30 Setembro 2020
"É preciso incentivar e levar uma mensagem clara para a população brasileira sobre a necessidade e importância da vacinação em massa contra a Covid-19. Temos que agir em várias frentes, a tarefa será complexa, complicada e não podemos demorar para agir, se queremos evitar que os grupos antivacina comecem a espalhar mentiras e fake news nas redes sociais sobre as vacinas contra o novo coronavírus", escreve Luiz Carlos Dias, professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19, em artigo publicado por Jornal da Unicamp, 21-09-2020.
O movimento antivacinas é criminoso e uma séria ameaça crescente à saúde global. Existe sim um movimento antivacinas crescendo no Brasil, então não podemos ignorar. Um artigo publicado no dia 10/09/2020 na revista The Lancet envolvendo 284.381 pessoas em 149 países, mostra que o movimento antivacinas, o extremismo religioso, a instabilidade política, o populismo, as fake news e questões como segurança podem prejudicar as campanhas de vacinação em massa e a confiança nas vacinas em países com esses problemas. As vacinas, saneamento básico, esgoto tratado e água potável são nossas melhores ferramentas de saúde pública.
As vacinas são responsáveis pelo aumento da nossa expectativa de vida, foram as principais responsáveis pela diminuição da mortalidade infantil e são um marco na história da saúde humana. As vacinas salvam cerca de 3 milhões de pessoas por ano, ou 5 pessoas a cada minuto. No Brasil dos anos 1950, cerca de 10% das crianças morriam antes dos primeiros cinco anos de vida. Doenças como sarampo, poliomielite, catapora, caxumba, rubéola, tétano, difteria, rotavírus, coqueluche, estavam controladas. A varíola foi erradicada em 1980.
Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações para 2019, após 20 anos, o Brasil observa uma queda da cobertura vacinal de crianças e não atinge a meta para as principais vacinas indicadas para crianças de até 2 anos de idade. Dados do Sistema Nacional de Imunização (base Datasus), mostram que a taxa de abandono para nove vacinas no Brasil, como a meningocócica C (duas doses), a tríplice viral (em duas doses contra sarampo, rubéola, caxumba) e a poliomielite (três doses), cresceu cerca de 48% nos últimos cinco anos. A cobertura vacinal contra poliomielite no país era de 96,5% em 2012 e foi 86,3% em 2018, sendo que o índice de vacinação de 2019 é o pior desde o ano 2000.
A vacina eliminou o sarampo da população brasileira, mas esse foi reintroduzido no País e em 2019 tivemos cerca de 18 mil casos em 526 municípios em 23 Unidades da Federação, com 15 óbitos. São contabilizadas nas estatísticas de abandono, também, as crianças que tomaram uma dose inicial de determinada vacina, mas não voltam para tomar as doses seguintes. Esses dados são preocupantes e evidenciam a necessidade de que precisaremos de intensa mobilização para ampliar a cobertura vacinal para a Covid-19 no Brasil.
A queda na cobertura pode ter várias razões, desde o subfinanciamento das prioridades de saúde pública, questões logísticas como aquisição e distribuição, ausência de campanhas de conscientização da população. Essa redução na cobertura vacinal pode ter sido influenciada também pelo sucesso do programa nacional de imunizações no país, visto que eliminamos algumas das principais doenças e à dificuldade de acesso das famílias aos serviços essenciais de saúde.
Precisamos ter informação científica de qualidade disponível, didática, acessível, com linguagem clara para combater o movimento antivacinas e negacionista crescente no País, principalmente neste momento de polarização política. Precisamos de pessoas que multipliquem as mensagens e informações corretas sobre a importância da vacinação contra a Covid-19. Entre as razões que vem sendo levantadas nas redes sociais pelos grupos antivacinas estão teorias de conspiração, alterações de DNA, Bill Gates, chips nas vacinas, que elas causam autismo, contém mercúrio, fetos abortados, perigo e ineficácia das vacinas e muita gente está lendo essas mentiras.
Nós precisamos iniciar uma campanha de engajamento e preparação da população brasileira e da infraestrutura dos SUS para combater este movimento antivacinas, não deixar crescer. É preciso incentivar e levar uma mensagem clara para a população brasileira sobre a necessidade e importância da vacinação em massa contra a Covid-19. Temos que agir em várias frentes, a tarefa será complexa, complicada e não podemos demorar para agir, se queremos evitar que os grupos antivacina comecem a espalhar mentiras e fake news nas redes sociais sobre as vacinas contra o novo coronavírus. A expansão das teorias de conspiração sobre a vacinação também se relaciona com problemas de comunicação entre pesquisadores, cientistas, médicos e outros profissionais da saúde com a sociedade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), temos 192 candidatas vacinais registradas, sendo 146 em ensaios pré-clínicos, 37 em fases 1 e 2 e 9 em fase 3. Quase todas precisaram de duas doses nos ensaios de fase 2 para induzir resposta de anticorpos, sendo que algumas induziram também resposta de células T.
• Universidade de Oxford/AstraZeneca (UK) – AZD1222 – Vetor viral não replicante, adenovírus de chipanzé atenuado, duas doses intervalo de 28 dias;
• Janssen Pharmaceutical Companies (EUA) – AD26CoV-S1 – Vetor viral não replicante, adenovírus humano, duas doses intervalo de 56 dias;
• CanSino Biologics Inc./Instituto de Biotecnologia de Pequim (China) – AD5-nCoV – Vetor viral não replicante, adenovírus humano Ad5, atenuado, 1 dose;
• Instituto de Pesquisa Gamaleya (Rússia) – Sputnik V – Vetor viral não replicante, adenovírus humano, dois vetores, uma dose de rAd26-S e uma dose de rAd5-S após intervalo de 21 dias;
• Sinovac (China) – CoronaVac – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 dias;
• Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan (China) – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 ou 21 dias;
• Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Pequim (China) – Vírus inativado, duas doses intervalo de 14 ou 21 dias;
• Moderna/Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (EUA) – mRNA-1273 – RNA mensageiro, duas doses intervalo de 28 dias;
• Pfizer/BioNTech/Fosun Pharma (EUA e Alemanha) – BNT162 – RNA mensageiro, duas doses intervalo de 28 dias;
Embora ainda não esteja claro qual é o principal marcador de proteção contra a Covid-19, o ensaio clínico de fase 3 tem como objetivo avaliar a eficácia em impedir a infecção e prevenir casos de Covid-19 na população vacinada ou tornar a doença mais branda. Uma vacina ideal seria aquela eficaz em apenas uma dose, induzindo imunidade esterilizante, imunizando a maior parte dos inoculados, produzindo imunidade de longa duração, com pouca reatogenicidade e poucos efeitos colaterais imediatos ou tardios, facilidade de armazenamento, distribuição e aplicação. Que não precise de rede de frio com temperaturas muito baixas e que seja acessível, disponível e barata.
Nós certamente teremos mais do que uma vacina aprovada para a Covid-19. A ANVISA também terá que trabalhar em regime acelerado para registrar as vacinas aprovadas em fase 3, mantendo o rigor científico necessário. Mas existe a possibilidade real de que nós precisaremos de vacinas em pelo menos duas doses. Somos 212 milhões de brasileiros, se tivermos uma adesão de 80%, vamos vacinar cerca de 170 milhões de pessoas. Se a vacina oferecer proteção em uma única dose, precisaremos de 170 milhões de doses, mas se necessitar de duas doses, precisaremos de 340 milhões de doses. E como este será o maior programa de vacinação da história da humanidade, podemos esperar alguns desafios logísticos, além de torcer para que as pessoas que tomarem a primeira dose, voltem para tomar a segunda dose e voltem para uma eventual terceira dose, principalmente os grupos de idosos e pessoas com comorbidades, com sistema imune mais deficiente e menos robusto em termos de resposta vacinal. As pessoas terão que tirar uma folga do trabalho, perder tempo em longas filas, tudo duas vezes. E possivelmente experimentarão efeitos colaterais desagradáveis, como febre, dor e inchaço no local da aplicação, tudo duas vezes, em um período curto de tempo.
É preciso produzir milhões de doses e precisaremos adquirir os insumos e os adjuvantes, de mercados externos, pois o Brasil não produz aqui. A partir da aquisição do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) e dos adjuvantes, iniciam as etapas de formulação, controle de qualidade, envase, rotulagem. Depois vem a etapa de armazenamento, a cadeia de frio, o transporte e movimentação, distribuição e administração. Também são necessários equipamentos de proteção individual para manuseio das vacinas em salas frias, para que se possa embalar e despachar adequadamente os lotes de doses. E depois disso precisaremos de seringas, agulhas, frascos de vidro, tampas para os frascos, embalagens para armazenar os frascos de vacinas, luvas, todos materiais descartáveis. Muito resíduo hospitalar será gerado e muito cuidado será necessário no descarte. São muitos os desafios, além de torcer para uma boa eficácia, sustentabilidade e duração da proteção vacinal.
A estabilidade das vacinas depende da temperatura de armazenamento. As vacinas podem perder eficácia por causa das variações de temperatura na produção dos lotes, no armazenamento e no transporte. As vacinas são produtos muito sensíveis e o calor, o frio e a luz ambiente podem enfraquecer uma vacina, dependendo da formulação. Algumas delas podem ser armazenadas em temperaturas em torno de 0° a 10°C, mas é necessário pensar em estratégias de cadeia de frio, de modo que o armazenamento adequado seja mantido em todas as etapas de produção, armazenamento, transporte e distribuição até chegar ao posto de saúde ou local de aplicação. Como as moléculas de mRNA são bastante sensíveis, as candidatas vacinais da empresa americana Moderna e da Pfizer/BioNTech podem trazer desafios de logística, pois certamente vão precisar de freezers com temperaturas de -20 graus Celsius a –70 graus Celsius, que são comuns em laboratórios de universidades e institutos de pesquisas, mas não nos postos de saúde do SUS. As vacinas de vírus inativado, como a da chinesa Sinovac, talvez possam ser armazenadas em refrigeradores comuns, mas é preciso cuidar com a estabilidade delas e manter uma temperatura baixa, principalmente em locais com instabilidade no fornecimento de energia elétrica.
O Brasil é um País gigantesco, com pessoas espalhadas em lugares muito remotos, então as vacinas têm que chegar por terra, água e ar. Algumas transportadoras como UPS e DHL estão se equipando e os aeroportos precisam fazer o mesmo. Vamos precisar de bons estoques de gelo seco para manter a temperatura baixa que possa garantir que as doses não fiquem comprometidas no transporte para locais sem energia elétrica. Não pode haver erros neste caminho, pois qualquer exposição à muita luz ou temperatura inadequadas, podem prejudicar a qualidade das vacinas, levando à perda de potência, o que seria um desserviço enorme.
E, claro, os profissionais responsáveis pelas aplicações devem receber treinamento, instruções de acondicionamento, abertura e manuseio dos frascos com as vacinas.
O Brasil tem muita experiência em campanhas de vacinação em massa, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) funciona muito bem e podemos vencer essas barreiras. Mas sem dúvida, será necessária uma grande articulação de vários segmentos da sociedade civil. As candidatas vacinais estão nas mãos dos cientistas, mas e a vacinação? No Brasil, quem vai decidir quem toma primeiro? Quais os mecanismos de decisão? Será uma decisão política? Qual será o protagonismo da ciência nesse momento de decisão? Estamos prontos para a vacinação em massa, pensando em aplicação de duas doses em períodos que vão de 14 a 60 dias? E como será o acompanhamento de possíveis efeitos adversos em fase de farmacovigilância após as aplicações? Eu espero que o planejamento logístico já tenha começado.
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Movimento antivacinas ameaça a saúde global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU