30 Janeiro 2023
"A insônia, quando se torna incontrolável, priva aqueles que a vivem de uma verdadeira consciência. Só é possível vigiar quando se conseguiu dormir", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 28-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A notícia da carta em que J. Ratzinger confessava ao seu biógrafo, pouco antes de sua morte, que sofria de insônia, que havia começado a ter esse problema logo após sua eleição como papa e havia sido um motivo determinante para sua renúncia ao ministério petrino, despertou três pensamentos em mim.
Em primeiro lugar, imediatamente me lembrou uma declaração completamente oposta, que o Papa Francisco divulgou no início de seu pontificado, em uma entrevista, na qual tranquilizava o entrevistador preocupado com a carga de trabalho e de responsabilidade com uma resposta desarmante: "Eu durmo bem". E, em outra ocasião, havia admitido que de vez em quando, entre uma audiência e outra, sentado em sua poltrona, caía por alguns minutos "num sono de cachorro".
Por outro lado, a tarefa de "vigilância", que cabe principalmente aos bispos, pode ser facilmente confundida com a insônia. Uma espécie de “coação à vigilância” certamente pode desencadear uma reação na qual não se consegue mais dormir. A mudança da vigilância para a insônia substitui indiretamente o "ladrão" pelo "Senhor". E esse se torna precisamente o problema, pessoal e funcional, espiritual e eclesial.
O terceiro pensamento é sugerido por uma extraordinária reflexão do grande filósofo E. Lévinas, que sabiamente medita sobre a relação muito tênue entre "consciência" - muitas vezes identificada com a atenção vigilante - e a possibilidade de dormir. A retirada no sono como alimento para a consciência é, portanto, o resultado mais surpreendente desse grande texto. Vamos ouvi-lo:
“A insônia se caracteriza pela consciência de que esta situação não acabará nunca, isto é, que não existe nenhum meio para sair da vigilância à que estamos obrigados. Vigilância sem objetivo […]. Contudo, é preciso que nos perguntemos se a consciência se deixa definir pela vigilância, se a consciência não é, melhor dizendo, a possibilidade de subtrair-nos à vigilância; se o sentido próprio da consciência não consiste, talvez, em ser uma vigilância posta ao abrigo de uma possibilidade de dormir; se o particular modo de ser do eu não consiste no poder de sair da situação da vigilância impessoal. A consciência participa já, com efeito, na vigilância. Sem dúvida, o que a caracteriza de modo particular é o fato de reservar-se sempre a possibilidade de retirar-se ‘atrás’, para dormir. A consciência é o poder de dormir. Nesta fuga plena consiste, em certo sentido, a paradoxal mesma da consciência.". (E. Levinas, O tempo e o Outro, Génova, Il Melangolo, 1997, pp.22-25).
A insônia, quando se torna incontrolável, priva aqueles que a vivem de uma verdadeira consciência. Só é possível vigiar quando se conseguiu dormir. Só nessa "fuga plena", nesse retornar por algumas horas animais, vegetais e minerais, adormecidos como "pedras" ou como "cães", é possível manter uma consciência vigilante. Não é de surpreender, portanto, que quem não conseguia mais dormir não se sentisse mais capaz de vigiar.
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A insônia, a vigilância e a consciência: sobre uma carta de J. Ratzinger. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU