24 Julho 2020
Qualquer pessoa em busca de uma religião baseada em uma lógica estrita provavelmente faria bem em se afastar da Igreja Católica, que é simplesmente grande demais, diversificada demais e condicionada demais pela sua sede na Itália para fazer sentido o tempo todo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 23-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma área em que essas contradições internas estão especialmente claras nestes dias é a abordagem da Igreja à comunidade LGBTQ+, como ilustra claramente o recente caso de um padre italiano que presidiu a união civil de um casal de lésbicas nos arredores de Roma.
Quando se trata de indivíduos LGBTQ+, a Igreja tenta defender duas ideias ao mesmo tempo. A primeira é que eles são filhos de Deus que merecem respeito e dignidade; portanto, qualquer forma de discriminação está errada, e eles devem ser acolhidos na Igreja.
A segunda é que o matrimônio é entre um homem e uma mulher, e a atividade sexual é lícita apenas nesse contexto, de modo que o “casamento gay” é impossível, e uma pessoa LGBTQ+ sexualmente ativa fica aquém do plano de Deus.
Tentar manter essas duas ideias juntas pode ser complicado, como poderia dizer exatamente agora o Pe. Emanuele Moscatelli, ex-pároco da Igreja de São Lourenço Mártir, na pequena cidade de Sant’Oreste, parte da província de Roma e, portanto, diretamente submetida ao Vaticano.
Recentemente, duas amigas lésbicas de Moscatelli, identificadas na imprensa italiana como Beatrice, 50 anos, e Francesca, 38 anos, decidiram entrar em uma união civil que fornece a maior parte dos benefícios jurídicos do casamento, e que é legal na Itália desde 2016 (na maioria das vezes, o Papa Francisco ficou de fora desse debate italiano, além de reiterar os ensinamentos da Igreja de que a palavra “casamento” se aplica apenas a um homem e a uma mulher).
Obviamente querendo apoiar suas amigas, Moscatelli foi até o encontro da prefeita de Sant’Oreste, Valentina Pini, e perguntou se ele poderia receber a permissão para presidir a cerimônia civil. Ela concordou e deu a autorização a Moscatelli para usar uma faixa nas cores da bandeira italiana que os prefeitos e outras autoridades municipais da Itália usam quando participam de cerimônias públicas – embora, de acordo com Pini, ela também avisou Moscatelli que ele deveria levar em consideração a repercussão que esse gesto poderia causar.
A cerimônia ocorreu no dia 11 de julho na prefeitura de Sant’Oreste, com a presidência de Moscatelli.
Dez dias depois, o bispo Romano Rossi, de Cività Castellana, a diocese à qual Sant’Oreste pertence, anunciou que Moscatelli havia renunciado ao seu cargo de pároco depois de perceber que o que ele havia feito era “inoportuno”, citando uma disposição do Direito Canônico que impede que um padre oficie um casamento civil, e disse que ele tiraria um período para reflexão e discernimento.
Rossi insistiu, no entanto, que a renúncia e o afastamento não são uma punição.
“Nós dialogamos, e não se tratou de uma decisão de autoridade. Então, ele decidiu que era oportuno demitir-se”, afirmou Rossi.
O bispo também disse que tudo está sobre mesa em relação ao que pode vir a seguir.
“Na Igreja, você dialoga, e foi isso que eu fiz com Emanuele”, disse Rossi. “Depois do período de reflexão, ele não poderá ser pároco em Sant’Oreste, mas, assim que certas coisas sejam esclarecidas, ele poderá fazer qualquer coisa, quando chegar o momento.”
Previsivelmente, o caso agitou a opinião católica italiana. Os católicos mais conservadores e de mentalidade tradicional estão indignados com o fato de Moscatelli não ter sido formalmente censurado pela sua conduta, argumentando que ele efetivamente defendeu a heresia ao minar o ensino católico sobre o casamento. Eles também estão irritados com Rossi, porque, aos seus olhos, ele não levou o assunto mais a sério.
Enquanto isso, os católicos progressistas que apoiam os direitos dos gays expressaram ceticismo de que a renúncia de Moscatelli foi realmente voluntária, e muitos suspeitam que o seu período de reflexão seja efetivamente um prelúdio para a laicização.
Alguns comentaristas apontam para o fato de que abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, embora não aceita na prática pastoral na Igreja Católica da Alemanha e da Áustria, se tornou pelo menos não terrivelmente incomum, e eles se perguntam por que um padre italiano está sendo tratado com um padrão diferente. Eles observam que até mesmo o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, um aliado próximo e conselheiro do Papa Francisco, teria concedido uma bênção a um casal gay em 2018 – embora uma bênção espontânea em um jantar, que foi o que um dos participantes mais tarde contou que aconteceu, está muito longe de ser realmente uma cerimônia de casamento na prefeitura.
Além disso, os simpatizantes de Moscatelli argumentam que, além de ser padre, ele também é cidadão italiano, e o que ele faz em sua faculdade privada como cidadão deve estar além do alcance de Rossi. Os críticos contestam que não estamos falando do pagamento de impostos ou da renovação da carteira de motorista, mas sim de um padre que liderou publicamente uma cerimônia que parece contradizer o ensino da Igreja e que até, segundo alguns, poderia ser interpretada como o crime canônico de simulação de um sacramento.
Compreensivelmente, o próprio Moscatelli se recusou a comentar a sua situação ao Crux.
O que atravessa tudo isso em miniatura, é claro, são as eternas tensões no catolicismo entre a clareza e a compaixão, o julgamento e a misericórdia, a inclusão e a identidade. Quando aplicado ao mundo LGBTQ+, isso também mostra que, independentemente de qual será o novo equilíbrio pastoral da Igreja, ele continua sendo um trabalho em andamento.
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Polêmica sobre padre que casou lésbicas revela as contradições internas da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU