11 Março 2019
“O Ocidente reduziu a pobreza. A globalização impulsionada pela Europa e pelos Estados Unidos criou as condições para o crescimento econômico de partes inteiras do mundo. Agora, porém, o Ocidente deve reduzir as desigualdades. Os oligopólios econômicos e de renda, tecnológicos e culturais aumentaram a concentração de recursos, de poder e de influência nas mãos de poucas estruturas e de poucas pessoas.”
A reportagem é de Paolo Bricco, publicada em Il Sole 24 Ore, 10-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Ir. Alessandra Smerilli é uma das economistas mais bem ouvidas pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) e pelo Vaticano em tempos de Bergoglio. Estamos no restaurante Sanacafé, no bairro de Prati, em Roma, a 15min a pé da Via della Conciliazione, onde se encontra o Pontifício Conselho da Cultura (a Ir. Alessandra faz parte da consulta feminina) e a 5min minutos da universidade Lumsa, onde, depois do nosso almoço, ela realizará um experimento baseado na teoria dos jogos, voltado a compreender se existem diferenças substanciais nos comportamentos econômicos entre os religiosos e os leigos.
Hoje, a Ir. Alessandra não tem o véu, veste um suéter azul e tem uma camisa branca com uma listra central azul com um terço por cima. Tem os cabelos curtos e o rosto redondo, óculos e um relógio Swatch verde e marrom no pulso (“Alguns amigos suíços me deram de presente”).
Ela tem uma simpatia natural e uma propensão natural em transformar o sorriso em riso. Vive as atividades normais de todos: “Quem acha que ser irmã é repousante, pensando na vida contemplativa, não sabe como pode ser cansativo e exigente na vida ativa”. Sobre isso, em 2013, ela escreveu um pequeno livro, não sem autoironia, para a editora Città Nuova, intitulado precisamente “Suore” [Irmãs].
“O Papa Bergoglio – diz ela –, na sua encíclica Laudato si’, expressou a mensagem profética de que tudo está conectado: a ecologia e a economia, o trabalho e a espiritualidade. Há uma continuidade com a Caritas in veritate, do Papa Ratzinger. A questão não é ter mais ou menos mercado. O ponto nodal é a natureza do mercado e também a sua expressão real, nas diversas fases históricas. O Papa Ratzinger se focou no tema crucial da vocação do mercado, definindo-o como instituição, se houver confiança generalizada, que permite o encontro entre as pessoas. Os pontífices não são economistas. Os pontífices são pastores que declaram a sua visão do mundo e manifestam as suas preocupações. Assim como o Papa Bergoglio fez na Evangelii gaudium, diante de algumas formas inaceitáveis de realização do mercado, com o conceito muito forte do ‘não’ à economia que mata, a economia das desigualdades, e do ‘sim’, para citar as suas palavras, ‘à economia que faz viver, porque compartilha, inclui os pobres, usa os lucros para criar comunhão’.”
No Sanacafé, um restaurante de renome internacional sem o selo de osteria e sem o estilo anos 1980 que ainda hoje perdura em Roma nos restaurantes mais pretensiosos e bem frequentados, a cozinha é orgânica, as mesas são grandes, nas quais se consome a refeição com os próprios comensais ao lado de desconhecidos, o marketing e a comunicação se fundem com uma ideia comunitária de refeição e com uma perspectiva supersaudável, mas não penitencial, do alimento.
A Ir. Alessandra, antes de percorrer o menu, detém-se diversas vezes nas diferentes expressões da desigualdade. Desigualdades econômicas. Mas também desigualdade entre homem e mulher. Também na Igreja.
“Na Igreja há pouco espaço para as mulheres em nível de estrutura e de hierarquia. O Papa Francisco está fazendo muito para aumentar esse espaço. A diversidade do olhar garante escolhas mais universais.”
O tema das desigualdades é o foco do pensamento e das atividades dessa irmã do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, as Salesianas de Dom Bosco, que cresceu em Abruzzo, tem um diploma pelo Liceu Científico Raffaele Mattioli di Vasto, é filha de uma cabeleireira (Lucia) e de um operário da Magneti Marelli (Nicola), hoje aposentado, e tem um irmão chamado Giuseppe, chef em Ningbo, a 300 quilômetros de Xangai, convidado frequente da televisão chinesa, onde ensina como fazer pão e massa.
Nesta semana, de 13 a 16 de março, a Ir. Alessandra estará no seminário de Treviso da pastoral social da CEI sobre “Jovens, trabalho, sustentabilidade”, onde terá a tarefa de coordenar justamente o laboratório sobre jovens e trabalho.
Em outubro passado, o Papa Francisco nomeou-a como auditora do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, no qual ela fez um discurso. Naquela ocasião, a Ir. Alessandra acabara de dizer na Sala de Imprensa: “Economia e ecologia têm a mesma raiz. Não se pode escutar o grito dos pobres, e dos jovens entre os pobres, sem escutar o grito da terra, porque são o mesmo grito”, quando a sua conta no Twitter foi alvo de trolls: “Foi algo pesado. Mas foi um episódio”.
No fim de fevereiro, a Ir. Alessandra apresentou uma conferência no Vaticano sobre ecologia, economia e política em um seminário em preparação ao Sínodo sobre a Amazônia, que será realizado em outubro. A Amazônia, a América do Sul. Um dos corações emocionais e culturais do pontificado de Bergoglio. Mas também, uma das metáforas – entre propósitos e ações, política e escolhas individuais – do pensamento econômico do Santo Padre, “que foi muito bem acolhido pelos estudiosos, por exemplo Jeffrey Sachs e Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Partha Dasgupta, mas que custa a ser assumido de maneira convicta e profunda pelos católicos: basta pensar na pouca implementação, nos comportamentos de todos os dias, da ecologia integral. É importante, por exemplo, lembrar as palavras do Papa Francisco na Laudato si’ sobre a responsabilidade social dos consumidores: ‘Comprar é sempre um ato moral, além de econômico. Por isso, hoje, o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós’”.
A Ir. Alessandra diz isso enquanto começamos a comer, como antepasto, uma salada verde com espinafre e erva-doce (ela) e bolinhas de berinjela (eu).
O tema evangélico da visão da economia dentro da missão da Igreja se cruza com o perfil cultural da pesquisa econômica. Existe uma relação entre o magistério eclesial e a crítica aos métodos clássicos da construção do pensamento da e sobre a economia.
A Ir. Alessandra tem dois doutorados (o primeiro pela Sapienza, em Roma, e o segundo pela University of East Anglia, em Norwich), é professora titular do Auxilium (a única universidade pontifícia confiada às mulheres) e professora visitante da Universidade da Pensilvânia.
“Existem alguns fundamentos culturais da economia que não convencem. Penso, acima de tudo, na ideia de que a economia é como a física, regulada por leis naturais, quase como se fosse uma ciência exata. Depois, no princípio da racionalidade, segundo o qual os operadores econômicos sempre tomam as suas decisões de maneira racional. Ou no conceito de equilíbrio ideal da alocação de recursos que decorre disso. É interessante notar que a ideia de que o sujeito não é uma pessoa, mas é uma mônada que pensa em si mesmo e é oportunista não está apenas na base da teoria econômica clássica, mas também é transmitida aos estudantes, condicionando a sua cultura e moldando a sua visão de mundo.”
A dúvida de fundo sobre a construção do pensamento econômico nasceu na Ir. Alessandra no terceiro ano da universidade. Ela fala disso como de uma verdadeira iluminação cultural, enquanto passamos para o primeiro prato: ela, lula crocante, e eu, um rolê de robalo.
“Na época, eu conheci a economia de comunhão de Chiara Lubich, a fundadora do Movimento dos Focolares, e a economia civil, estudada por Stefano Zamagni e por Luigino Bruni. O doutorado italiano foi sobre a we-rationality, a racionalidade do nós. O doutorado inglês sobre a community of advantage, a vantagem da dimensão comunitária. Eu trabalhei em Norwich com Robert Sugden, que, no rastro da tradição de Hume, Mill e Hayek, desenvolveu uma nova concepção da economia comportamental, unindo experimentos e teoria dos jogos, com a perspectiva de fazer a ciência econômica e a filosofia moral dialogarem. A busca por uma alternativa cultural ou, melhor, por uma crítica ao método antes que aos conteúdos é hoje menos minoritária do que antigamente. Embora o mainstream, a corrente principal e dominante, seja sempre o mainstream. O grande bloco intocável, na difusão de uma concepção providencialista do mercado, foi por muito tempo a Escola de Chicago.”
Pode ser um acaso, mas a primeira – e única – mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia – Elinor Ostrom – ocupou-se dos bens comuns. Enquanto cedemos à tentação e dividimos um bolo de chocolate, a Ir. Alessandra conta como tudo começou: “A minha vocação para a economia nasceu no dentro do caminho de obediência. Eu pensava em me inscrever em psicologia ou em ciências da educação para trabalhar com os jovens das periferias. A minha madre superiora, Vera Vorlova, uma tcheca muito clarividente, me pediu para pensar na faculdade de economia porque, na opinião dela, a economia seria cada vez mais central. Eu nunca tinha pensado nisso. No início, eu me senti perdida. Mas depois confiei e me confiei. Disse que sim, ressaltando que, se estavam pensando em atividades de gestão, eu não garantia nada, já que não tenho espírito prático. E, assim, eis-me aqui”.
Ei-la aqui, portanto: “Sou mulher, sou irmã e me ocupo com economia. Mais fora do mainstream do que isso...”, sorri.
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''A economia precisa se repensar para reencontrar sua verdadeira alma'', afirma religiosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU