12 Janeiro 2021
Um entrelaçamento profundo e complexo que existe entre a Sagrada Escritura e a economia. Aprofundar esse aspecto, ainda pouco explorado, é a meta da Escola de Economia Bíblica no seu terceiro ano de atividade. Os cursos realizados nestes dias serão dedicados em especial ao Livro de Jó que, explica o professor Luigino Bruni na entrevista, nos convida a abandonar uma visão 'retributiva' da fé.
Mercado, dinheiro, dívida, lucro, mas também mérito e sacrifício: nas páginas da Sagrada Escritura encontram-se a maioria das categorias, inclusive econômicas, que fundaram a nossa civilização. Mas também novos temas para a linguagem econômica contemporânea, como dom, aliança, cuidado, misericórdia e amor.
O que um economista que lê a Bíblia pode ganhar com suas histórias?
A isso tenta dar respostas originais a Escola de Economia Bíblica, nascida do desejo de oferecer espaços de aprofundamento sobre os livros da Bíblia através de novas perspectivas de leitura, e que se propõe interrogar as grandes histórias e grandes personagens bíblicos com novas questões, para descobrir o que elas têm a nos ensinar hoje.
A Escola de Economia Bíblica é um projeto promovido pelo Polo Lionello Bonfanti, um centro empresarial localizado em Incisa em Val d'Arno, Florença, onde convergem várias empresas orientadas para uma economia inclusiva e sustentável que aderem ao projeto da Economia de comunhão, e da Escola de Economia Civil, cujo objetivo é favorecer uma nova forma de olhar o ser humano, o trabalho e o meio ambiente. A primeira edição dos cursos remonta a 2017 e nestes primeiros três anos de atividade o número de alunos não para de crescer. Os próximos encontros estão marcados para este fim de semana, uma imersão total de 9 horas entre sábado e domingo, em modo online, desta vez, devido à pandemia.
Que irá proferir as palestras é o professor Luigino Bruni, economista e historiador do pensamento econômico com um perfil particular de interesse pela economia civil, social e de comunhão. Professor titular da Universidade Lumsa de Roma, é coordenador do projeto Economia de Comunhão, consultor do dicastério vaticano para os Leigos, a Família e a Vida, colunista de Avvenire e diretor científico do evento “The Economy of Francesco”.
Tema no centro das reflexões “O infortúnio de um homem justo”, ou seja, a releitura do livro de Jó: o justo é atingido, em meio à felicidade, por um grande infortúnio. Sua história, explica o professor Bruni, nos lembra "que a vida é muito mais complexa do que nossas convicções meritocráticas e nos convida a abandonar uma visão 'retributiva' da fé, central também para a ética do capitalismo, levada a considerar a riqueza e a felicidade como prêmio para uma vida justa”.
Mas o que a Bíblia tem a ver com a economia? Luigino Bruni explica aos microfones do Vatican News.
"A Bíblia tem muito a ver com a economia, no sentido que se alguém conhece a Bíblia, sabe que usa muito a linguagem econômica, basta pensar nos Evangelhos: moedas, dracmas, tesouros, mercadores, etc ... e toda a teologia dos primeiros dias do Cristianismo leu Jesus como Divino mercador que pagou o preço da salvação por nós, ou seja, toda linguagem econômica está profundamente ligada à Bíblia. Além disso, o Antigo Testamento está ainda mais cheio de vendas, compras, dinheiro. Acima de tudo, o grande tema do comércio e da troca foi interpretado e lido também para explicar a aliança entre Deus e seu povo em termos comerciais, como estrutura. Mas depois no Novo Testamento temos duas figuras, Judas e Madalena, que se tornarão cada vez mais no curso da história da Igreja, imagens de duas maneiras de usar o dinheiro, uma justa, aquela de Madalena, que usa 300 denários par um óleo para ungir os pés ou a cabeça de Cristo, e a outra errada, a de Judas, que vende Jesus por apenas 30 denários, pelo que também foi visto como uma figura do mau comerciante. Portanto, vemos todo este profundo, enorme, entrelaçamento na Sagrada Escritura entre economia e religião. E também o Livro de Jó, na realidade, está muito ligado ao tema da gratuidade, ao tema da teologia retributiva, segundo a qual Deus nos recompensa com base nos méritos e nos pune com base nas dívidas".
A entrevista é de Adriana Masotti, publicada por Vatican News, 08-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mas qual é o objetivo hoje de uma leitura da Sagrada Escritura em sentido econômico?
Em primeiro lugar, para conhecer também esta dimensão da economia dentro da Bíblia que, para quem ama a Bíblia com todo o seu humanismo, é interessante porque muito pouco tem sido feito nesse sentido. Depois também serve aos economistas para abordar com sua linguagem um mundo inteiro que geralmente não está perto do que é a vida econômica: economia e religião sempre tiveram relações complicadas entre si, vamos pensar no dinheiro visto como o esterco do diabo. Enfim, esse tipo de leitura é algo de novo e não é à toa que há cada vez mais pessoas interessadas em nossos cursos.
Há pouco você mencionou Judas e Madalena. Gostaria de conhecer mais exemplos desse tipo, de saber quais são as categorias ou as palavras com valor econômico mais importante contidas nas páginas da Bíblia ...
Há inclusive muita economia porque sabemos que há toda uma teologia, a chamada teologia da expiação, com a qual a morte e a ressurreição de Cristo são lidas segundo categorias econômicas, ou seja, o preço da salvação: foi preciso o sangue do filho para poder pagar a dívida que a humanidade tinha. Esta é uma visão que teve muito sucesso na Idade Média e que perdura até hoje, pois a linguagem econômica da economia influenciou sobremaneira a forma de entender o evento cristão. Mas, depois, também o Antigo Testamento, se pensarmos no tema do sacrifício que era a linguagem principal das religiões antigas e também da Bíblia, o sacrifício é lido em termos econômicos, afinal é uma troca com a divindade, ou seja, eu pago um preço para criar um crédito em mim, para poder receber as graças de Deus.
Você também pode nos citar alguns elementos positivos que emergem da Bíblia do ponto de vista econômico?
Do lado positivo está o fato, por exemplo, de que na Bíblia como reação a essa tendência comercial, a gratuidade é muito enfatizada e basicamente o tema do livro de Jó decorre dessa aposta feita por Deus, se pode existir em terra um homem que faz o bem sem ser pago, ou seja, gratuitamente. Então Jó, que era uma pessoa justa, foi posto à prova para ver se, tirados todos os bens, ele continuaria sendo um justo, ou seja, se alguém pode ser bom sem retribuição. Por isso a Bíblia, como resposta a essa tendência comercial dos homens que depois a atribuem a Deus, sempre enfatizou que há um outro registro, igualmente importante e presente na religião, que é o tema da gratuidade, da graça, assim como a chamou São Paulo.
A religião teve muita influência na economia, sabemos que a visão protestante influenciou bastante as origens do capitalismo, uma nova visão do cristianismo não poderia agora, sendo mais sensível à dignidade humana, a justiça, aos pobres, ter igual peso na economia do futuro?
Na verdade, não foi só a economia que influenciou a religião, mas também a religião influenciou a economia muito antes da ética protestante. Portanto, entende-se que o tipo de economia que construímos na terra, também depende da nossa ideia de Deus. Assim, um Deus entendido como juiz também condicionou a atividade econômica das pessoas. Se pudermos apresentar uma imagem diferente de Deus, ligada ao amor, à gratuidade, ao dom, provavelmente, a economia também seria afetada. Claro, hoje o peso da religião na vida da sociedade é um pouco diferente do que na Idade Média, mas sempre permanece um grande tema e, portanto, mostrar, como faz o Papa Francisco, um rosto da religião, de Deus e de Jesus mais misericordioso, certamente tem efeitos também econômicos. Não é por acaso que o Papa iniciou este movimento de jovens que, em torno da figura de São Francisco, em Assis, nasce como uma revolução também econômica.
De fato, o evento "The Economy of Francesco" em novembro passado correu muito bem e agora se continua nesse caminho ...
Sim, foi uma etapa de um caminho que continua porque os jovens se encontram, fazem coisas novas, e depois nos veremos de novo em novembro em Assis, porque, como diz o Papa, precisamos iniciar processos, e um processo seguem em frente por si mesmo, cresce, você não o controla. E estou muito feliz por ter participado de um desses processos que o Papa Francisco ativou.
Voltemos à Escola de Economia Bíblica. Fale-nos um pouco sobre quem a promove, a quem é dirigida, como acontecem os encontros?
É promovida pelo Polo Lionello Bonfanti, perto de Loppiano, geralmente acontece aqui, mas claro que durante todo o ano só fizemos cursos online. São dois dias em que se aprofunda um tema, neste caso é o Livro de Jó, por meio de palestras, mas depois há trabalhos em grupo e momentos de diálogo em plenária e o módulo dura cerca de 9 horas. Os cursos são reconhecidos pela Miur e por isso temos sempre um bom número de professores, temos empresários, temos jovens, temos trabalhadores. Essa diversidade também é muito positiva, porque há pessoas de todas as origens, alguns que professam fé e outros não, que se interessam tanto pela economia quanto pela Bíblia e a diversidade torna o encontro uma experiência, em geral, sempre muito agradável e muito dinâmica.
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Na Escola de Economia Bíblica o Livro de Jó, ou seja, o tema da gratuidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU