29 Outubro 2018
Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República neste domingo com 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT), em resultado que confirmou a dianteira que o militar reformado mostrava há meses nas pesquisas eleitorais.
A reportagem é de Ingrid Fagundez, publicada por BBC Brasil, 29-10-2018
A distância entre os dois candidatos, no entanto, diminuiu de 18 para 11 pontos percentuais na última semana, levando-se em conta levantamentos do Datafolha e o resultado das urnas.
A vantagem do eleito é próxima da que experimentou a ex-presidente Dilma Rousseff em 2010, quando disputou o segundo turno com o tucano José Serra: 56% contra 44%.
Segundo cientistas políticos entrevistados pela BBC News Brasil, a maior proximidade entre as votações de Bolsonaro e Haddad tira do presidente eleito do Brasil o "cheque em branco" que uma vitória esmagadora poderia representar e aumenta as pressões sobre ele.
Com um grande número de abstenções, votos brancos e nulos que, somados, chegam a 42 milhões, Bolsonaro viu em sua eleição resultado mais apertado do que Fernando Henrique Cardoso e Lula em seus dois mandatos. Para os entrevistados, sua situação estaria mais próxima à de Dilma, que começou o governo em uma condição menos confortável.
Vitorioso no primeiro turno em 1994, FHC recebeu 54% dos votos válidos, contra 27% de Lula. Quatro anos depois, o tucano também levou no primeiro turno, com 53% contra 31% de Lula.
No caso do petista, em 2002 ele venceu no segundo turno com 61%, contra 38% de José Serra (PSDB). Na eleição seguinte, ganhou no segundo turno com 60%, contra 39% de Geraldo Alckmin (PSDB).
"Hoje o cenário é de um presidente eleito legitimamente, mas que não tem a força de FHC e Lula. Se juntar votos brancos, nulos e abstenções com os do Haddad, Bolsonaro não tem metade dos votos dos brasileiros. Pelas bobagens que falou durante a campanha e por não ter uma votação tão esplendorosa como imaginava, entra cheio de controles. Está mais parecido com Dilma", diz o professor de ciência política da FGV Fernando Abrucio.
Os professores explicam que a porcentagem de votos e a distância para o segundo colocado representam o prestígio de um candidato perante a opinião pública e interferem na forma como ele é visto. Quanto maior sua votação, mais impulso tem como figura política, mais apoio pode reunir no começo do governo e mais difícil é a oposição a ele.
Nestas eleições, a professora de ciência política da Unicamp Rachel Meneguello considerou a diferença entre os presidenciáveis "razoável".
"Onze pontos percentuais não é ruim. Não define uma larga maioria e dá chance para uma forte oposição se estabelecer."
Para Meneguello, em um cenário de polarização como o que vive o país hoje, uma vitória estrondosa, na faixa dos 60% a 80%, representaria um risco para a democracia, porque fortaleceria apenas um lado e aumentaria o desequilíbrio do sistema político.
"Uma votação de 70% seria ruim porque você agudiza a polarização. O presidente poderia se colocar no papel de liderança personalista máxima. Se tivesse uma votação desse tamanho, poderia exacerbar os poderes do Executivo, o que seria o caminho natural com a maioria esmagadora dos votos."
Uma votação nesse formato, afirma Meneguello, poderia servir como um "cheque em branco" ou pelo menos um estímulo para Bolsonaro "fazer o que bem entender".
Com uma diferença menor, haveria mais pressões sobre o chefe do Executivo. Fernando Abrucio, da FGV, diz que a última semana do pleito foi crucial para aumentar essas tensões.
O crescimento rápido de Fernando Haddad, que recebeu 47 milhões de votos, e a repercussão de uma declaração polêmica do filho de Bolsonaro sobre o Supremo Tribunal Federal teriam colocado o capitão reformado em posição delicada.
No domingo passado, um vídeo replicado nas redes sociais mostrava Eduardo Bolsonaro, deputado eleito por São Paulo, dizendo que para fechar o STF bastava "um soldado e um cabo".
"Bolsonaro já entra no governo com grande pressão. Nesta semana, passou os dias pedindo desculpas pelo que o filho falou. Vai chegar no governo com muita gente preocupada com a forma autoritária como pode agir. Isso vai obrigá-lo a reduzir o tom", diz Abrucio.
O professor vê a exibição da Constituição Federal de 1988 e de um livro de Winston Churchill, famoso por sua articulação como primeiro ministro britânico na Segunda Guerra Mundial, durante os pronunciamentos de Bolsonaro neste domingo como uma tentativa de moderação.
Tais mudanças de comportamento seriam necessárias ao assumir o governo, argumenta, para costurar acordos num Congresso polarizado e lidar com lideranças de centro e de esquerda pelo país.
"Ele vai ter que conversar com mais gente e ouvir mais, porque as palavras vão ter mais peso no governo. Bolsonaro vai precisar aprender com Churchill: ele conversava com todo mundo, tinha parcimônia, brigou dentro do próprio partido, mas continuou falando com todos."
Abrucio também destaca o crescimento de Haddad na reta final da disputa. Ele diz que o ex-prefeito de São Paulo conseguiu "ser maior do que o PT" no segundo turno e exerceu um papel mais relevante do que se imaginava para um candidato que entrou na corrida tarde, depois que a candidatura de Lula foi negada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um mês antes da primeira votação.
"Haddad se apropriou da ideia da democracia. Isso lhe dá um peso grande, é uma das coisas que fazem parte da espada que está suspensa sobre a cabeça do novo presidente. Bolsonaro precisará ter um cuidado grande, porque, com qualquer escorregão, a oposição pode dizer 'nós avisamos'".
Para Rachel Meneguello, o resultado das urnas permite uma oposição forte, porque ela será representativa de uma grande parte da população. Ele vê na figura moderada do ex-prefeito de São Paulo alguém que pode liderar uma frente de esquerda, desde que PT e outras siglas ultrapassem suas diferenças e se unam.
"Haddad se deu bem nesta eleição, com tudo o que carregou nos ombros - o fato de Lula estar preso, o antipetismo, a herança econômica de Dilma. Mesmo com tudo isso, teve sucesso grande. O PT tem que apostar nele para garantir um processo de alianças na esquerda."
Em discurso após anúncio dos resultados do pleito, o petista falou da responsabilidade de fazer oposição: "porque nós temos compromisso com a prosperidade do país, nós que ajudamos a construir a democracia, uma das maiores do mundo no Brasil, temos que ter um compromisso de mantê-la, de não aceitar provocações. Não aceitar ameaças"
Pedro Fassoni, coordenador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, considera Haddad como "o principal líder político da oposição" neste momento. Ele diz que o petista conseguiu unir diversos movimentos sociais e frentes de esquerda durante a campanha.
Apesar de reconhecer a importância dos milhões de votos recebidos pelo candidato derrotado, Fassoni argumenta que ainda é cedo para saber quão eficazes serão as forças contrárias ao governo.
Ele menciona a grande bancada que o PSL, partido de Bolsonaro, conquistou na Câmara - 52 deputados, apenas atrás dos 56 do PT -, além do apoio da frente ruralista (261 parlamentares, incluindo senadores), para dizer que não só a votação conta: as conquistas do partido de Bolsonaro no Congresso e nos governos estaduais também trabalham a seu favor.
Depois de uma votação expressiva de deputados e senadores no primeiro turno, o PSL elegeu três governadores no segundo, além de um apoiador de Bolsonaro, João Doria, em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.
"Ele tem condições de conseguir uma ampla base parlamentar para aprovar projetos de seu interesse. Então, mesmo diminuindo a diferença nessa reta final, a oposição vai ter dificuldades por ser minoria no Congresso. Ela vai ter que se opor ao governo também socialmente, fazendo trabalho de base nas fábricas, escolas, universidades, se quiser barrar algumas propostas", diz Fassoni.
Outra dúvida do professor é o espaço que os opositores terão para se manifestar nos próximos quatro anos. Após falas agressivas do presidente eleito sobre petistas e militantes de esquerda, Fassoni teme que ações da oposição possam ser reprimidas.
Há uma semana, o capitão reformado disse, por telefone, a manifestantes que se reuniam na Paulista que iria "varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil".
"Bolsonaro deixou muito claro que tem intenção de acabar com a oposição, com o ativismo. Vamos ver até que ponto isso pode se desdobrar."
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Bolsonaro presidente: com vantagem próxima à de Dilma em 2010, eleito não recebe 'cheque em branco', dizem analistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU