15 Março 2017
Se o ex-presidente Barack Obama teve de lidar com aquelas pessoas que creem que ele não nasceu no país e, portanto, era inelegível para a presidência de acordo com a legislação federal, o Papa Francisco vem precisando lidar com algo semelhante: as teorias segundo as quais maquinações internacionais forçaram Bento XVI a renunciar ou que o conclave de 2013 foi manipulado. Alguns jornalistas católicos italianos, próximos da direita italiana (tais como Antonio Socci), começaram a propor estas teorias pouco depois da eleição de Francisco. Depois, no dia 7 de março, D. Luigi Negri, arcebispo de Ferrara desde 2012 (diocese onde passei trinta anos de minha vida até me mudar para os EUA), acrescentou um elemento: além de tudo o que já se disse, o governo Obama esteve também envolvido.
O comentário é de Massimo Faggioli, professor de teologia e estudos religiosos na Villanova University, na Pensilvânia, em artigo publicado por Commonweal, 08-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em entrevista concedida ao jornal online Riminiduepuntozero, Negri afirma: “Não é por acaso que, nos Estados Unidos, até mesmo com base no que foi publicado pelo Wikileaks, alguns grupos Católicos pediram ao presidente Trump a abertura de uma comissão de inquérito para investigar se o governo Barack Obama pressionou de algum modo Bento XVI no sentido da renúncia. Por ora, tudo permanece um mistério gravíssimo, mas tenho certeza de que serão revelados os responsáveis. Eu estou me aproximando do meu próprio ‘fim do mundo’ e a primeira pergunta que farei a São Pedro será exatamente sobre essa questão”.
É de se esperar que a Sala de Imprensa da Santa Sé demonstrasse alguma reação a isso. Mas, assim como aconteceu no caso da renúncia de Marie Collins, que se retirou da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, a Sala de Imprensa, mais uma vez, ficou silente. Uma declaração com a de Negri, dando a entender que a renúncia de Bento XVI não foi livre e, portanto, não válida, consequentemente implicando que Francisco não é o papa legítimo, seria geralmente abordada com uma nota da Sala de Imprensa, independentemente do nível de relutância em que o Vaticano possa se encontrar para disciplinar um arcebispo em ofício (apenas por mais algumas semanas: Francisco aceitou o pedido de renúncia logo depois de Negri completar 75 anos). Em 8 de março, um dia após a publicação da entrevista, o ex-diretor da Sala de Imprensa, o Pe. Federico Lombardi, emitiu a sua própria nota, longa e jesuiticamente espirituosa, negando as acusações.
Depois de a entrevista de Negri ter sido analisada por outros meios de comunicação católicos, o Breitbart News em Roma publicou uma matéria mesclando os comentários do arcebispo com detalhes relacionados aos vazamentos do WikiLeaks relativos ao Partido Democrata. No dia seguinte, o correspondente em Roma do Breitbart, Thomas Williams, reportou a única nota de alguém relacionado ao Vaticano – ou seja, a negação do já aposentado Lombardi.
As acusações de Negri dizem algo sobre o círculo de “prelati” e jornalistas que se sentem órfãos do pontificado anterior, ainda que entre eles seja difícil dizer quem são os verdadeiros amigos de Joseph Ratzinger. Além disso, pode-se imaginar que um jornalista americano como Greg Burke, diretor-presidente da Sala de Imprensa da Santa Sé, entende a importância de contrariar teorias conspiratórias, entretanto aparentemente não estão incluídas aquelas que vêm de um arcebispo que possui acesso direto a Bento XVI e que tenta minar a legitimidade do conclave de Francisco.
Também válido de consideração: se não há aliança sistemática alguma entre Stephen Bannon na Casa Branca e a oposição a Francisco no Vaticano e nos EUA, há as tendências comuns em direção à islamofobia e uma predileção por teorias conspiratórias. A ala extrema da oposição a Francisco levantou a questão das cédulas faltantes no conclave; das manobras secretas para assegurar que o pontificado de Bento fosse um pontificado de curta duração; de um Sínodo dos Bispos fraudado em 2014 e 2015 (cf. o livro de Edward Pentin, do National Catholic Register). E agora diz-se que Obama estaria por trás disso tudo.
D.Negri claramente fala por si próprio e por alguns outros tão somente. Mas é difícil considerar a oposição tradicionalista contra o Papa Francisco sem também considerar a tentativa constante de deslegitimar Obama – não só as teorias conspiratórias, mas também o sentimento de “Eu quero o meu país (a minha Igreja) de volta”. Não tenho a inclinação para ver alinhamentos político-ideológicos entre a política americana e a política na Igreja, especialmente com um papa como Francisco. Porém é difícil negar que a oposição contra o primeiro presidente afro-americano tem muito em comum com a oposição ao primeiro papa latino-americano.
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Renúncia de Bento XVI: Culpem Obama. Mais uma teoria conspiratória - Instituto Humanitas Unisinos - IHU