13 Janeiro 2018
O Vaticano estava preocupado com os danos colaterais que o caso do maior padre pedófilo do Chile poderia provocar e tentou colocar em prática um plano: pedir a renúncia e dar um ano sabático a três bispos chilenos acusados de terem acobertado os abusos desse sacerdote.
A reportagem é de Eva Vergara e Nicole Winfield, publicada por Associated Press, 11-01-2018. A tradução é de André Langer.
A Associated Press obteve uma carta confidencial do Papa Francisco, com data de 31 de janeiro de 2015, que revela parte de um plano do Vaticano sobre como lidar com os bispos chilenos responsáveis por protegerem os crimes do padre Fernando Karadima.
A carta também mostra as preocupações dos bispos com a nomeação que Francisco fez de um desses três bispos, Juan Barros Madrid, como responsável pela diocese de Osorno, no sul do Chile. A nomeação provocou uma profunda divisão entre os fiéis e o clero, e até levou centenas de católicos e sacerdotes a protestarem contra o novo bispo da região.
Alguns esperam que esses protestos cheguem, na próxima semana, a Santiago do Chile, onde o Papa Francisco chegará nessa segunda-feira, em sua primeira visita como pontífice a esse país sul-americano.
Na carta dirigida ao Comitê Permanente da Conferência Episcopal do Chile, Francisco revelou que estava a par da controvérsia provocada em torno de Barros e que o núncio apostólico nesse país tentava encontrar uma maneira de conter o dano antes que o caso se tornasse público em 2015.
“Muito obrigado por manifestar abertamente a preocupação que vocês têm neste momento em relação à nomeação de dom Juan Barros Madrid”, escreveu Francisco. “Eu entendo o que vocês me dizem e estou ciente de que a situação na Igreja do Chile é difícil por causa de todas as provações que tiveram que suportar”.
Francisco informou aos membros da comissão que o núncio Ivo Scapolo – representante do Vaticano no Chile – planejava pedir a renúncia de Barros no ano anterior, que na época era capelão do Exército. Scapolo também “o exorta a tomar um período sabático (um ano, por exemplo) antes de assumir outra responsabilidade pastoral como bispo diocesano”, acrescentou o papa na carta.
O pontífice acrescentou que o núncio tinha pensado uma estratégia similar para outros dois bispos, também esses formados por Karadima. No entanto, disse que tudo ficou frustrado quando Scapolo falou sobre o plano com Barros.
“Como vocês podem entender, este comentário do Sr. Núncio complicou e bloqueou qualquer outro caminho posterior no sentido de oferecer um ano sabático”, escreveu o papa.
Finalmente, em 10 de janeiro de 2015, Francisco nomeou Barros bispo da cidade de Osorno, a cerca de 930 quilômetros ao sul da capital chilena.
Karadima esteve durante décadas à frente da igreja El Bosque, no elegante bairro Providencia, em Santiago do Chile, e a transformou em um viveiro de mais de 50 sacerdotes, além de formar cinco bispos: Andrés Arteaga, Felipe Bacarezza, Horacio Valenzuela, Tomislav Koljatic e Juan Barros.
A Igreja católica chilena ignorou durante anos as queixas de acólitos de que Karadima tinha abusado sexualmente deles e só tomou algumas atitudes depois que as vítimas tornaram público os seus casos em 2010.
Em fevereiro de 2011, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano condenou Karadima a “uma vida de oração e penitência” e proibiu-o de entrar em contato com os paroquianos de sua paróquia. Agora ele vive isolado na casa de uma comunidade de religiosas.
Em meio ao escândalo e uma série de denúncias de mais abusos sexuais de outros religiosos, Karadima foi processado judicialmente no Chile, embora seu caso tenha prescrito, porque muitos anos já se tinham passado desde quando os fatos tinham acontecido, não por falta de provas, como disse na época a juíza Jessica González.
O porta-voz do Vaticano, Greg Burke, recusou-se a comentar a carta do papa e, quando questionado na quinta-feira sobre alguns protestos planejados por alguns fiéis de Osorno, o porta-voz disse que eram livres para se manifestar e que o Vaticano respeitava o seu direito de fazê-lo.
Burke disse que até o momento está previsto nenhum encontro com o grupo de Osorno: embora tenham formalmente pedido para se encontrar com o papa, o Vaticano disse que já havia um programa e que não podia ser mudado.
A AP também consultou, sobre a carta, o presidente da Conferência Episcopal e os membros do seu Comitê Permanente, mas ninguém respondeu.
Barros negou à AP que tenha conhecimento da carta e assegurou, como sempre fez, que nunca soube de nenhum crime cometido por Karadima. “Nunca soube nem imaginava os graves abusos que este padre cometia com suas vítimas”, disse.
“Eu não aprovei nem participei desses atos gravemente desonestos e nunca fui sancionado por um tribunal a este respeito”, acrescentou.
Algumas das vítimas de Karadima afirmam que Barros, Koljatic e Valenzuela testemunharam os abusos e não fizeram nada.
O jornalista Juan Carlos Cruz, uma das vítimas, disse à AP que Barros e outros bispos viram como era abusado por Karadima. Ele assegurou que até dois deles beijaram o padre “e apoiavam a cabeça no ombro e se tocavam, e isso durante 37 anos; no entanto, hoje eles se esqueceram.”
Na época, Francisco defendeu publicamente Barros e chegou a dizer que os habitantes de Osorno sofriam por “besteira” e que se deixavam manipular por “esquerdistas”, em aparente alusão à esquerda política local.
O Papa chega na segunda-feira ao Chile, como parte de um giro que também o levará ao Peru.
Na última quarta-feira, uma organização dos Estados Unidos apresentou uma lista de 78 religiosos católicos chilenos que foram acusados e/ou condenados por abusos sexuais de menores de idade. O nome de Karadima está na lista.
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Carta do Papa revela preocupações sobre bispo chileno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU