22 Junho 2023
"Usando a filosofia de Michel Foucault, o professor Colin Koopman e colegas, da Universidade de Oregon, USA, elaboraram um profundo estudo sobre o uso do prontuário eletrônico, publicado há poucos meses, concluindo que o que temos hoje são dados direcionando a saúde e a doença. A dependência do prontuário eletrônico de exigências das empresas de seguros frequentemente transforma os pacientes em unidades de faturas de pagamento", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba, que foi pesquisador nas universidades de Johns Hopkins e Harvard, nos Estados Unidos, e que recentemente lecionou na Universidade McMaster, Canadá, e Susanna Gouveia Rodrigues, estudante de Ciências Biológicas na Universidade de Guelph, Canadá, em artigo publicado no blog de José Rodrigues Filho, junho de 2023.
A colonização digital pelas Big Techs nos setores de Educação e Saúde está se dando de forma sistemática e efetiva, conforme estudos realizados nos Estados Unidos e Reino Unido, tendo avançado muito seus serviços digitais na vida das pessoas durante o período da Pandemia, enquanto seus lucros cresciam a ritmo de foguete.
Contudo, são várias as preocupações em termos de privacidade, colocando registros médicos e de pacientes nas mãos de Google e outros corporações, que não são responsáveis pela educação e saúde da população. Estas plataformas digitais ou Big Techs hoje dominam a lista das maiores empresas no mercado de capitalização, mas estão sendo avaliadas sobre o quanto estão retornando aos consumidores, à medida que tiram vantagens de dados capturados para fortalecer seus lucros e influência nos mercados.
A entrada da Educação e Saúde na colonização das Big Techs, vistos como setores ou indústrias altamente regulamentas, é bem mais recente quando comparado com outros setores da economia tais como vendas, entretenimento, transportes, jogos, música, energia e finanças. Por conta dos elevados controle regulatórios, as Big Techs sempre encontraram dificuldades de entrarem nos setores de educação e saúde.
Infelizmente, no mundo ocidental, os vendedores de software e alguns consultores é quem definem as necessidades dos usuários no tocante à definição de sistemas de informação. Consequentemente, a tecnologia de informação é orientada pelo mercado e não pelas necessidades do usuário, em benefício do bem-estar e qualidade de vida.
Assim sendo, os sistemas de informação em saúde tradicionais foram desenvolvidos com forte ênfase na engenharia de software, negligenciado a participação de médicos, pacientes e usuários em geral. Em outras palavras, decisões técnicas de engenheiros de software foram mais relevantes no processo de desenho do que a participação de usuários, sempre muito limitada.
Recentemente desenvolvemos trabalho sobre as dificuldades de ser ter uma tecnologia de informação em saúde sustentável e o coronavírus está mostrando que o que se tem aí são tecnologias insustentáveis. Neste caso, a prática era desenvolver sistemas de registros de pacientes que viessem atender aos interesses financeiros dos hospitais, os quais ainda são usados nos dias de hoje.
Usando a filosofia de Michel Foucault, o Professor Colin Koopman e colegas, da Universidade de Oregon, USA, elaboraram um profundo estudo sobre o uso do prontuário eletrônico, publicado há poucos meses, concluindo que o que temos hoje são dados direcionando a saúde e a doença. A dependência do prontuário eletrônico de exigências das empresas de seguros frequentemente transforma os pacientes em unidades de faturas de pagamento.
Por sua vez, o Professor e neurocirurgião Ronald Lucena, da Universidade Federal da Paraíba, tratou da importância da construção social da tecnologia no desenvolvimento de sistemas de informação em saúde, usando a Teoria Fundamentada em Dados. Na área de Human Computer Interation (HCI), em ciências da computação, a ênfase tem sido dada à construção social da tecnologia, principalmente nas aplicações digitas de saúde mental, fugindo dos algoritmos danosos das Big Techs.
Assim sendo, as orientações filosóficas e sociológicas estão oferecendo caminhos na área de computação na busca de se entender como as formas históricas e contemporâneas de colonização, exclusão, marginalização e opressão são propagadas e aprimoradas através do desenho de diferentes algoritmos e tecnologias, principalmente na área de HCI, que vislumbra práticas de descolonização.
Portanto, a influência dominante do mundo ocidental no desenho de tecnologias nos conduziu a está colonização digital, que não é tão perceptível nos dias de hoje, mas a colonialidade está aí muito presente, definida como sendo a dinâmica de poder continuado como legado do processo histórico de despossessão, escravidão, apropriação e extração no mundo moderno. É esta colonialidade que está influenciando as aplicações, tecnologias e algoritmos.
Educação e Saúde são realmente setores altamente regulamentados, exigindo em muitos casos a participação governamental por conta do envolvimento em questões do bem-estar social e outras ramificações sociais em termos de acesso aos serviços, igualdade, privacidade e a sensibilidade de informações, fatores diretamente ligados aos direitos humanos e constitucionais. Este aparato estatal limita a entrada de empresas privadas no setor, sobretudo quando o propósito é a obtenção de lucros.
Por mais que ofereçam extraordinária capacidade analítica de dados, a lógica de eficiência das plataformas digitais é conflitante com a lógica de serviços públicos e a necessidade de proteger uso de dados e privacidade como um direito fundamental.
Por fim, a colonização digital das Big Techs tem que ser enfrentada considerando o processo de colonialidade, devendo envolver a luta e resistência aos padrões de poder e avareza destas corporações.
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Colonização digital das Big Techs na educação e saúde. Artigo de José Rodrigues Filho e Susanna Gouveia Rodrigues - Instituto Humanitas Unisinos - IHU