22 Junho 2016
"A educação perdeu para a violência. Os estudantes aprenderam que a polícia militar não existe para protegê-los; existe para criminalizá-los. Aprenderam que o Estado não existe para garantir seus direitos, mas para se proteger deles, para tratá-los como 'delinquentes de alta periculosidade'", escreve Paulo César Carbonari, doutor em Filosofia (Unisinos), professor no Instituto Berthier (IFIBE) e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul.
Eis o artigo.
Aprendi da guriazada [neologismo que tenta enfrentar o sexismo da linguagem] das escolas ocupadas que só aprende quem sabe que ainda não sabe, ou, que sabe que ainda tem muito a aprender.
Esta guriazada nos ensinou que as escolas são lugares vitais. Não são expedientes, de turnos, de períodos, de aulas.
São casas nas quais aprende-se para a vida, aprende-se a viver, aprende-se com a vida. Por isso não tiveram dúvida de ocupa-las. E o fizeram não para outro motivo senão que para que, se, em algum momento se converteram em algo que não servisse para aprender ou que não tivesse condições adequadas para tal, que passassem a ter. Sua luta não quis outra coisa do que fazer das escolas, escolas, lugares para aprender, com condições adequadas, com pessoal suficiente, valorizado, reconhecido.
Foram duros. Fecharam os portões a cadeado. Não deixavam entrar facilmente. Sabiam que havia os que queriam acabar com sua causa, acusá-los de baderna. Mostraram que são organizados, que aprenderam cedo a fazer luta, a resistir, a cobrar, a cuidar!
As autoridades, lamentável! Primeiro fugiram, para outro país, inclusive. Depois responderam com descaso. No final, usaram da força, da pior, da força violenta, aquela que só fala com pimenta e com sabres, com pancadas e cassetetes.
Os enquadraram numa lista horrorosa de crimes. Os transformaram em criminosos. Jovens que lutavam por educação transformados em criminosos! Acusados de crime.
Saíram da escola e foram se meter com o cofre! Foram para a Secretaria da Fazenda. Metidos, foram meter-se onde não poderiam! E se descobrissem que há dinheiro para a educação, e que o que falta é que seja usado para a educação! E se descobrissem a chave do cofre e o abrissem e espalhassem o dinheiro que está reservado para outros fins e o distribuíssem para a qualidade da educação.
Absurdo, metidos, criminosos. Melhor que sejam presos e expulsos a força, antes que descubram o caminho do cofre, que o abram, que espalhem educação, e que ensinem aos outros onde está o dinheiro, o que fazer com o dinheiro, ponham o dinheiro na educação!
Aprendemos a indignação e a revolta com o tratamento violento dado a estudantes que só resistiram. Imagem mostram que não houve negociação, mediação, para retirada pacífica. A truculência foi do começo ao fim.
A educação perdeu para a violência. Os estudantes aprenderam que a polícia militar não existe para protegê-los; existe para criminalizá-los. Aprenderam que o Estado não existe para garantir seus direitos, mas para se proteger deles, para tratá-los como “delinquentes de alta periculosidade”.
Eles resistiram, alegres, seguem felizes, voltaram para casa, voltam para suas escolas, seguem aprendendo, seguem ensinando. Seguem mostrando que a luta que vale a pena é a luta que não se deixou de lutar. Deles aprendemos que aprender é um processo de luta e que só aprende quem luta!
Obrigado guriazada, piazada, juventude, vocês nos fazem acreditar que precisamos continuar aprendendo, de vocês e de todas/as que continuam acreditando que a realização de mudanças está na proporção direta do compromisso com a transformação.
Um horizonte novo se abre. Caminhos novos estão para serem construídos!
Que vocês nos guiem!
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Aprendi da gurizada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU