15 Março 2017
A hostilidade eclesiástica militante contra o Papa Francisco, nas suas diversas gradações, não tem precedentes na história dos últimos séculos.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 14-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nota da IHU On-Line: a reportagem está dividida em quatro capítulos: veja a primeira parte aqui.
A rumorosidade invasiva e o ataque direto, o ritmo obsessivo-compulsivo dos ataques trazidos para dentro da equipe, com conexões e repercussões coordenadas em escala internacional, como verdadeira “guerra de libertação” dirigida contra o atual sucessor de Pedro por indivíduos e redes midiático-clericais coordenadas certamente também têm motivações prosaicas.
Quando o Papa Francisco implodiu os automatismos que tornavam “cardinalícias” certas sedes episcopais, ele desorientou o laborioso jogo de articulações com que as altas corjas eclesiásticas “vencedoras” já tinham começado a estipular futuros grandes eleitores para conclaves de décadas vindouras. Até mesmo as primeiras nomeações episcopais importantes deram a entender que, ao menos em parte, tinham implodido os jogos e as afiliações com que, há muito tempo, a maioria dos bispos era selecionada. Mas isso não explica tudo.
De muitas maneiras, o ataque coordenado e sem trégua das redes hostis ao Papa Francisco permanece no mistério, pertence ao próprio mistério da Igreja. Em certas operações realizadas por aparatos clerical-midiáticos interconectados e bem providos contra Bergoglio, percebe-se um ódio religioso contra o atual bispo de Roma que não se enquadra no nível “fisiológico” das objeções, das críticas ou da intolerância que também podem ser dirigidas a um papa.
Por analogia, parece que se repete a “revelação dos corações” contada nos Evangelhos, a dos homens religiosos que sequestravam até a Lei de Deus para afastar a autoridade de Jesus em relação ao povo e lhe preparavam armadilhas para pegá-lo em contradição.
Esse inédito desprezo pelo papa por parte dos novos autoeleitos “santos ofícios” virtuais à caça das suas supostas falhas doutrinais é o sinal de que, justamente, nesses setores doutrinalmente tão aguerridos, a familiaridade “instintiva” com a experiência cristã e a própria doutrina católica foi tacitamente suplantada por uma ideologia religiosa, embelezada com palavras e fórmulas cristãs, que atrofiou o seu mais mínimo e germinal sensus fidei. Uma secularização íntima, ocultada sob as exibições musculares de rigorismo doutrinal, mais devastador do que todas aquelas favorecidas pelos condicionamentos culturais de matriz mundana (incluindo relativismo e niilismo), justamente por ter ocorrido na sombra da ideologia “cristianista” (Rémi Brague).
A campanha concertada e non-stop das brigadas anti-Bergoglio, misteriosa na sua raiz, está estrategicamente se movendo ao longo de linhas de propriedade. Os pontos nos quais se concentram os seus ataques são facilmente identificáveis.
Em primeiro lugar, eles visam a exacerbar a polarização pró e contra o Papa Francisco, concentrar a atenção e fomentar a batalha em torno da sua pessoa. Eles querem fazer passar a ideia de que, na atual temporada eclesial, tudo pode ser conduzido, em última análise, a uma questão de “gostos”, opiniões e inclinações pessoais ligadas à personalidade de Bergoglio, e que, portanto, o jogo global em curso consiste em se alinhar ou em se contrapor às “ideias” do papa argentino, às suas orientações individuais interiores, até mesmo aos seus hábitos e às suas obstinações.
Como volantes dessa “reductio”, são utilizadas as referências martelantes à proveniência latino-americana e jesuíta do Papa Bergoglio. Insiste-se nesses dois traços, vendendo-os como únicas matrizes genéticas de cada gesto e de cada escolha do atual bispo de Roma. A “jesuitização” e a “latino-americanização” de Bergoglio ajudam a enjaulá-lo em estereótipos e esquemas pré-concebidos, a vender como raiz de todos os seus movimentos – incluindo as sugestões de reforma e de mudança – o mecânico e descontado recurso aos seus dois arquétipos, o inaciano e o argentino.
Até mesmo certos “fãs bergoglistas” – como se verá – patrocinam como coordenadas interpretativas exclusivas do pontificado as duas conotações pessoais, embora inegáveis, a jesuítica e a bonaerense. E, assim, eles contribuem indiretamente com as operações daqueles que visam a ofuscar a elementaridade evangélica e sacramental reproposta por Bergoglio como via de renovação e rejuvenescimento constante da Igreja.
O excesso de atenção concentrado apenas no papa, isolado da Igreja, no longo prazo, sempre acaba gerando distorções e favorecendo operações de manipulação. Os agressores profissionalizados do papa reinante se aproveitam da ênfase na sua excepcionalidade “inovadora”, orgulham-se de “desmascará-la” nas suas matrizes genéticas jesuítico-argentinas, para depois incriminá-lo de descontinuidade e potencial “desvio” em relação aos seus dois últimos antecessores.
Todas as acusações paradoutrinais dirigidas ao Papa Francisco não têm nenhum laço genealógico, nem mesmo distante , com a Tradição e a grande disciplina da Igreja, muito menos bebem no magistério autêntico dos últimos papas. O bispo de Roma entra no alvo dos novos pequenos e grandes inquisidores simplesmente porque não alinhado “alinhado” com as palavras de ordem do partido eclesiástico dominante nas últimas décadas. Aquele que, durante os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, destilou um aparato ideológico-doutrinal de marca neoconservadora, colocou-se como depositário da hermenêutica “vencedora” dos dois últimos pontificados e, na barbarização global do debate eclesial online, afana-se para vender o seu próprio armamentário de política eclesiástica como nova medida da ortodoxia e da ortopráxis eclesial.
Por isso, o ponto de queda das estratégias organizadas contra o Papa Francisco aponta para ler todos os seus gestos e as suas palavras de acordo com as grades polarizadoras de feitura anglo-saxônica – liberal/conservador, progressista/tradicionalista: esse é o único “combinado de dispositivos” dentro do qual os pasdaran antipapa se movem à vontade, o único circuito fechado e autoalimentado em que conseguem fazer funcionar os seus jogos de papel clericais.
Bastaria ater-se às coisas que o Papa Francisco diz e realmente faz, e talvez seguir o instinto da fé dos simples que reconheceram o seu coração de pastor, para não se angustiar demais com as muitas e obscuras operações anti-Bergoglio e deixá-las se afogar no vórtice das auto-ocupações clericais. Exceto pelo fato de que quem lhes fornece argumentos e uma paradoxal mão forte são multidões de bardos entusiastas do “novo curso” bergoglista.
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A fé dos simples e as operações anti-Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU