10 Junho 2016
Mais de uma dúzia de igrejas católicas e duas protestantes foram queimadas por grupos indígenas no sul do Chile, em um conflito de longa data que se estende à era da colonização espanhola e aos primeiros missionários jesuítas.
Igreja de San Sebastian, antes e depois de ser atacada por um grupo radical de Mapuches em 8 de março. (Diocese de Villarrica)
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 08-06-2016. A tradução é de Luisa Flores Somavilla.
Nos últimos meses, mais de uma dúzia de igrejas católicas e duas protestantes foram queimadas por grupos indígenas no sul do Chile. Embora condenados pela maioria da comunidade Mapuche, os ataques continuam, no que é descrito como uma tentativa de conscientização sobre um conflito de terras histórico.
Em abril, no lugar onde uma igreja foi atacada, os responsáveis deixaram uma placa dizendo: "Todas as igrejas serão queimadas. Saiam! Liberdade para os presos políticos Mapuches ".
A hierarquia da Igreja Católica no sul do Chile está tentando construir pontes de diálogo, em grande parte apoiando as queixas de população indígena do país, que equivale a 12 por cento dos 17,6 milhões de cidadãos do Chile.
Na quarta-feira, no entanto, a comunidade empresarial local enviou uma carta ao Vaticano para alertar Papa Francisco sobre o aumento da violência, relatando que centenas de pequenos proprietários e cidadãos em geral sofreram ataques incendiários, foram baleados, ameaçados e até mortos.
"Esperamos que esta informação ajude Vossa Santidade a conhecer a dor de um país e de chilenos que sofrem porque a nossa fé está sob a mira de ataques terroristas, que não respeitam valores ou religião, ameaçando a liberdade de culto", a carta conclui.
O conflito é altamente complexo e remonta aos anos 1500, quando o Chile foi colonizado pela coroa espanhola. A maioria dos espectadores acredita que os ataques contra igrejas, paróquias e seminários provavelmente continuarão, apesar do fato de que 70 por cento da comunidade Mapuche é católica.
Aqui está um resumo sobre o conflito que, mesmo não sendo essencialmente religioso, tem a Igreja Católica em seu centro.
Onde está acontecendo o conflito?
No sul do Chile, especialmente na região conhecida como La Araucania. Como todo o Chile, está localizada na costa do Pacífico da América do Sul, e sua maior cidade é Temuco. Ela não foi incorporada ao país até 1880, quando o governo nacional ocupou a área para acabar com a resistência Mapuche.
Onde o conflito se originou?
Possivelmente, tudo começou quando o país foi "descoberto" pelos espanhóis em 1536, em uma expedição de reconhecimento liderada por Diego de Almagro, que estava à procura de ouro que ele nunca encontrou. Três anos depois, começou o domínio espanhol sobre este país sul-americano.
Desde o início, eles encontraram uma resistência feroz dos Mapuches.
Cinco décadas mais tarde, chegaram os jesuítas com a evangelização da comunidade indígena como sua prioridade. De acordo com o padre jesuíta Fernando Montes, ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica do Chile, os missionários eram "os grandes defensores" dos Mapuches, introduzindo uma dose de sincretismo à sua abordagem e até mesmo aprendendo a língua local, mapudungun.
Em 1608, os jesuítas formalmente repudiaram o "serviço pessoal dos índios", que na época eram forçados a trabalhar para a coroa espanhola em condições de escravidão.
De acordo com Montes, a chave para o problema de hoje encontra-se neste período. Padre Luis de Valdivia, vendo os maus-tratos contra os Mapuches e a violência da guerra sem sentido que estava sendo travada no Chile, na tentativa de subjugar os moradores locais, propôs uma "guerra defensiva".
Esta proposta, aprovada pelos monarcas espanhóis, significava que os colonizadores já não tentariam avançar na conquista militar, mas se estabeleceriam ao lado do rio Bio Bio. Ao sul, o território pertenceria ao grupo Mapuche.
Esta política, como contou Montes à Crux, teve uma forte oposição por parte dos militares e dos espanhóis que contavam com os índios para mão de obra barata.
Como consequência direta, quando o Chile tornou-se independente da Espanha no século XIX, o país foi dividido em dois, razão pela qual os chilenos partiram à conquista da região sul independente através de uma operação militar chamada "pacificação da Araucania".
Esta pacificação significava forçar os espanhóis a viver entre os Mapuche, enquanto a sua cultura foi completamente ignorada. Além disso, suas terras foram ocupadas e, em muitos casos, seus territórios divididos entre os novos conquistadores.
"Esta ferida não cicatrizou até hoje e agora está inflamada por causa da dívida histórica", disse Montes.
O historiador Francisco Javier Errázuriz González acrescentou que, em 1853, ao perceber que os recém-chegados estavam ilegalmente tomando as terras dos Mapuches, o governo tentou estabelecer uma série de requisitos. Isso levou à compra legal de algumas terras, mas muitas outras foram indevidamente ocupadas.
Além disso, no século XX grandes empresas florestais ocuparam vários territórios que os Mapuches reivindicavam pertencer a eles ancestralmente, adicionando outra variável à equação já complicada.
O que está acontecendo agora?
Até agora, 14 igrejas, um seminário católico, um centro de uma universidade católica e duas igrejas evangélicas foram atacados por movimentos Mapuche "radicais".
Um destes grupos é o chamado Trapilhue, que reivindica a propriedade de terras onde um seminário chamado San Fidel está localizado. Em 2014 eles ocuparam o prédio e foram finalmente expulsos no início deste ano. Em 2 de março, eles atearam fogo ao prédio, destruindo os dois pisos superiores.
No dia seguinte, Fidel Tranamil, um dos líderes Trapilhue, disse que a Igreja demonstrou ser "mais um membro do Estado, e não vamos parar até que tenhamos os expulsado do território".
A radicalização vista hoje começou em 2013, quando os Mapuches começaram a atacar plantações, caminhões de transporte de mercadorias e pessoas. Em um desses ataques, duas pessoas foram mortas: Werner Luchsinger e sua esposa Vivianne Mackay.
Onze membros da comunidade indígena estão sendo julgados pelo assassinato e em muitos dos recentes ataques contra igrejas parte da demanda era para que o acusado fosse liberado.
De acordo com González Errázuriz, no entanto, o problema não é realmente a Igreja, embora ele não descarte que alguns possam vê-lo dessa forma.
Além dos jesuítas, outras ordens religiosas, como os franciscanos e os capuchinhos, assim como um grande número de sacerdotes diocesanos, estão na região há centenas de anos.
"É verdade, a evangelização nem sempre foi fácil, principalmente por causa da poligamia enraizada na cultura Mapuche, mas a maioria tem um carinho muito grande para com os sacerdotes e está sofrendo com os ataques atuais", disse González Errázuriz.
Queimar igrejas, acrescentou, não tem justificativa ou explicação.
"Parece ser um movimento radical de intimidação e pressão", disse ele.
Montes lista como os elementos-chave do conflito a pobreza, a reivindicação de propriedades roubadas, o desejo de voltar às suas raízes e de alcançar autonomia.
Ele concorda que os ataques contra igrejas não parecem corresponder a uma visão "opressiva" do Cristianismo, mas a ações com o objetivo de causar um alto impacto. Ele também coloca parte da responsabilidade sobre o bispo local, Francisco Javier Stegmeier, que excluiu os Mapuches do seminário.
O que a Igreja pode fazer?
"Os bispos podem e querem mediar este conflito", disse González Errázuriz. O problema, segundo ele, são os pequenos grupos de Mapuches radicais, que sob a influência de "fatores externos e grupos ativistas internacionais", como as guerrilhas da Colômbia, "não querem diálogo, mas o aumento do conflito".
González Errázuriz sugere que, para iniciar um diálogo, elementos radicalizados têm de ser isolados e, em seguida, em conjunto com o governo nacional, a comunidade deve definir um plano de longo prazo para um desenvolvimento global e social da região.
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Onda de incêndios a igrejas no Chile tem uma história complexa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU