Desce da cruz: a sedução dos algoritmos. Comentário de Ana Casarotti

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21 Novembro 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Lucas 23, 35-43, que corresponde à Solenidade de Jesus Cristo Rei, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, o povo permanecia aí, olhando. Os chefes, porém, zombavam de Jesus dizendo: "A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!" Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: "Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!" Acima dele havia um letreiro: "Este é o Rei dos Judeus." Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: "Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!" Mas o outro o repreendeu, dizendo: "Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal". E acrescentou: '"Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado". Jesus lhe respondeu: "Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso".

Hoje celebramos a festa de Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico. Esta celebração foi instituída em 1925, diante do crescente nacionalismo e secularismo da época. Posteriormente, o Concílio Vaticano II transferiu esta festividade para o último domingo do ano litúrgico, reconhecendo em Jesus Crucificado o verdadeiro Rei e Messias, uma soberania que difere totalmente do conceito de reinado que implica poder, superioridade e autoridade. É um novo reinado, e Jesus é Rei, tal como se reflete no texto do evangelho deste domingo: Jesus está crucificado e o relato apresenta-nos diferentes reações perante Ele.

No evangelho, a crucificação não é relatada com toda a sua crueza, talvez porque naquela época era algo conhecido. Para nossas culturas, que conhecem a cruz iluminada pela ressurreição, é necessário ter em mente que a crucificação era a pena mais cruel e violenta, destinada a crimes graves contra o Estado e a sociedade. A morte do crucificado era lenta, pelo que o suplício se prolongava. O relato da crucificação deixa entrever um determinado tempo, pois fala-se que alguns olham, outros passam, ou voltam... e assim entendemos que os crucificados ficavam ali por um tempo, que não morriam no momento em que eram crucificados. Sua morte não era imediata, o que a tornava mais cruel e ignominiosa, pois, além do sofrimento físico, que era uma verdadeira tortura, o condenado também ficava sujeito à exposição pública carregada de agressões.

O povo permanecia aí, olhando.

Eles olham, observam, sofrem, não compreendem, interrogam-se... Uma frase tão simples abre diante de nós um vasto leque de sentimentos que habitam em cada um daqueles que permanecem ali, fixando o olhar em Jesus na Cruz. Quantas vezes nós nos detemos diante do Crucificado especialmente quando nos confrontamos com situações em que imperam a injustiça, a vingança, a ambição desmedida de conquistar territórios — como nas guerras que devoram vidas inocentes, destroem histórias e famílias, e lançam milhares de pessoas na miséria. Homens e mulheres que nascem e vivem em condições marginais, sem terras, condenados a vagar pelo mundo em busca de um espaço onde possam simplesmente existir. Somos como aquele povo: olhamos, não compreendemos, perguntamos, nos revoltamos, questionamos... mas permanecemos ali, olhando.

Nesse cenário surgem três grupos distintos, unidos por um mesmo clamor: “Salva-te a ti mesmo! ” Primeiro, os chefes que zombam delem e exigem que, se foi capaz de curar outros, prove agora seu poder salvando-se. Depois, os soldados que o açoitavam e, em meio à violência, o desafiam a libertar-se. Por fim, um dos malfeitores crucificados ao seu lado, que lhe suplica para tirá-lo da cruz. Três vozes diferentes, mas que ecoam a mesma tentação: demonstrar poder descendo da cruz. Se salvou os outros, que se salve a si mesmo!

No coração do relato, encontramos a inscrição: “Acima dele havia um letreiro: ‘Este é o Rei dos Judeus’”.

O texto sublinha que, naquele instante, crucificado e silencioso diante dos clamores de autossalvação, Jesus é proclamado Rei dos judeus. O paradoxo é evidente: sua realeza não se manifesta pelo poder de descer da cruz, mas pela fidelidade ao amor até o fim. Para entrar em seu reino, é necessário vencer a tentação de salvar a nós mesmos, abandonar a lógica de colocar a própria vida em primeiro lugar e, como o “bom ladrão”, reconhecer nossa fragilidade, nossos erros e nossa pobreza. Só assim podemos suplicar a Jesus o dom de seu amor e de seu perdão.

Mas quais são, hoje, as tentações que nos empurram para o reinado da autossuficiência, tornando-nos cúmplices passivos de poderes que continuam crucificando pessoas, deixando-as à margem dos caminhos como alvo de zombarias e ultrajes?

Ainda subsistem monarquias absolutas, em que um rei concentra poder político e religioso — como na Arábia Saudita ou em Brunei, onde o sultão governa com autoridade plena. Em outros contextos, reis e rainhas assumem apenas um papel simbólico. Contudo, a luta pelo poder, o desejo de superioridade e de domínio sobre populações inteiras, influenciando suas vidas e costumes, permanece vivo.

Hoje, essa disputa se desloca para um novo campo de batalha: o da informação digital. As grandes corporações tecnológicas concentram a infraestrutura e controlam os algoritmos que determinam não apenas quais informações circulam, mas também como são hierarquizadas. Nesse espaço invisível, trava-se uma guerra silenciosa pelo poder de moldar consciências, narrativas e realidades.

É a atualização do poder: novos “reinados” que nos envolvem e procuram dominar e controlar. Rotas comerciais e “territórios estratégicos” são disputados e submetidos ao domínio de poucos. Hoje, as informações pessoais tornaram-se um território conquistado e explorado. O controle dos dados é o objetivo central dos monopólios digitais, que legitimam seu poder em nome da “inovação” e o sustentam pelo domínio dos algoritmos.

Esses impérios digitais elevam e crucificam ao mesmo tempo. Servem aos grandes poderes e buscam ocupar nosso tempo, nossos interesses, conquistar adeptos e, assim, controlar a vida e as ações de multidões. Afogam sentimentos, perguntas, projetos e desafios no oceano da variedade de informações que produzem e recolhem simultaneamente. Consomem o tempo com a velocidade do imediato e respondem — de forma interessada — às buscas que elas mesmas induzem. Oferecem uma falsa salvação: a da informação instantânea, que gera dependência e nos faz acreditar que não podemos viver sem saber, a cada segundo, o que está acontecendo.

Na festa de Cristo Rei, somos chamados a despertar para essas “diferentes salvações” que nos são oferecidas e a não nos deixar seduzir por elas. Só assim poderemos reconhecer o Crucificado, presente naquele lugar de dor extrema, mas que, em vez de poder e domínio, oferece perdão, um amor compassivo e terno, capaz de acolher nossa pobreza e fragilidade.

Para contemplar o Crucificado, é preciso desviar o olhar de tantas outras coisas e silenciar as vozes que nos distraem. Como recordava o Papa Leão XIV aos jovens em Roma, por ocasião do Jubileu da Educação, “Devemos ser humanos com os outros, cultivando a inteligência emocional, espiritual, social e ecológica. Portanto, eu lhes digo: eduquem-se para humanizar o mundo digital, construindo-o como um espaço de fraternidade e criatividade, não uma gaiola onde se aprisionam, não um vício ou uma fuga. Em vez de serem turistas da internet, sejam profetas no mundo digital". Leão XIV aos jovens: "Não deixem que os algoritmos escrevam a sua história".

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