31 Outubro 2017
Talvez chegou a hora para aquele que é a fonte de inspiração da oposição romper o seu silêncio e dizer para os dissidentes pararem.
O comentário é de Robert Mickens, jornalista, publicado por La Croix International, 27-10-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Papa Francisco está enfrentando uma oposição estridente e, por vezes, perversa de certos grupos de católicos. A hostilidade cada vez maior que eles estão mostrando para com o Bispo de Roma não tem, provavelmente, paralelo na história moderna da Igreja romana.
Mas hoje, na verdade, temos uma boa – assim como uma má – notícia sobre isso.
A boa notícia é que aqueles que remam contra o atual timoneiro da Barca de Pedro fazem parte de uma minúscula, conquanto barulhenta, minoria.
A má notícia é que nós os encontramos entre os que foram ordenados dentro da Igreja: homens que trabalham como padres e bispos.
A estatística vaticana mais recente afirma que existem aproximadamente 1.285 bilhão de membros da comunidade católica em nível mundial. Entre eles, quase 416 mil são padres e outros 5.300 são bispos – apenas 0,03% de todos os católicos batizados.
E mesmo neste subconjunto, o número dos que se opõem ativamente ao papa é provavelmente marginal. Trata-se de uma minoria dentro de uma minoria.
É impossível afirmar os números exatos. No entanto, podemos identificar certos traços e tendências discerníveis. Por exemplo, a oposição a Francisco emancipa-se mais energicamente a partir dos países falantes de inglês, de certas partes da Europa e em regiões da África onde os críticos do papa tendem a ser mais jovens (abaixo dos 50 anos), doutrinariamente rígidos e membros liturgicamente “retrodoxos” do clero.
As pessoas no campo anti-Francisco também demonstram tendências no sentido de terem uma compreensão um tanto estreita da aplicação do Direito Canônico, uma devoção servil ao rubricismo litúrgico e uma visão eurocêntrica ultrapassada de mundo que remonta aos sistemas filosóficos greco-romanos clássicos.
Já seria bastante problemático se os opositores do papa fossem somente membros do clero. No entanto, não é este o caso: Há pequenos grupos de fiéis batizados que também são altamente críticos e até mesmo desprezíveis dele. Demonstram características parecidas do clero rebelde. Tendem também a ser mais jovens, fundamentalistas, quando se trata do magistério católico e promovem uma liturgia e uma eclesiologia pré-Vaticano II.
Estes críticos papais são barulhentos e perturbadores. Estão também organizados e se mostram tenazes. Mas sejamos francos: ao mesmo tempo, eles formam uma minoria tanto dentro do clero quanto entre os leigos.
Entretanto, eles conseguiram parecer mais representativos da população católica geral capitalizando-se nas mídias sociais e usando o enorme megafone que o ciberespaço proporciona. Desse modo, com sucesso estas pessoas vêm conseguindo enganar inúmeras pessoas (especialmente na imprensa convencional), levando-as a acreditar que a Igreja está igualmente dividida em dois grupos: os que amam o Papa Francisco e os que não estão ao seu lado.
Recentemente, Massimo Faggioli descreveu estes que fazem uma oposição furiosa ao papa e a seus movimentos que visam renovar a Igreja como a “milícia cibernética católica”.
Mesmo assim, há algo ainda mais perturbador com estes vários grupos do clero e de leigos. Eles tentam reivindicar uma legitimidade às suas críticas violentas ao Papa Francisco professando uma aliança aos escritos e às ideias defendidas pelo seu antecessor, o hoje Papa Emérito Bento XVI. Ao fazerem isso, tomam o nome (e a teologia) de Joseph Ratzinger em vão.
Eles simplificam exageradamente e até mesmo distorcem o pensamento complexo e mais matizado do homem que foi um perito no Concílio Vaticano II e, depois, o prefeito por vários anos da Congregação para a Doutrina da Fé antes de se tornar o Bispo de Roma.
Eles leem os escritos de Ratzinger como leem todo o restante, com lentes opacas e estreitas.
Estes autoprofessos críticos “ratzingerianos” de Jorge Bergoglio rotineiramente transformam ideias complexas de Bento XVI (as quais, aliás, não são absolutamente inquestionáveis) em frases de efeito fáceis e chamativas.
Por exemplo, eles reduziram maliciosamente a visão do papa emérito de que existem basicamente dois modos concorrentes de interpretar a implementação do Vaticano II (uma “hermenêutica da descontinuidade e ruptura” versus uma “hermenêutica da reforma”, a qual ele esclareceu como “renovação na continuidade do único sujeito-Igreja”) e transformaram esta segunda chave interpretativa numa muito mais simplista e errônea “hermenêutica da continuidade”, frase que o ex-papa jamais proferiu.
Eles também revelaram que a compreensão que Ratzinger tem da noção de John Henry Newman a respeito do "desenvolvimento orgânico da doutrina" (e sua aplicação às formas litúrgicas) não significa muito mais do que sempre fazer acréscimos, e jamais subtrações, às formulações teológicas anteriores.
A maior parte da oposição a Francisco vem dos católicos dedicados celebrarem a Missa Tridentina. E muitos deles são dos grupos periféricos que Bento, primeiramente como cardeal e, depois, como papa, trabalhou insistentemente para incluí-los dentro da corrente principal da Igreja.
O seu ato mais monumental foi emitir um motu proprio em 2007 para normalizar a liturgia pré-Vaticano II. Segundo ele, parte da razão que o levou a fazer isto era fazer surgir uma “reconciliação interior no coração da Igreja”. Francisco não demonstrou apego à missa antiga, mas nada fez para restringi-la.
Os membros destes grupos reconciliados compostos por entusiastas da Missa Tridentina, no entanto, traem a intenção de Bento de “reconquistar a reconciliação e a unidade” numa Igreja dividida. E, em vez disso, com os ataques contra o atual papa, eles estão intensificando as divisões.
Sejamos claros aqui agora: não há, absolutamente, nenhum indício para sugerir que Bento XVI apoie – ou simpatize, de alguma forma, com – a campanha que os seus autonomeados apologistas têm promovido contra o Papa Francisco.
Mas é desanimador existir bispos e cardeais que usam as palavras do papa emérito como um meio para pôr em dúvida a ortodoxia e a legitimidade do magistério e do comando do atual papa.
O que se pode fazer para pôr um fim a isso?
Poucos dias depois de Bento XVI anunciar a sua renúncia do papado em meados de fevereiro de 2013, ele contou ao clero de Roma que iria se “retirar” para estar “escondido do mundo” e recluso “em oração”.
Mas nestes mais de quatro anos desde que se aposentou, ele não esteve totalmente escondido ou recluso. Rotineiramente, Bento recebe visitas em sua residência, nos Jardins do Vaticano. E muitos deles são padres, bispos e leigos – incluídos jornalistas e escritores – que têm sido críticos destacados do Papa Francisco.
O papa emérito já enviou também cerca de uma dúzia de mensagens escritas (das quais temos notícia) para vários encontros religiosos e pessoas. Concedeu uma entrevista em forma de livro, providenciou uma eulogia para de um dos cardeais que se opuseram ao documento de Francisco sobre o matrimônio (Amoris Laetitia) e, inclusive, escreveu uma introdução e uma nota para, no mínimo, dois livros.
Ratzinger tem todo o direito de assim proceder, visto que ninguém impôs silêncio sobre ele ou o proibiu de receber visitantes.
No entanto, no dia em que, de fato, se retirou como Bispo de Roma (28-02-2013), ele reuniu os cardeais e lhes disse para serem “totalmente dóceis à ação do Espírito Santo na eleição do novo Papa”.
Neste dia ele também fez esta promessa:
“E entre vós, entre o Colégio de Cardeais, está também o futuro Papa ao qual desde já prometo a minha reverência e obediência incondicionadas”.
Dada a maneira como alguns dos mais dedicados amigos, ex-colegas e admiradores de Bento tiraram vantagem de sua aliança com ele para denegrir o Papa Francisco, e dado o tom horrível e a hostilidade crescente desta oposição que fazem ao papa, talvez é chegada a hora de Bento XVI honrar a promessa e romper o seu silêncio mais uma vez.
É provável que isto não detenha os opositores do Papa Francisco caso ele publicamente lhes diga para pararem com esta dissidência, porém seria um sinal claro de que o amado Bispo Emérito de Roma deles não os apoia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Oposição ao Papa Francisco: chegou a hora de parar com as críticas agressivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU