01 Setembro 2018
Estamos agora há quatro dias na tempestade que se formou no último final de semana pelo lançamento de um explosivo comunicado de 11 páginas de um ex-embaixador papal nos EUA, acusando o papa Francisco de ignorar as advertências de má conduta sexual contra o ex-cardeal Theodore McCarrick.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 31-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Este ex-embaixador, o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, está firme em sua acusação, enquanto o Vaticano e Francisco seguem sua política de ignorá-lo.
Como muita coisa aconteceu rapidamente, e como muita coisa continua sendo confusa e incerta, é útil, por um momento, tomar certa distância e identificar três pontos-chave que, a essa altura, parecem razoavelmente claros.
Em muitas discussões sobre essa história, foi dito que Viganò acusou Francisco de encobrir alegações de "abuso sexual". Isso pode levar a um mal-entendido e há uma diferenciação importante na explicação do motivo.
Geralmente, quando o termo “abuso sexual” é usado, especialmente no contexto dos escândalos da Igreja, refere-se ao abuso de um menor. Na verdade, a primeira sugestão de que McCarrick era culpado desse crime ocorreu no início deste ano, quando a arquidiocese de Nova York informou-o de que estava investigando uma alegação de um ex-coroinha de décadas atrás.
O que estava em questão em 2013, quando Viganò alega ter informado Francisco sobre McCarrick, foi uma má conduta sexual com jovens seminaristas adultos. Embora indefensável, tal comportamento não constitui crime sob a lei civil ou da Igreja, e não há sugestão na declaração de Viganò de que Francisco tenha encoberto tal crime.
Sendo verdade que Francisco ignorou esses avisos, ainda levantaria sérias questões. Não é o mesmo, no entanto, que outros prelados seniores que foram acusados de fechar os olhos para o clero que atacava crianças.
Na conversa com Francisco que Viganò descreveu, de junho de 2013, ele afirma que também disse ao pontífice que a Congregação para os Bispos do Vaticano, responsável pela supervisão dos prelados em todo o mundo, tem um "grosso dossiê" sobre McCarrick.
O comentário veio no contexto de dizer a Francisco que o papa emérito Bento XVI havia colocado McCarrick sob restrições, presumivelmente devido às informações contidas naquele dossiê.
No momento, não sabemos se houve realmente tais restrições ou qual poderia ter sido a base para elas. Até que esse mistério seja resolvido, é difícil saber como agir em relação à situação.
Existe, evidentemente, uma solução simples: que a Congregação para os Bispos nos diga o que sabe. Francisco poderia ordenar o cardeal canadense Marc Ouellet, que lidera a congregação, a divulgar seus arquivos sobre McCarrick - ou a dizer publicamente que não existe nenhum arquivo, caso realmente não exista.
Os bispos dos EUA já anunciaram seu desejo de uma investigação abrangente do caso McCarrick e, em breve, estarão a caminho de Roma para discutir planos sobre isso com o papa. A liberação dos arquivos da congregação, portanto, poderia ser apresentada como um serviço tanto para a transparência em geral, quanto para a investigação norte-americana especificamente.
Como Viganò era o embaixador papal nos Estados Unidos e McCarrick era um cardeal norte-americano, é compreensível que a reação inicial à sua declaração entre os bispos tenha se concentrado em grande parte nos EUA.
Até agora, oito bispos e arcebispos norte-americanos vieram atestar o caráter de Viganò e pedir uma investigação, enquanto três cardeais e um bispo lançaram dúvidas sobre as acusações e expressaram total apoio a Francisco.
Pouco a pouco, no entanto, bispos de outras partes do mundo estão entrando em ação.
Logo depois que a história foi divulgada, o bispo Athanasius Schneider, do Cazaquistão, endossou Viganò, dizendo que "não há uma causa razoável e plausível para duvidar do teor de verdade do documento". Schneider foi um crítico aberto de Francisco sobre a Amoris Laetitia e vários outros assuntos.
No domingo passado, o cardeal Rubén Salazar, de Bogotá, na Colômbia, publicou um forte endosso a Francisco no encerramento de uma reunião patrocinada pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). “O papa está sendo atacado pessoalmente… de maneira vergonhosa”, disse ele, e ofereceu “nosso tributo de fidelidade, proximidade e colaboração para que a verdade resplandeça acima de todo pecado”.
Os bispos do Peru também defenderam o pontífice, dizendo que “em face das tentativas de desestabilizar a Igreja e seu ministério” quiseram expressar “um forte sentimento de comunhão e colegialidade com você e seu ministério petrino à frente da Igreja universal”.
Os bispos da Espanha expressaram sua “afeição, proximidade e apoio”, enquanto os bispos da terra do papa, a Argentina, prometeram “nossa proximidade fraterna e filial neste momento em que você sofre um ataque implacável, no qual interesses mundanos diferentes se unem”.
Na quinta-feira, o jornal italiano La Repubblica publicou uma entrevista com o cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras, um íntimo aliado de Francisco e coordenador de seu conselho de cardeais conselheiros (C9).
Rodriguez denominou a agitação desencadeada pela acusação de Viganò como parte de um ataque mais amplo a Francisco: "Desde o início, podia-se ver uma reação negativa contra Francisco que tinha o objetivo de enfraquecer seu magistério", disse o prelado hondurenho.
Finalmente, também na quinta-feira, o cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de estado do Vaticano, disse que em situações “que obviamente criam tanta amargura e preocupação”, o papa “tem a habilidade de adotar uma abordagem muito serena”. Ele ecoou a resposta do pontífice à acusação de Viganò, dizendo: "O que foi escrito fala por si".
Resumindo tudo, o que está claro é que, até agora, comentários episcopais de apoio a Viganò, com exceção do de Schneider, vieram inteiramente dos Estados Unidos, enquanto os relativamente poucos bispos, ou grupos de bispos, de outros lugares que já falaram apoiaram o papa.
Teremos que ver se esse padrão é mesmo válido, mas isso levanta uma questão sobre como líderes católicos de outras partes do mundo podem ver a situação - se alguns são tentados a pensar que é apenas mais um capítulo nas guerras culturais norte-americanas.
Veja como o "Il Sismografo", um blog católico amplamente lido com sede na Itália, publicou na quinta-feira.
“À medida que os dias se passaram, de domingo de manhã até hoje, e depois de muitos exames jornalísticos inteligentes e honestos, até agora parece estabelecido que a denúncia de Tossati [referindo-se a um conhecido jornalista italiano que reconheceu ajudar a elaborar a carta] e Viganò é, na realidade, algo para contextualizar inteiramente dentro dos Estados Unidos”.
Por mais compreensível que essa visão possa ser, e que seja totalmente precisa ou não, ela certamente vai complicar a capacidade dos bispos de fora do espaço aéreo norte-americano de levar a sério a afirmação factual de Viganò sobre o papa.
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Extraindo certezas da confusão sobre a tempestade do encobrimento do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU