14 Março 2022
A operação do Kremlin na Ucrânia é uma “operação especial”, mas ele um dia na aula disse vojna, “guerra”: uma palavra que, devido à última lei aprovada pela Duma desde o início do conflito contra Kiev, pode custar até 15 anos de prisão.
Giovanni Savino, professor universitário de história contemporânea, especialista em nacionalismo russo do século XX, lecionava em três institutos de prestígio em Moscou. Ele pisou pela primeira vez na Rússia aos 21 anos. Em 3 de março, depois de 17 anos na Federação - esposa e filhos russos - ele fugiu pela fronteira da Estônia quando foi denunciado às autoridades: “No início, em 24 de fevereiro, realmente parecia uma 'operação especial'. Mas quando a blitzkrieg falhou, o poder russo não conseguiu continuar sua própria propaganda. Em uma das universidades onde leciono, chegaram circulares convidando alunos e professores a relatar se eram realizadas declarações, inclusive nas redes sociais, contra o ataque. Eu disse aos meus alunos: 'Esta é uma guerra'”.
A entrevista com Giovanni Savino é de Michela A.G. Iaccarino, publicada por Il Fatto Quotidiano, 13-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quais foram suas reações?
Na verdade, eles já sabiam. Eles estão assustados, veem pessoas de sua mesma idade lutando em lados opostos, também sabem que a Rússia iniciou um isolamento que pode durar anos e, no âmbito acadêmico, significa, por exemplo, o fim dos intercâmbios.
A propaganda do Kremlin sobre eles não funciona?
O Ocidente erra quando acredita que funciona de maneira generalizada. A narrativa oficial não tem domínio sobre todas as camadas da cidadania, há uma vacinação em massa contra a propaganda, que já no final da era soviética não funcionava mais. Pessoas com menos de 50 anos leem as notícias na internet, e é por isso que o governo quer controlá-la e reprimi-la.
Na rede, a Meta - ou seja, Facebook e Instagram - permitiu discursos de ódio contra Moscou em alguns países do antigo bloco soviético.
Um erro: é combustível para a propaganda russa que usa essas notícias em casa para dizer aos cidadãos que “o mundo odeia os russos”. Na Federação já queriam proibir aquelas redes sociais, agora as declararam uma “organização extremista”. Além disso, proibir festivais ou expressões da cultura russa nesse contexto significa presentear com armas poderosas as autoridades de Moscou. A agressão militar contra a Ucrânia deve ser condenada por todos os meios, mas a cultura russa faz parte da cultura europeia. Um exemplo: o nazismo nunca nos impediu de ler Goethe ou ouvir Beethoven. Esta guerra não deve nos privar de Tchekhov e Tolstói.
Hoje em dia poucos se lembram disso.
Considero injusto qualquer tipo de limitação do debate, mesmo que baseado em fontes certas. Este clima intelectual é digno de 1914: pode-se mobilização de ambos os lados, alguns mecanismos são terrivelmente semelhantes. O que me espanta são os tons: são similares, mas de sinal contrário. Talvez algo um pouco semelhante foi registrado durante a guerra ao terror da era Bush, mas agora tudo isso está acontecendo na Europa.
Este é o 18º dia da guerra: pode-se supor que Putin pensou que venceria muito mais rápido?
Mesmo aqueles de seu círculo não haviam previsto a decisão do presidente. Relatórios foram feitos antes de prosseguir contra Kiev, mas eram errôneos. Na Rússia, o poder é familiar: significa que você nunca deve desagradar o chefe, deve ter atitude condescendente, não analítica. Talvez precisamente por causa daqueles memorandos, foi preso o vértice do V departamento do FSB, os serviços secretos russos.
Enquanto os EUA e a Europa emitem sanções contra Moscou, milhares de russos estão fugindo. Você lançou um apelo para ajudar os acadêmicos dissidentes.
As medidas restritivas afetam o país e criam condições que poderiam se tornar incontroláveis.
Para muitos, as prioridades são continuar sobrevivendo de maneira aceitável enquanto o rublo desaba e as contas são congeladas, mas mais de 100.000 pessoas estão em fuga. É preciso ajudar dois povos: um a se libertar das bombas, o outro de um regime opressor.
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“Parece 1914, o isolamento ajuda a estratégia do Kremlin”. Entrevista com Giovanni Savino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU