14 Abril 2022
Francisco procurou desde o início da guerra manter uma relação diplomática com a Ucrânia e a Rússia para tentar chegar a um acordo o mais pacífico possível, mas é criticado em determinados círculos católicos e por alguns meios de comunicação de países ricos, por nunca ter mencionado o presidente russo, Vladimir Putin, embora condene todos os dias a guerra na Ucrânia como “monstruosa” e “repugnante”.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 12-04-2022. A tradução é do Cepat.
Como primeiro papa jesuíta e latino-americano da história, Francisco foi criticado desde o início do seu pontificado. Eleito em 2013, já em 2017, só para dar um exemplo, um grupo de estudiosos católicos o acusou de ser um “herege” pelo que havia escrito em sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (2016), entre outras razões porque falava em dar a comunhão aos divorciados.
Entre seus opositores mais destacados estavam o cardeal estadunidense Raymond Burke e o núncio apostólico italiano Carlo M. Viganò, que pediu que Bergoglio renunciasse. E quando realizou o primeiro Sínodo para a Amazônia em 2019 em Roma, no qual se abriu a possibilidade de que indígenas casados pudessem ser padres, as críticas não pararam. A isso se somaram os processos contra os padres abusadores promovidos pelo papa e os julgamentos ainda em andamento contra ex-funcionários e um cardeal, por desvio de recursos financeiros do Vaticano.
Os católicos estadunidenses mais conservadores sempre viram Francisco como um papa muito próximo dos pobres e alguns até o acusaram de ser “comunista”.
Na última audiência geral realizada esta semana no Vaticano, o papa falou do fato de que a lógica dominante hoje no mundo da política “é a da estratégia dos Estados mais poderosos para fazer valer seus próprios interesses e ampliar sua influência econômica, ideológica e militar”. E claramente, embora sem nomeá-los, referiu-se aos Estados Unidos, à Europa, à Rússia e à China. A Rússia, que apesar de ocupar o 11º lugar entre as principais economias mundiais, segundo dados de 2021, com esta guerra tenta aumentar o seu território para obter benefícios econômicos e retomar a liderança perdida após a queda da União Soviética em 1989.
Sempre se referindo à guerra, o papa também destacou nestes dias que a ONU tem sido completamente ineficaz. “Após a Segunda Guerra Mundial, tentou-se lançar as bases para uma nova história de paz. Mas prevaleceu a velha história das grandes potências competindo entre si. E na atual guerra na Ucrânia estamos testemunhando a impotência da ONU”, disse o pontífice. Os países poderosos do mundo, com efeito, Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, França e China, seguem tendo o controle da ONU porque são os únicos membros permanentes do Conselho de Segurança e só eles têm direito de veto. Os outros membros do Conselho de Segurança, dez países que mudam periodicamente, não têm esse direito.
O Conselho de Segurança é o órgão máximo da ONU e o único que pode tomar medidas obrigatórias para os 193 países membros da organização. Foi feita uma tentativa de sancionar a Rússia, mas ela vetou. Apesar de tudo, a assembleia da ONU suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos por causa do que está acontecendo na Ucrânia.
Francisco desde o início tentou fazer a mediação entre a Rússia e a Ucrânia. Embora nada tenha sido divulgado abertamente sobre isso, alguns fatos tornaram-no suspeito. Entre eles, a visita que fez, sem comunicado prévio, à Embaixada da Rússia no Vaticano no início do conflito, em 25 de fevereiro. De acordo com a imprensa italiana, seu objetivo era pedir a Putin que acabasse com os bombardeios. Seu encontro com o embaixador russo Aleksandr Avdeev durou pouco mais de meia hora. Embora o papa conhecesse Avdeev há muito tempo, a conversa aparentemente não levou a bons resultados. Mas o papa sempre repetia à imprensa: “Estou disposto a fazer tudo o que puder ser feito”. E esclareceu que a seção diplomática da Santa Sé está se ocupando do caso, especialmente o cardeal secretário de Estado Pietro Parolin, número dois do Vaticano, e o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados.
“Eles estão fazendo de tudo, mas não podemos publicar o que fazem por prudência e privacidade”, disse Francisco. No dia 23 de março, de fato, o cardeal Parolin recebeu o embaixador russo Avdeev e o encontro durou cerca de duas horas. De acordo com o jornal italiano Corriere della Sera, entre os assuntos de que falaram estava a viagem do pontífice a Kiev, capital ucraniana, visita para a qual havia sido convidado pelo presidente Volodymyr Zelensky quando se falaram por telefone alguns dias antes. O fato de em sua recente viagem à ilha de Malta o papa ter reiterado que não exclui a possibilidade de ir a Kiev “é uma forma de sinalizar a Putin que, se o conflito não for interrompido, a viagem pode se tornar o último recurso para obter um cessar-fogo”, escreveu o jornal.
O papa tentou mediar organizando também um encontro com o líder da Igreja Ortodoxa russa, o Patriarca Kirill, que apoiou abertamente a guerra desde o início, encontro que, segundo o embaixador russo, poderia acontecer este ano. Mas outras fontes dizem que isso pode acontecer nos próximos meses no Líbano. Kirill e Francisco se conhecem há muito tempo; ambos inclusive participaram de um encontro religioso internacional que aconteceu em Cuba em 2016.
Desde a eleição do Papa Francisco em 2013, a Igreja russa e o Vaticano desenvolveram uma certa sintonia. E, segundo alguns, também uma certa simpatia por Putin, que aparentemente protegia as minorias cristãs no Oriente Médio. Mas desde que eclodiu a guerra na Ucrânia, tudo isso desmoronou. O conflito foi descrito como a primeira guerra entre cristãos, ortodoxos russos e ortodoxos e católicos ucranianos, que se vê em território europeu após décadas de paz.
O Papa Francisco sempre se manifestou contra as guerras e, sobretudo, contra o crescimento do armamentismo, quando, frisou, milhares de famílias no mundo precisam de alimentação e educação, e muitos governos preferem gastar o dinheiro em armas. E o dia 25 de março foi um dia especial nesse sentido, segundo um deputado italiano do [Partido] Itália Viva, Michele Anzaldi, que está na comissão de vigilância da RAI. No dia anterior, o papa havia definido como “loucos” os países europeus que decidiram aumentar seus gastos com armas para 2% do seu Produto Interno Bruto. Embora a condenação do papa tenha sido importante, a Rai 1, um dos três canais da emissora estatal e tradicionalmente ligado a setores mais conservadores, censurou o comentário do papa e não o transmitiu. Os outros dois canais, a Rai 2 e a Rai 3, ligados a setores geralmente mais abertos e progressistas, ao contrário, difundiram-no.
Mas, aparentemente, não foi apenas a televisão. Vários jornais importantes da Itália, tanto de Roma como de Milão, não o publicaram. Outros o fizeram como notícia não relevante. A censura das palavras de uma figura mundial como o papa mostra que determinados setores da Itália também se opõem a pacifistas e anti-armamentistas como ele, segundo alguns analistas.
Sempre considerado um dos melhores e mais objetivos jornais dos Estados Unidos, agora o The New York Times parece ter bandeado para o outro lado. Apesar dos numerosos apelos e dos fortes gestos feitos por Bergoglio no plano diplomático e humanitário em relação à guerra, para o jornal estadunidense o papa tem sido muito cauteloso, especialmente em relação à Rússia. “Ele evitou cuidadosamente citar o agressor, o presidente Putin, e inclusive a própria Rússia (...) O papa deplora a guerra na Ucrânia, mas não o agressor”, escreveu o The New York Times, criticando Francisco também por não ter condenado o principal líder religioso defensor da guerra, o Patriarca Kirill.
Mas o jornal norte-americano não menciona os esforços de mediação não tornados públicos do argentino. “O Vaticano está ciente de que deve se mover com muito cuidado e é importante que o Papa Francisco mantenha uma linguagem acima das partes”, escreveu o escritor e jornalista vaticano Marco Politi, grande especialista no Vaticano, no jornal Il Fatto Quotidiano de Roma. Outros jornais lembraram o que papas como João Paulo II fizeram quando o presidente dos Estados Unidos, George Bush, decidiu invadir o Iraque em 2003. O papa tentou convencê-lo a mudar de ideia. Mas não conseguiu. Um bom número de católicos o acusou então de ser um “pacifista” e “irrealista”. Anos depois, ficou demonstrado que o pretexto para a invasão – que o Iraque tinha “armas de destruição em massa” – era uma mentira, como reconheceu publicamente o ex-secretário de Estado de Bush, Colin Powell.
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Quem acusa e quem defende o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU