os racistas, os LGBTfóbicos e todos quantos sempre tiveram poder sem o menor pudor em nosso país, os dominadores de sempre, na agenda do dia. Estão “libertos” para atacar os “inimigos do bem”.
Esta potência se encontrou com uma situação na qual as lutas populares e os movimentos sociais estão com dificuldades de organização e de reação que seja capaz de mobilizar de modo amplo e profundo – está com dificuldade de resistência, ainda que a tenha. Agendas conciliatórias levaram ao enfraquecimento das lutas populares, a um certo rebaixamento de expectativas, uma certa ação “raposa” (em referência à reação da raposa da história de “a raposa e as uvas”). Quem precisa gastar sua vida para sobreviver sobra pouco tempo e tem menos condições (de todo tipo) para participar da vida política (e isso é assim, desde que a democracia foi inventada na Grécia, onde os cidadãos tinham escravos para suprir-lhes as necessidades básicas). A pobreza e a desigualdade (e em contrapartida a concentração) degradam a democracia.
Em termos partidários, o PT, ainda que tenha perdido a eleição à presidência, conseguiu um resultado expressivo, considerando que a campanha antipetista vem de anos; Dilma foi golpeada num impeachment sem crime de responsabilidade, Lula está preso em razão de um julgamento discutível por não ter provas robustas e a operação anticorrupção tem sido direcionada privilegiadamente contra agentes petistas. Elegeu a maior bancada na Câmara e foi o partido que mais fez governadores, quatro. Mas lhe sobra o desafio de um grande exercício de autocrítica e de reorientação estratégica. Ora, se quiser seguir disputando a hegemonia na sociedade brasileira, terá que fazer muito mais do que voltar a ouvir as bases, terá que reconstruí-las, terá que reconstruir a agenda de futuro, terá que ajudar a fortalecer os movimentos e as lutas populares, enfim, junto com outros partidos da esquerda terá um caminho árduo de enfrentamento do conservadorismo ao tempo em que precisa se reconstruir como possibilidade concreta para alimentar a esperança e ser capaz de oferecer valores que resultem na adesão popular numa ampla frente de esquerda democrática.
Enfim, penso que o populismo neoliberal venceu, pois joga por terra valores-chave da democracia liberal em favor da concentração da riqueza, do endurecimento da exploração e da expropriação e do aprofundamento da desigualdade. A agenda da promoção da igualdade material, que já estava devagar, será interrompida. No lugar dela os capitalistas se veem alimentados já que não precisarão fazer concessões que precisaram historicamente fazer para o que as disputas eleitorais serviam também de parâmetro e medida. Estão legitimados pelo voto para implementar uma agenda conservadora de ataque aos direitos e de dilapidação da riqueza nacional. A rapinagem está instituída.
Não que a população brasileira a tenha claramente aprovado (pesquisas mostram que 68% dos brasileiros são contra as privatizações; 71% contra reformas trabalhistas e 85% contra a reforma da previdência), pois estes temas sequer foram debatidos na campanha. O candidato eleito encontrou bons recursos para “esconder” a agenda econômica e quando seus prepostos tentaram explicitá-la (Paulo Guedes ou o general Mourão), o presidenciável os reprimiu, ainda que não tenha negado que faria o que propunham. Assim que certamente terá que fazer uso de força, além da força eleitoral, para poder ter condições de fazer valer esta agenda ultraliberal.
IHU On-Line - Quais os desafios para a governabilidade do presidente eleito?
Paulo César Carbonari - Elencamos questões, sem o devido aprofundamento, por haver necessidade de angariar mais subsídios. O que apresentamos são intuições iniciais que podem orientar a atenção a ser dada aos passos na composição da equipe de governo, na dinâmica de composição das mesas do Parlamento (Câmara e Senado), além dos processos de posicionamento de outros agentes da dinâmica política institucional e também dos agentes da dinâmica da ação e organização popular. O candidato derrotado, Fernando Haddad, em seu discurso logo após as eleições se colocou claramente na disposição de capitanear um processo duro e consistente de oposição, já que afirmou que seu compromisso é de vida com o Brasil.
Apontamos os seguintes aspectos:
a) ainda que o presidente eleito tenha uma ampla maioria no parlamento, não lhe será fácil uma adesão monolítica e substanciosa, dada a formação com espectro amplo de partidos e de interesses e bancadas – diz que não fará acordos de interesse, difícil de esperar que com as bancadas eleitas não tenha que fazê-lo – seu governo técnico será de técnicos bastante engajados em seus programas e em programas de interesse;
b) tem significativo apoio popular, ainda que se possa questionar até onde o seguirá se não promover medidas duras e simbólicas que produzam sangue – afinal, a lógica do inimigo precisa de guerra e sangue se tomarmos o padrão usado na campanha (quando falava aos seus eleitores usava termos e afirmações mais enfáticas do que quando em situações mais controladas);
c) terá resistência das organizações de esquerda que certamente só terão uma saída, enfrentá-lo nas ruas, com campanhas e ações de fortalecimento da oposição, o que pode gerar ampla repressão, por um lado, mas acúmulo de forças que lhe sejam contrárias, por outro – difícil de acreditar que tenha “banido” o PT, como dizem alguns;
d) terá que satisfazer logo o “mercado” com medidas profundas de privatização até para ter caixa para ações compensatórias que prometeu e, ademais, o “mercado” exigirá respostas rápidas que nem sempre podem ser tão rápidas em razão das amarras constitucionais, institucionais e administrativas, sem contar com os embargos comuns e presentes nas disputas de interesse entre os próprios capitalistas que não deixarão de disputar entre si se virem que vão perder dinheiro;
e) além de uma potencial reação de setores internacionais – boa parte da imprensa internacional já se manifestou bastante crítica já na campanha – podendo lhe trazer problemas de inserção internacional e ainda que diga que vai podendo ficar refém de Trump.
IHU On-Line - O que esperar do governo eleito?
Paulo César Carbonari - Vou me ater a uma breve análise do que o presidente eleito chamou de “discurso da vitória”, lido e transmitido ao vivo pela televisão no domingo à noite, um pouco diferente daquele que havia feito como “live” pelas redes sociais minutos antes.
Começou citando a Bíblia: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará” (Jo 8, 32), repetindo o que já veio dizendo em vários momentos ao longo da campanha. Antes disso havia solicitado que um de seus apoiadores, o senador não reeleito, Magno Malta (ES), orasse. Uma renovada manifestação da força religiosa de sua atuação que há de merecer atenção, dado que, ainda que tenha sua crença, como presidente deverá dirigir um Estado laico.
Disse que os brasileiros escolheram um caminho que foge da “ameaça” do caminho que não desejam e nem merecem [referindo-se indiretamente a seu adversário]. Disse que vai fazer um governo para todos os brasileiros, diverso nas opiniões, cores e orientações, ainda que tenha ressalvado que entre eles “cabem todos os que têm os mesmos objetivos que os nossos”. Essa ressalva parece secundária, mas considerando os ataques a negros, indígenas, mulheres, LGBTs e outras minorias ao longo da campanha, pode ser uma inflexão que poderá vir a significar muito. A vitória que teve não é de “um partido”, mas a “celebração de um país pela liberdade”, reforçando o sentido nacionalista de sua posição.
Disse que vai defender a “Constituição, a democracia e a liberdade” não como “promessa vã de um homem”, mas como “um juramento a Deus”. Reiterou que é a verdade que vai libertar o país e transformá-lo em grande nação. Disse que a “liberdade é um princípio fundamental” e citou como exemplos a liberdade de ir e vir, de empreender, política e religiosa, de informar e de ter opinião e de fazer escolhas e ser respeitado por elas. “Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis”. Aqui está uma passagem que, se cotejada com o que veio defendendo na campanha, representa objetivamente o seletivismo na sua compreensão de direitos, já que se lá falava dos “cidadãos de bem” ou dos “humanos direitos”, aqui fala dos direitos “do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis”. Sutilmente reedita uma posição que é antiga entre nós e que é a expressão do conservadorismo punitivista e seletivista em direitos humanos. Com isso o compromisso constitucional com os direitos de todos e para todos parece sofrer uma inflexão que confirma as promessas expressas ao longo da campanha.
Ressaltou a figura do empreendedor, a quem desejou “tenha mais liberdade para criar e construir seu futuro”. Disse que o emprego, a renda e o equilíbrio fiscal são “nosso compromisso”. Enfatizou o que chamou de um dos pilares do Estado Democrático de Direito, o direito de propriedade. Estas falas são emblemáticas para colocar no centro de sua proposta a figura tão cara ao neoliberalismo, o conhecido “empreendedor de si” (selfmademan), que por seu mérito conquista tudo o que tem, sua propriedade, sua liberdade, seu futuro. Aqui está a outra versão que expressa seu programa político-econômico centrado na promoção dos interesses do indivíduo econômico, do indivíduo produtivo (que desde sempre se opõe ao vagabundo, ao que só fica querendo roubar o que é dos outros). Parece acreditar piamente na chamada “tragédia dos comuns” (Hardin, 1968). Ademais, uma sinalização que, se somada ao que dito ao longo da campanha, significa identificar movimentos sociais que lutam para que a propriedade cumpra a função social, e que mais do que direito de propriedade se garanta o direito à propriedade, conforme dito na Constituição, como aqueles a serem enquadrados na Lei.
Em síntese, não tenho como esperar outra coisa que não seja mais legitimação dos diversos núcleos de sua posição conservadora de reforço ao fascismo social presente na realidade brasileira; esperar retrocessos na garantia de direitos em todos os campos dos direitos humanos, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, nos direitos dos grupos que precisam de mais proteção por sua situação de maior precariedade, as mulheres, os LGBTs, os negros/as, os/as pobres, os/as trabalhadores/as; o aumento da criminalização e da desmoralização das lutas populares, dos/as lutadores/as, dos/as defensores de direitos humanos; o aumento da exploração e da expropriação das riquezas nacionais pela rapinagem internacional, com consequente aumento da desigualdade; enfim, o sequestro do futuro com bravatas falsamente antissistêmicas, que no fundo só reforçarão aqueles que sempre se deram bem. A dominação se abaterá sobre os mais pobres e excluídos, as vítimas de sempre. Esta é a promessa, ainda que pelo discurso seja feita no “marco da lei” e da ordem.
Como militante de direitos humanos, creio que o desafio de enfrentar a agenda conservadora e autoritária precisa de uma proposta de direitos humanos em perspectiva popular e de altíssima intensidade. Precisamos superar as concessões que setores de direitos humanos têm feito ao conservadorismo. A agenda é reconstruir um campo popular intenso e isso passa por investir nos processos organizativos. Não basta termos boas ações e muitos relatórios de denúncia, eles serão necessários, mas com eles precisamos reforçar processos concretos de resistência e de luta interseccional. Na esteira de Benjamim, é por eles/as, os/as desesperançados/as, que nos cabe corajosamente resistir e construir alternativas democráticas e populares, participativas e criativas, não deixando que a derrota eleitoral seja transformada numa derrota política.
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O populismo neoliberal venceu. Entrevista especial com Paulo César Carbonari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU