11 Janeiro 2017
"A oposição ao Papa Francisco não é tão grande, mas faz barulho, é bem organizada e muito bem financiada. Eles não estão relatando uma "confusão" criada pelo Amoris Laetitia: estão fomentando a confusão. Por que tantos bispos continuam apoiando esta atitude vai além da minha alçada, mas é hora de parar".
O alerta é de Michael Sean Winters, jornalista e pesquisador visitante do Instituto para Pesquisa em Políticas Públicas e Estudos Católicos da Universidade Católica da América, em Washington, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 09-01-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eis o artigo.
Estamos habituados, infelizmente, a ouvir o Cardeal Raymond Burke lamentar a "confusão" causada pela exortação apostólica de Papa Francisco, Amoris Laetitia, mais especificamente pela seção que discute como a Igreja deve acompanhar os divorciados e recasados civilmente. Agora, mais dois xarás juntaram-se a ele: Pe. Raymond De Souza, do National Catholic Register, e Raymond Arroyo, da EWTN.
Cardeal Burke, um canonista, não consegue entender que a missão da Igreja não consiste em apenas repetir o Catecismo. Burke repete, sem cessar, que a exortação do Papa pode levar alguns a divergir do que ele chama de "constante dogma da Igreja", embora, na verdade, a doutrina da Igreja sobre o que valida o matrimônio ou não tenha mudado enormemente em Trento e, novamente, com a publicação do código universal de Direito Canônico em 1917. O Papa Pio XII também mexeu nessa doutrina em seguida. Burke e outros três cardeais, desde que se juntaram a um quinto, apresentaram cinco dúbias - ou perguntas - ao Santo Padre e à Congregação para a Doutrina da Fé.
O padre Lou Cameli, arcebispo delegado para a formação e missão na arquidiocese de Chicago, respondeu em seu artigo para a revista America. Faço minha cada palavra de Cameli. Foi especialmente brilhante por parte de Cameli apontar dois momentos nos Evangelhos em que Jesus aborda a questão do casamento. O primeiro, encontrado em ambos Mateus e Marcos, mostra os fariseus tentando colocar Jesus contra a parede, um paralelo quase perfeito para a questão. O segundo, no Evangelho de João, mostra Jesus com uma mulher no poço, e sua interação ilustra o tipo de acompanhamento que o Papa Francisco quer que a Igreja reproduza. Jesus deixa a sua ira para os doutores da lei, e derrama sua bondade sobre a pecadora.
O padre De Souza, em um artigo para o Register, repete os argumentos combativos apresentados por Burke, e também cai no tipo de distorção, quase um equívoco, que seria digno de Sean Hannity. Por exemplo, sobre o texto da Amoris Laetitia, ele diz: 'Ele saiu muito rapidamente. Apesar de ser o mais longo documento papal já publicado em toda a história da Igreja, a primeira versão chegou da casa papal à Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) no início de dezembro de 2015, apenas seis semanas após a conclusão do segundo Sínodo. Dado que estas exortações apostólicas pós-sinodais muitas vezes surgem dois anos após o Sínodo, a corrida para publicar este longo e complexo documento foi notória. Isso significa que não houve uma ampla consulta em sua elaboração'.
Não houve ampla consulta? De Souza tinha acabado de relatar uma breve história dos dois sínodos, sínodos que os participantes disseram estar entre os mais abertos e dialógicos da história. E o texto de Amoris Laetitia seguiu, em sua maior parte, o documento final do Sínodo, assim como ensinamentos de papas anteriores. Será que ele estaria mais de acordo com os argumentos se o Papa Francisco tivesse esperado seis meses para entregar o texto? A sugestão implícita é que o Santo Padre sabia de antemão o que queria dizer, o que é irônico, já que os sínodos do herói de Raymond De Souza, o Papa João Paulo II, foram os menos consultivos da história. E, isso é amplamente conhecido, em 1974, quando ainda era cardeal, João Paulo II chegou a escrever o texto de um documento do Sínodo antes do evento, que foi rejeitado pela comissão inteira.
Raymond De Souza critica o Papa por mudar o dogma da Igreja sem admitir que isso não é certo. Ele escreve: "Várias notas de rodapé não embasam o texto onde aparecem, citando apenas partes de passagens, distorcendo o seu significado original". Distorcer? Perdoe meu francês, como dizia a minha mãe, mas quem você pensa que é, padre De Souza? Outro exemplo de seu olhar tendencioso fica evidente quando ele reclama que o Papa não cita Veritatis Splendor, a encíclica de 1993 do Papa João Paulo II sobre teologia moral, que De Souza considera "o principal documento magisterial sobre a vida moral desde o Concílio de Trento". Isso é uma afirmação e tanto, e mostra precisamente a visão estreita do que constitui "a vida moral" tão indicativa de críticas ao Papa Francisco. Populorum Progressio, Laborem Exercens e Caritas in Veritate são todos textos magisteriais significativos, não? E Gaudium et Spes? Infelizmente, eles lidam com a doutrina social da Igreja. E quando os católicos conservadores pensam em moral eles tendem pensar em sexo.
Finalmente, há Raymond Arroyo, apresentador do The World Over, um novo programa semanal na EWTN. Na quinta-feira passada, o último bloco trouxe uma discussão sobre Amoris Laetitia com Pe. Gerald Murray e Robert Royal. O Padre Murray fala como se ele tivesse gravado as entrevistas do Cardeal Burke e memorizado todas as falas. Royal é mais reflexivo, mas ainda tende a voltar ao tipo de argumento que já foi resolvido no sínodo. Os espectadores não aprenderam nada de novo.
O que foi irritante, no entanto, foi que, após a discussão de Amoris Laetitia, Arroyo fez referência a "relatórios" segundo os quais o Papa Francisco estaria voltando a cometer alguns enganos em seu compromisso com a proteção às crianças. (Este debate começa às 18:50.) Na tela, abaixo dos participantes do programa, o GC diz: "crise de abusos sexuais". Conheço um desses tais "relatórios". É um artigo mal feito publicado no The Week por alguém que não é repórter do Vaticano, Michael Brendan Dougherty, que continha várias informações imprecisas e, obviamente, fontes pobres. Eu não respondi a esse artigo na semana passada porque foi muito mal feito. No entanto, é duro ouvir os Padres Murray e Arroyo discutindo a questão e perceber que, se não estivesse bem informado, poderia pensar que o Papa relaxou em seus esforços, apesar de ele ter enviado uma carta a todos os bispos no mês passado reafirmando seu compromisso com a proteção das crianças.
Eles citaram o caso de um padre italiano que havia sido expulso da Igreja, mas cuja pena tinha sido mudada para "oração e penitência". No caso, acredito que a Igreja é aconselhada a demandar "oração e penitência" de criminosos, porque a expulsão somente os retira da instituição, sem supervisioná-los. Em um mosteiro, eles não estarão por perto de crianças, para começar. Só se pode atribuir oração e penitência se a pessoa está disposta a ser monitorada. Deveriam ser expulsos somente aqueles que não vão se submeter a isso.
Mas, o que realmente me deixou furioso foi quando Pe. Murray disse que a Congregação para a Doutrina da Fé havia tomado a frente no processo contra o Pe. Marcial Maciel. O que ele esqueceu de dizer é que o relatório do CDF sobre Maciel foi ignorado pelo Papa João Paulo II. E, então, para completar, Murray sugeriu que este retrocesso proposital na proteção à criança era semelhante ao desenvolvimento da doutrina em Amoris Laetitia, isto é, ambos são exemplos de misericórdia não condizentes com a verdade. Aqui é um jornal de família, por isso não posso escrever o que eu disse quando assisti a essa performance deplorável, mas garanto que não foi bonito.
É hora de os bispos se prepararem. A EWTN é dona do Register e nunca divulga sua equipe de direção. Na época da morte de Madre Angélica, o arcebispo Charles Chaput, que presidiu seu funeral, foi identificado pela rede como membro do conselho de governadores. Carl Anderson, chefe dos Cavaleiros de Colombo disse que sua ordem e a EWTN frequentemente firmavam "parcerias em projetos importantes". O Arcebispo William Lori, de Baltimore, é o Supremo Capelão dos Cavaleiros. O bispo Robert Barron, auxiliar de Los Angeles, fez um anúncio para o Register em que ele disse que o trabalho apresenta "o contexto e a perspectiva católica" e ofereceu uma perspectiva "robustamente Católica sobre o mundo". Robert Baker é bispo no Alabama, onde fica a sede da EWTN, e Dom Kevin Vann é bispo no Condado de Orange, onde fica a nova sede da West Coast da EWTN. Então, Arcebispos Chaput e Lori e Bispos Barron, Baker e Vann: Vocês aprovam esse absurdo? Você acham que este é "o contexto e a perspectiva católica?"
A oposição ao Papa Francisco não é tão grande, mas faz barulho, é bem organizada e muito bem financiada. Eles não estão relatando uma "confusão" criada pelo Amoris Laetitia: estão fomentando a confusão. Por que tantos bispos continuam apoiando esta atitude vai além da minha alçada, mas é hora de parar.
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Aumenta aposta em oposição ao Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU