18 Novembro 2014
A economia é uma ciência humanística, sendo a regra de gestão (nómos) da casa (oíkos) pessoal, familiar e mundial. A koinonia, termo grego que indica a "comunhão fraterna" dos bens, uma espécie de "comunismo" ideal, modelado sobre a repartição dos pertences entre todos os membros da comunidade segundo critérios de igualdade absoluta.
A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 17-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Somos sobreviventes de uma fase em que o termo "finanças" tornou-se sinônimo de "economia" com uma operação reducionista de efeitos deletérios, destinada, em última instância, a confundir meios e fins, instrumento e projeto.
De fato, como se registra até em nível filológico, a economia é uma ciência humanística, sendo a regra de gestão (nómos) da casa (oíkos) pessoal, familiar e mundial. A consequência dessa finalidade que torna o horizonte da economia muito mais amplo do que a mera funcionalidade instrumental das finanças é o contato necessário com a antropologia, a ética e até mesmo com a religião.
Como escrevia Amartya Sen no seu famoso livro Etica ed economia (Ed. Laterza, 1988), "a separação da economia da ética é um empobrecimento da economia, cujo leito original deveria ser a filosofia moral, terreno em que muitos economistas temem avançar".
Com estatutos metodológicos diferentes e, portanto, com uma operacionalidade própria, economia e religião devem se pôr a partir de angulaturas diferentes a serviço da humanidade. Isso é o que é afirmado repetidamente nos documentos pontifícios mais recentes como a Caritas in veritate (2009), de Bento XVI, e a Evangelii gaudium (2013), do Papa Francisco, e é isso que é elaborado em vários ensaios de índole teológica.
O cristianismo, a esse respeito, está particularmente envolvido por causa da sua matriz estrutural que tem no seu centro a "encarnação" pela qual Deus e homem, em Cristo e na Igreja, são profundamente unidos por um projeto de justiça e de amor. Ele é denominado na linguagem simbólica bíblica de "o reino de Deus", uma categoria não teocrática, mas histórico-espiritual.
Por isso, como escrevia Chesterton sugestivamente, "toda a iconografia cristã representa os santos com os olhos abertos sobre o mundo, enquanto a iconografia budista representa cada ser com os olhos fechados" na contemplação interior.
O ponto de partida para a reflexão essencial que agora propomos nos é oferecido por dois livros interessantes, embora de recorte diferente. De um lado, colocamos um verdadeiro rastreio sistemático, histórico-crítico e hermenêutico da ética econômica própria das Sagradas Escrituras judaico-cristãs. Elas são analisadas nesse ensaio tanto em nível diacrônico – e, portanto, segundo um arco evolutivo que, do Israel bíblico, chega ao cristianismo judaico-cristão e paulino –, quanto em um olhar sincrônico final, em que se reúnem os nós permanentes da questão.
Eles dizem respeito ao juízo não unívoco sobre o bem-estar, a gratuidade do dom divino, a reciprocidade na caridade, a relação de cuidado com a criação e os seus bens, e o clássico tema da providência. Quem esboça esse desenho textual e sistemático é o professor de teologia e economia do Providence College (Rhode Island, EUA), Albino Barrera, que já tem às suas costas uma ampla bibliografia sobre o assunto.
De outro lado, remetemos a um texto mais móvel e direto: trata-se de um diálogo entre um renomado biblista envolvido em nível pastoral eclesial e de solidariedade internacional, Giuseppe Florio, e um importante e animado economista da universidade romana de Tor Vergata, Leonardo Becchetti.
Este último se expressou várias vezes, de modo incisivo e original, sobre o nexo entre ética e economia, não temendo avançar também no horizonte da felicidade entendida como porto não marginal da própria práxis socioeconômica.
O frescor do debate entre dois especialistas de disciplinas diferentes, mas não alheias entre si, torna esse texto muito agradável. Por sorte, não são poucos os economistas e os teólogos que, nesses últimos tempos, se assomam para além das suas cercas de fronteira para dialogar: gostaria apenas de assinalar a preciosa e sugestiva contribuição do economista Luigino Bruni, da Libera Università Maria Santissima Assunta (Lumsa), de Roma, sobre cuja pesquisa poderemos intervir no futuro.
Mas voltemos à nossa consideração de índole geral sobre as próprias fontes da fé cristã. Em nível estritamente histórico-crítico, muitos estudiosos se preocuparam em reconhecer as coordenadas socioeconômicas dentro das quais se desdobrou a história do Israel bíblico ou a do cristianismo, adotando esquemas interpretativos também heterogêneos (marxistas ou liberais). Lembramos apenas uma interessante Sociologia do cristianismo primitivo, publicada em 1979 pelo alemão Gerd Theissen (Ed. Queriniana, 1987).
Certamente, a Bíblia revela diversos modelos sociopolíticos ligados aos condicionamentos históricos e às várias reivindicações que se queria testemunhar. É o caso da experiência vivida pela comunidade cristã das origens e exaltado por Lucas nos Atos dos Apóstolos. Ela é definida como koinonia, termo grego que indica a "comunhão fraterna" dos bens, uma espécie de "comunismo" ideal, modelado sobre a repartição dos pertences entre todos os membros da comunidade segundo critérios de igualdade absoluta.
O ponto de referência era o apelo do livro bíblico do Deuteronômio: "Não haverá necessitados entre vocês" (15, 4); mas também o eram certas experiências de partilha dos bens presentes no judaísmo (a comunidade de Qumran, no Mar Morto) e no próprio mundo pagão (pitagóricos e estoicos). Justamente Friedrich Engels salientava que essa práxis hierosolimitana não era equiparável à proposta marxista, sendo diferentes as motivações de fundo.
Na base do projeto cristão – que, aliás, era possível em uma sociedade restrita e economicamente simplificada –, havia, de fato, a fé comum no mesmo Deus, cuja paternidade nos torna todos filhos seus e irmãos entre nós. Havia o reconhecimento da necessidade que todos têm da salvação, para a qual não existem privilegiados, e havia uma relativização dos bens materiais em relação ao valor supremo da justiça e do amor.
Sobre o tema da política e da economia, Cristo tinha reiterado, em nível geral, esses valores, sem propor modelos concretos. No entanto, ele tinha afirmado a distinção das esferas na célebre frase: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (cf. Mc 12, 13-17). Mas tinha lembrado, com o símbolo da "imagem" que, se é verdade que a moeda traz a "imagem" de César e, portanto, tem uma autonomia legítima própria, o homem é sempre "imagem" de Deus e não pode ser curvado ao serviço último da economia ou da política. Por isso, já os profetas haviam levantado bem alto a sua voz de protesto contra as injustiças, e assim também fizeram Cristo e a Igreja (veja-se o Apocalipse).
Em síntese, podemos adotar também para o cristianismo a concepção "simbólica" que tentar manter em diálogo ética e economia, mesmo na especificidade dos seus âmbitos, concepção formulada em nível geral por Gandhi: "O homem se destrói com a política sem princípios, com a riqueza sem trabalho, com a inteligência sem sabedoria, com os negócios sem moral, com a ciência sem humanidade, com a religião sem fé, com o amor sem o sacrifício de si mesmo".
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A economia nas Escrituras. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU