“Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho da Vigília de Natal, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto de Lucas 2,1-14.
Jesus “desce” aos rincões da humanidade; sua Luz brilha no interior da gruta e a partir daí ilumina todo o universo. As grutas sempre despertaram fascínio nos seres humanos; possuem uma força atrativa e guardam segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente de retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana. Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em matéria de consideração, de oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação do Menino Jesus na Gruta revela que Deus assumiu a aventura humana desde seus começos até seu limite (vida, amor e morte). Deus se fez “tecido humano”, revestiu o ser humano de sua própria glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No nascimento de Jesus é revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável do ser humano. Nossa humanidade foi divinizada pela “descida” de Deus.
Acolhido pela natureza, presente na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca mais saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano. Na pobreza, na humildade da nossa própria história pessoal, inserida na grande história da humanidade, torna-se possível acolher o dom do amor de Deus visível na Criança de Belém.
A linguagem da Gruta de Belém é poderosa; é intensa; é urgente; é um reflexo de presenças e encontros, de assombro e de silêncio. No seu interior ressoam as palavras mais humanizadoras e mais vivas: justiça, bondade, liberdade, igualdade, paz, compaixão, alegria, acolhida... Palavras que não podem ser esquecidas, sepultadas ou banalizadas por modismos ou novidades. Palavras que só podem ser pronunciadas diante do “Deus que se faz Criança” para que fiquem gravadas a fogo em nosso coração e se visibilizem na nossa maneira de ser e viver.
A Gruta também nos recorda que “Deus é Palavra”; uma Palavra que se fez Vida e acampou entre nós. Uma Palavra inspiradora, chocante, coerente, feita “carne e sangue”, feita “lágrima e riso”. Palavra que se faz proximidade, encontro, abraço...; Palavra que é de sempre e é eterna.
O fato de que Deus tenha decidido salvar-nos a partir de uma gruta que recolhia animais é, sem dúvida alguma, a revelação mais desconcertante d’Ele. Nosso Deus é certamente contracultural, inesperado, surpreendente, pois não corresponde às ideias que forjamos d’Ele, é diferente, não é óbvio que Ele seja assim. É preciso estarmos abertos para as surpresas de Deus!
Entremos, pois, na gruta, mas não de qualquer maneira. Estamos frente a um mistério santo: Deus se fez um de nós, compartilha nossa pobreza e precariedade. Aqui só tem lugar as atitudes interiores e corporais de agradecimento, humildade, reverência e serviço.
Se contemplarmos Jesus na manjedoura, longa e amorosamente, experimentaremos que algo nos move a mudar dentro de nós: uma mudança de sonhos e esperanças, uma mudança no modo de nos situar no mundo, de nos relacionar com os outros, conosco mesmos e com Deus. Aqui está enraizada a convicção de que Belém pode mudar nossa vida. O “mistério” contemplado atinge as camadas mais profundas do afeto e do coração, gerando novidade em nossa vida cotidiana.
A contemplação do mistério do Nascimento de Jesus ativa em nós uma maneira cristificada de ser e de estar no mundo; nossa presença e nossa missão fazem do mundo em que vivemos um lugar transparente, santo e luminoso em Deus. “Entrar na Gruta” do Nascimento nos expande e nos lança em direção ao mundo, à humanidade, nos faz mais universais e nos capacita para sermos contemplativos nas relações.
Na espiritualidade cristã, quem experimenta o encontro com o Deus vivo e amoroso, começa a “ver” os homens e as mulheres no mundo como Deus mesmo os vê. Precisamente por ter-se encontrado com o Deus-Amor, a pessoa torna-se mais “encarnada” na realidade e mais comprometida com os outros, sobretudo com os mais pobres, os mais sofridos e excluídos; é aquela que mais se compromete com a justiça e é a que mais desenvolve uma criatividade eficaz na história, com obras que nos surpreendem. O mistério do Nascimento nos sensibiliza e nos capacita para nos aproximar desse nosso mundo com uma visão mais contemplativa. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da humanidade.
Como “contemplativos nos encontros”, movidos por um olhar novo, entramos em comunhão com a realidade de tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”; um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que ali existem; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e gerador de misericórdia; um olhar gratuito e desinteressado, “janela da alma”, que nos expande numa atitude acolhedora de tudo que nos rodeia; um olhar que rompe distancias e alimenta encontros instigantes.
É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novos encontros, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos enriquecer...
A vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprendemos e nos fazem um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
Queremos, neste Natal, manter abertas as portas da esperança para todos os seres humanos, em um caminho que vai nos conduzindo à Vida. É preciso fazer a “travessia” do “natal” do nosso ego, autocentrado e consumista, ao Natal que desperta em nós as melhores energias de vida, sempre em favor da vida.
E poderemos sentir a alegria de Maria, de José e dos anônimos pastores; a indizível alegria, aquela que só pode ser recebida como presente e da qual nasce o compromisso mais radical e esperançoso pela transformação social que nosso mundo tanto necessita.
O nascimento de Jesus em uma Gruta desmascara esta dura realidade: portas fechadas, uma cidade cheia, a falta de hospitalidade ou de atenção de um povo... Natal continua sendo um tempo de contrastes, uma história de luz e sombra, de possibilidades e de oportunidades; enquanto uns se deixam afetar pela surpresa de Deus que entra na história pelo lado dos mais fracos, outros nem se dão conta daquilo que está acontecendo. Enquanto alguns estavam despertos e bem atentos, outros estavam bem protegidos, perdidos em suas histórias, em suas preocupações e compromissos, em suas urgências e interesses, dormindo tranquilamente, sem se inteiraram de que ali, a poucos metros, um menino nascia. Não foram capazes de descobrir algo admirável naquele Menino deitado numa manjedoura, porque nem sequer o viram; perderam a capacidade de estar atentos, de manter os olhos abertos e o coração sedento.
Faça um “deslocamento” em direção à sua “gruta interior”; com os olhos bem abertos e curiosos dos “humildes pastores” descubra as surpresas que ali Deus continua realizando.
- Abra-se, com profunda gratidão, ao dom da Vida que se faz vida nas profundezas de seu ser.
Um abençoado Natal a todos!