22 Mai 2024
O paradigma eclesiológico hierárquico é coerente com a minoridade cultural e social sofrida durante muito tempo pelas mulheres, de uma forma nem sempre total e uniforme, aliás. Hoje, tal minoridade, que tornava o fato de ser mulher até um impedimento à ordenação, certamente não é mais aceitável, não só culturalmente, mas nem mesmo teologicamente.
O comentário é Mario Imperatori, jesuíta italiano e professor de Teologia Dogmática na Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional. O artigo foi publicado em Settimana News, 18-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Além de levantar a questão fundamental das relações hermenêuticas entre Escritura e Tradição, em suas intervenções, [Massimo] Nardello aborda a questão do diaconato considerando-a em si mesma e dando voz, de forma alguma isolada, à crise que o ministério diaconal vive, de fato, atualmente na Igreja.
E não só em sua forma transitória, mas também em sua forma permanente, apesar das esperanças que a introdução desta última forma suscitara em seu tempo. O que Dario Vitali escreveu a esse respeito vem sendo atestado já há algum tempo [1]. Trata-se de um dado que corresponde à realidade, e não o levar em consideração explícita seria dar prova de pouca clarividência prática.
Para [Andrea] Grillo, a questão do diaconato, por sua vez, é abordada em uma perspectiva sistemática. O que o leva a privilegiar o ministério ordenado como tal. Daí resulta que o eventual acesso das mulheres ao diaconato parece ser considerado por ele aqui, de fato, apenas como uma primeira etapa para seu gradual e desejado acesso também aos outros dois níveis do ministério ordenado, exatamente como já ocorreu na comunhão anglicana. O que complica a discussão sobre o diaconato, pois ele deixa muitos não ditos em sua argumentação, às vezes muito dura.
No entanto, sua posição tem o indubitável mérito de chamar a atenção para a problemática do paradigma eclesiológico hierárquico, um paradigma coerente em relação à minoridade cultural e social sofrida durante muito tempo pelas mulheres, de uma forma nem sempre total e uniforme, aliás. Hoje, tal minoridade, que tornava o fato de ser mulher até um impedimento à ordenação, certamente não é mais aceitável, não só culturalmente, mas nem mesmo teologicamente. E isso em razão da igualdade entre homem e mulher que nasce do fato de ambos serem feitos Um em Cristo mediante o batismo.
Além disso, esse paradigma eclesiológico hierárquico não se encontra como tal no Novo Testamento. De fato, ele se consolidou na Tradição como uma tradução historicamente condicionada da apostolicidade da Igreja, contextualmente elaborada a partir da tríade neoplatónica e da releitura espiritual dos ministérios neotestamentários inspirada no sacerdócio veterotestamentário.
Ao contrário desse esquema hierárquico, a apostolicidade, da qual tal esquema é uma tradução histórica, representa, por sua vez, uma das notas indispensáveis da Igreja precisamente por ser atestada no Novo Testamento e proclamada no Credo como verdade de fé. E não só na figura dos Doze, mas também na de Paulo.
Neste ponto, talvez devêssemos nos perguntar sobre o paradigma eclesiológico-sacramental mais adequado para abordar a questão da apostolicidade do ministério ordenado e de sua coerência ou não com a admissão nele ou em parte dele também de mulheres batizadas.
É difícil responder sem se referir à sacramentalidade que o Vaticano II reconheceu ao episcopado como sumo grau do único sacramento da ordem e intimamente ligado à presidência da eucaristia. Uma presidência que inevitavelmente levanta a questão nunca examinada relativa ao exato significado quenoticamente cristológico da masculinidade também escatológica do Filho morto e ressuscitado, ligada à resurrectio carnis.
Um grau e uma presidência cristológica ao mesmo tempo, mas eminentemente relacionais, pois necessitam estruturalmente da imprescindível contribuição dos outros dois graus para poderem ser adequadamente desempenhados no real benefício da Igreja, Corpo de Cristo e povo de Deus.
Nota
1. Vitali, D. Diaconi che fare?, San Paolo: Cinisello Balsamo, 2019.
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Breves considerações sobre o debate acerca do diaconato feminino. Artigo de Mario Imperatori - Instituto Humanitas Unisinos - IHU