22 Setembro 2021
"Como tanto insistiu Paulo Freire, a esperança é uma dimensão fundamental da vida humana. Aquela dimensão que faz de nossa vida uma obra inacabada e uma tarefa permanente. É a dimensão utópica da vida. Aquilo que nos desinstala, que nos mobiliza, que nos põe a caminho", escreve Francisco de Aquino Júnior, Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Vivemos tempos difíceis e até dramáticos: O crescimento da extrema direita com sua política antissocial de desmonte do que resta de políticas sociais e de aversão aos direitos humanos tem levado a um aumento escandaloso da pobreza e das mais diversas formas de violação dos direitos humanos (feminicídio, racismo, homofobia etc.). Com o agravante de que tudo isso se dá com a cumplicidade – até militante – de amplos setores das igrejas cristãs e de seus pastores, destruindo a herança mais importante da tradição judaico-cristã para a civilização ocidental: o ser humano criado à “imagem e semelhança de Deus” ou a dignidade fundamental de todo ser humano. Mas, precisamente neste tempo, somos chamados a dar testemunho de uma esperança ativa e criativa, provada na cruz, regada com sangue martirial, sustentada e dinamizada pelo Espírito do Senhor que “a partir de baixo” vai reciclando/refazendo/recriando a vida.
Como tanto insistiu Paulo Freire, a esperança é uma dimensão fundamental da vida humana. Aquela dimensão que faz de nossa vida uma obra inacabada e uma tarefa permanente. É a dimensão utópica da vida. Aquilo que nos desinstala, que nos mobiliza, que nos põe a caminho. É uma “necessidade ontológica” e, enquanto tal, um “imperativo existencial e histórico”. Sem esperança a vida humana se torna impossível. “A desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir ao fatalismo onde não é possível juntar as forças necessárias ao embate recriador do mundo”. Por isso, dizia: “sem poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor sem esperança e sem sonho”. O homem é “um ser da esperança que, por ‘n’ razões, se tornou desesperançado”.
Mas a esperança renasce sempre de novo, quando menos se espera e de onde menos se espera. E a razão última ou a fonte última dessa esperança, como indicou o papa Francisco na encíclica Laudato Si’, é a presença salvífica e re-criadora do Espírito de Deus no mundo. Ele “encheu o universo de potencialidades que permitem que, do próprio seio das coisas, possa brotar sempre algo novo” (LS, 80). Por isso, “nem tudo está perdido”. Não se deve esquecer jamais que “os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também se superar, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionamento psicológico e social que lhe seja imposto”. Nada é definitivo nesse mundo. “Não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a reanimar no mais fundo dos nossos corações” (LS, 205).
Mas a esperança sozinha não transforma o mundo. Não basta querer e sonhar. É preciso ousar, arriscar, inventar... Nas palavras de Paulo Freire, “a esperança é necessária, mas não é suficiente [...]. Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo”. A esperança que transforma o mundo é uma esperança ativa/criativa que se faz resistência e luta cotidianas.
Resistência crítica: na denúncia, no enfrentamento e na luta contra toda forma de opressão, injustiça, exploração e negação de direitos.
Resistência criativa: na construção de novos padrões e novas formas de atividade econômica (agroecologia, economia solidária, tecnologias sociais etc.), de novas relações de gênero, da cultura da solidariedade, de articulação das forças populares, de cultivo da dimensão místico-espiritual.
E todo esse processo, adverte Ignacio Ellacuría, teólogo-mártir salvadorenho, é marcado por uma tensão fecunda entre o “ideal utópico” e sua “moderação realista”. O “ideal utópico” impede o fatalismo, o conformismo e a resignação diante das injustiças, bem como o pragmatismo político que é fruto de conchavos e negociatas com as elites. A “moderação realista”, por sua vez, “sem perder seu ideal utópico, o modera conforme as possibilidades históricas”. Isso exige lucidez, discernimento e sabedoria. A vida não funciona na base do “tudo ou nada”. Um passo para frente ou mesmo para trás pode ser decisivo para novas conquistas. E, de novo, é importante perceber a dimensão estritamente espiritual desse processo, através do qual o Espírito do Senhor, que é Espírito de vida e que “atua a partir de baixo”, vai reciclando, refazendo, recriando a vida.
Esperemos, pois, esperançando: resistindo-recriando!
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Esperança contra toda a desesperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU