08 Dezembro 2016
“A ação de Francisco é eficaz e toca as cordas certas que reagem vivamente. Ele coloca o dedo na ferida. Mas o clima de ódio e de provocação sempre é sinal do mau espírito, que não tem nada a ver com o Evangelho. Se tudo estivesse aparentemente tranquilo seria pior. Os grupos hostis a Francisco são autorreferenciais e não aguentam o debate aberto e sereno, mas buscam um inimigo e se lançam contra ele, ecoando uns aos outros.”
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado no blog Cyberteologia, 07-12-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Deem uma olhada no tuíte abaixo. Leiam-no, porque agora é preciso contar uma história em detalhes.
Esta é a descrição de um caso esclarecedor e que permite entender como funciona em rede a estratégia da oposição antipapal, que, embora pequena, é muito barulhenta. Andrea Tornielli e Giacomo Galeazzi deram conta disso de forma ampla, aqui. Em vez disso, esta é apenas a minha modesta descrição de um caso concreto de ataque indireto (do qual fui objeto), mas interessante para entender as dinâmicas concretas de um trolling que nasce em âmbitos que se definem como católicos.
Portanto, deem uma olhada neste tuíte:
Porque a primeira regra do manual anti-Francisco é criar uma narrativa, uma história. Mas, antes de narrar a história, é preciso contar um antecedente constituído por este tuíte. Um antecedente sempre omitido pela história dos detratores do pontífice, mas fundamental para entender o verdadeiro sentido da história.
O antecedente é aquele tuíte recém-citado. O que ele diz? Eis a sua tradução: “Quem precisa de Jesus quando se tem Tony Spadaro e @Pontifex? É como e Gríma Língua de Cobra e Saruman”.
Por que foi escrito? E o que eu tenho a ver com ele? Ele foi escrito porque eu tinha me pronunciado no Twitter algumas vezes para dizer que a Amoris laetitia é um documento magisterial de grande importância.
Obviamente, esse é um tuíte desrespeitoso e ofensivo, como bem sabem os fãs do “Senhor dos Anéis”, sobretudo em relação ao Santo Padre, identificado como o “mau”. E, obviamente, contra este que escreve, definido como “Língua de Cobra”. Eis a imagem à qual aquele tuíte se refere...
Portanto: quem é o verme? É preciso ter isso bem em mente para entender a história: de acordo com o tuíte do “Professor Pownd”, sou eu!
Para responder a essa ofensa contra mim de maneira leve e irônica, eu simplesmente postei na minha conta no Twitter um fotograma justamente do filme “Senhor dos Anéis”, que representa uma cena que diz respeito a Wormtongue (Língua de Cobra) e sem nenhum comentário. Então, na realidade, a acusação de ser uma cobra era dirigida a mim, e a minha resposta irônica era dirigida ao “Professor Pownd”. Ponto. Fim da história verdadeira. Mas agora começa a mais interessante, a história falsa.
Neste ponto, algo aconteceu. Aqui começa a narrativa dos opositores de Francisco. Por isso, eu reconstruo o caso: é um caso de manual e pode servir para entender melhor como funciona a informação “pós-verdadeira” da oposição antipapal.
Eu dizia: neste ponto, algo aconteceu. Alguém inventou (ou seja, imaginou, pensou, veio-lhe à mente...) que esse tuíte se referia a um dos quatro cardeais que expressaram as suas dubia. A história falsa começa aqui. Por que fez isso? Perguntem a quem pensou essa irreverente comparação, que certamente não fui eu. Até se começou a dizer que eu teria escrito contra um cardeal específico. Até se dizia o nome dele! Obviamente, nada de tudo isso se encontra no meu tuíte. Mas assim deve ser para começar a história falsa.
No âmbito de certos círculos anti-Francisco que estão em rede, funciona uma técnica de manual: alguém escreve alguma coisa, e depois outras contas seguem repetindo-a literalmente continuamente, tentando fazê-la tornar-se “viral”. Às vezes, funciona; às vezes, não. Estamos naquilo que alguém chamou de “pós-verdade”, que se baseia na propagação de ódio e difamação: mentiras e meias-verdades construídas artisticamente e divulgadas por um exército de simpatizantes. É a técnica do trolling organizado, que ataca o adversário até encher os seus espaços de discussão e, principalmente, a sua paciência.
Porém, nisso também tropeçam pessoas boas, que ficam incomodadas com a “propaganda” e, pelo menos no meu caso, me escrevem tuítes e e-mails sinceros, rezando pelo meu arrependimento. São pessoas que “caem na rede”, digamos assim, em boa consciência. Mas, na realidade, é impossível julgar a consciência, neste caso, em termos gerais. Alguns trolls podem se sentir em boa consciência, combatendo a sua cruzada contra aquilo que lhe é apontado como o “inimigo”. A estratégia consiste em identificar um alvo, um objetivo preciso: o inimigo.
Quando eu me dei conta da manipulação, deletei aquele tuíte, para evitar que outros continuassem a dar livre curso aos comentários baixos e vulgares. E eram todas pessoas que se apresentavam como defensoras da ortodoxia católica, infelizmente. Mas não foi suficiente apagar aquele tweet. Ao contrário.
A notícia falsa chegou, pulando de um post a outro, de um tuíte a outro, a um dos mais críticos de Francisco nos Estados Unidos, Ross Douthat, que escreve editoriais para o New York Times. Esses rumores desembarcaram em uma grande publicação, portanto. Eu, com um simples tuíte, alertei Douthat que ele havia escrito uma coisa falsa, enviando o tuíte que revela que a “língua de cobra” era eu. Douthat bastou o meu tuíte: embora crítico, até mesmo em relação a mim, ele entendeu o erro objetivo. Desculpou-se e corrigiu o seu post online. É preciso sempre verificar as fontes!
É possível cometer um erro, mas, depois, é preciso corrigi-lo. Douthat fez isso. Os blogs do submundo ultraconservador, não. É claro que falamos de padrões diferentes. Mas chama a atenção que uma publicação como a First Things não tenha tido a coragem de admitir que tinha sido enganada. Cada um é responsável pelos standards de qualidade que oferece.
Mas não termina aqui. A CNN me pediu uma opinião sobre aquilo que está acontecendo. E eu a concedi tranquilamente. Isso levou ao delírio o exército dos trolls. E, portanto, passamos para uma segunda fase, mais virulenta.
Alguns notaram que eu retuitei o tuíte de uma conta @hablafrancisco, que despertou curiosidade. O tuíte dizia que a expressão “4 Cardinali” [4 Cardeais] soa como o título de uma banda de rock and roll dos anos 1960. Começa a curiosidade sobre essa coisa, e alguns tentam violar a conta. A conta era simplesmente uma das minhas três, embora subutilizada e deixada estacionada. Começou novamente a máquina da lama para dizer que, por trás disso, estava eu, querendo me mimetizar sob uma conta falsa e anônima. A partir daí, começou outra máquina da lama e outros simpáticos epítetos exortativos. Repetiu-se a mesma tática passo a passo. Gerou-se outra história: a da conta falsa e anônima. Enquanto era simplesmente... a minha!
Se eu realmente tivesse querido me “esconder”, eu não a teria retuitado. Óbvio. E, depois, “esconder-me” por quê? A frase citada era uma piada de uma minha amiga estadunidense: eu não entendo bem a falta de respeito. Ela comentava não o agir dos cardeais, mas a expressão “4 Cardinali”, como era reportada por tantos blogs, como uma espécie de tique. Certamente, se comparada com a ofensa ao Santo Padre do primeiro tuíte (e de tantos outros do submundo antipapal), ela pode ser considerada uma piada simpática (e tal era ou queria ser...). Mas não: eis o escândalo com propósito instrumental. Curioso que um dos escandalizados, o famoso Raymond Arroyo, postou logo depois uma foto do cardeal Dolan dançando com algumas soubrettes em um palco, mas isso, em vez de provocar consternação entre o seu público, provocou exultação.
Não há algo estranho, talvez?
A coisa passou para a Itália com eclosão atrasada e de reciclagem, como muitas vezes acontece nesses casos. E, desta vez, ocorreu graças a Marco Tosatti, que é coletor desse tipo de histórias. Tosatti simplesmente copiou novamente (citando-o) um dos vários blogs estadunidenses, acrescentando algumas notas irônicas pessoais. Depois, tentou espalhar o boato, enviando obsessivamente o mesmo tuíte nada menos do que 15 vezes seguidas a partir da sua conta. É interessante notar também a quem ele os enviou: de militantes antipapais aos responsáveis mais oficiais da imprensa vaticana. Avisei (gentilmente) o Dr. Tosatti que ele tinha caído no erro de Douthat e cito a ele o primeiro tuíte. Fico perplexo também diante de uma coisa: ele, senhor de 70 anos, chama a mim, senhor de 50 anos, de “juvenil”. Isso diz muito sobre a nossa Itália e sobre um erro geracional. Mas essa é outra história...
Ele me respondeu imediatamente. E me disse isto:
“Para mim, é desconhecido...” Sem qualquer problema, Tosatti admite que não sabe nada sobre o caso e não entende a minha objeção! Ele tinha apenas atendido e emprestado voz italiana a um dos blogs estadunidenses antipapais que serviram de “eco” para a notícia falsa. Cada um é responsável pelos próprios padrões de qualidade. Depois, Tosatti é ecoado por outra fonte de pensamento hostil ao pontífice de forma mais ou menos oculta (La Nuova Bussola Quotidiana) e depois por outros ainda que não verificaram as fontes, mas que se prestaram a servir de caixa de ressonância, recopiando tais e quais as mesmas informações na galáxia troll local.
Outra coisa interessante diz respeito à notícia de que o papa estaria fora de si por causa das “dúvidas” dos quatro cardeais sobre a Amoris laetitia. Edward Pentin escreveu que Francisco está assim, de acordo com as suas fontes. O mesmo jornalista me enviou uma série de perguntas às quais ele me intima a responder “para evitar que a minha não resposta seja reportada como não resposta”. As perguntas contêm acusações diretas, eco daquelas espalhadas pelo sistema organizado dos trolls. Obviamente, eu não respondo. Mas reflito sobre o fato de que eu começo a sorrir quando ouço que o papa está “fora de si” pela raiva quando acontecem essas coisas. Eu realmente sorrio quando leio esses comentários. Para irritar Bergoglio é preciso bem mais. E certamente não são essas as coisas que o perturbam! As suas verdadeiras preocupações são pastorais. Perturba-o a pobreza, a injustiça, o martírio dos cristãos, a violência, mas certamente não essas críticas. E, além disso, ele teve que enfrentar coisas bem diferentes na vida para ficar perturbado por essas coisas…
Qual é a moral da história? Alguém já tentou instrumentalizar a questão das dúvidas dos quatro cardeais para elevar a tensão e criar divisão na Igreja. A estratégia midiática começou logo depois que as dubia dos cardeais foram tornadas públicas e entregues à imprensa. Não houve grande reação, exceto em alguns círculos. Depois, alguns pensaram em criar o máximo de barulho possível para chamar a atenção.
O que essa estratégia nos dão a entender? Justamente o recurso à difamação e à instrumentalização, a meu ver, dão a entender três coisas.
- A primeira é que a ação de Francisco é eficaz e toca as cordas certas que reagem vivamente. Ele coloca o dedo na ferida.
- A segunda coisa é que “os espíritos se expressam”, como diria Bergoglio. O clima de ódio e de provocação sempre é sinal do mau espírito, que não tem nada a ver com o Evangelho. Assim, pode-se fazer discernimento com facilidade! Se tudo estivesse aparentemente tranquilo seria pior.
- A terceira é que os hostis a Francisco são grupos autorreferenciais que não aguentam o debate aberto e sereno, mas buscam um inimigo e se lançam contra ele, ecoando uns aos outros. Alguns sites são um "copia e cola" acrítico. Sem falar de algumas contas no Twitter. Mas essas são coisas conhecidas...
Como sair desse impasse? Com a paciência. É preciso tanta paciência. E confiar no processo em curso. Os ataques fazem parte do processo e são inevitáveis.
Mas as posições críticas contra Francisco são todas assim? Comecemos dizendo que todos os papas tiveram oposições e críticas até mesmo ferozes. Basta dar uma volta agora mesmo na rede para ver quantas vezes e com que agressividade São João Paulo II teve que sofrer críticas vulgares e pesadas por parte daqueles que o consideravam um herético “aberturista”. Eu vi um site que recolhia mais de 100 afirmações consideradas heréticas do pontífice santo. Portanto, nada de novo debaixo do sol. Mas não, nem todas as posições críticas em relação a Francisco são assim. Algumas são aquelas amadas pelo pontífice, isto é, são críticas não polêmicas ou instrumentais, mas que abrem a um diálogo verdadeiro e pacato, não provocativo. Aquelas que servem.
* * *
Nota: Retomei aqui também algumas reflexões que surgiram na entrevista que concedi a Austin Iveregh para o site Crux e que é possível ler aqui [em inglês].
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Manual de ciberataque contra o Papa Francisco. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU