20 Julho 2020
"A Igreja deve estar ciente da discriminação e do sofrimento que, ao longo dos séculos, sua doutrina – não mais sustentável – provocou, alimentando também atitudes hostis em relação aos homossexuais na sociedade: por esse motivo, rever a doutrina seria um sinal concreto para buscar reconciliação e promover atitudes de integração e aceitação", escreve Antonio De Caro, que ensina letras na escola secundária, é especialista em filologia e cultura greco-latina, realizou projetos de pesquisa na Itália e no exterior e publicou diversas contribuições sobre literatura e didática. Foi responsável pela coletânea de reflexões teológicas: “Cercate il suo volto. Riflessioni teologiche sull’amore omosessuale" (publicado pela Tenda di Gionata, 2019, 48 páginas, ebook grátis para download), em artigo publicado por Adista – Segni Nuovi, n ° 28, 18-07-2020, p.8-9. A tradução é de Luisa Rabolini.
Durante o Sínodo de 2015 os bispos católicos de língua alemã pediram perdão porque a tentativa de defender obstinadamente a doutrina e a autoridade da Igreja resultou em atitudes pastorais duras e cruéis, que por sua vez produziram grande sofrimento e humilhação em muitas pessoas, como os homossexuais, por não corresponder às expectativas morais do Magistério.
Conscientes da dimensão social do pecado e da reconciliação, esses bispos almejaram a passagem de uma teologia moral obcecada pelo pecado para uma teologia moral empática, isto é, sensível aos sofrimentos das pessoas.
Uma teologia centrada no pecado danificou a imagem do Deus bom e justo, um Deus sensível aos sofrimentos de suas criaturas, revelado por Jesus Cristo; e produziu uma religião mais fechada na busca narcísica de uma "pureza" soberba e menos aberta a compartilhar e curar os sofrimentos dos outros. Somente uma teologia empática pode despertar compaixão, portanto, a disposição de assumir os sofrimentos dos outros.
Benediktion von gleichgeschlechtlichen Partnerschaften
Ewald Volgger, Florian Wegscheider (Herausgeber)
Essa atitude básica, combinada com um grande rigor de pensamento, inspira o livro "Benediktion von gleichgeschlechtlichen Partnerschaften" (A bênção das uniões homossexuais, editora Regensburg, 2020, 208 p.), que reúne as contribuições de vários especialistas (em direito civil e canônico, exegese bíblica, teologia moral e liturgia) que participaram de um encontro promovido pela Universidade Católica de Linz. Esses estudos respondem à iniciativa da Comissão Litúrgica Austríaca, que desde 2015 discute publicamente a possibilidade de introduzir uma celebração de bênção para casais homossexuais.
Os autores concordam: o Magistério Católico precisa rever a doutrina sobre a condição e as relações homossexuais (em particular, os parágrafos 2357-2359 do Catecismo), ouvindo a experiência real das pessoas, a nova sensibilidade social e eclesial, a jurisprudência, as ciência (medicina, sexologia) e as ciências humanas (psicologia e sociologia), a exegese bíblica e a teologia moral.
A Igreja deve estar ciente da discriminação e do sofrimento que, ao longo dos séculos, sua doutrina – não mais sustentável – provocou, alimentando também atitudes hostis em relação aos homossexuais na sociedade: por esse motivo, rever a doutrina seria um sinal concreto para buscar reconciliação e promover atitudes de integração e aceitação. No entanto, lastima observar (como E. Greif ) que, até agora, sobre essas questões, foi o direito civil que garantiu condições de tutela e igualdade. Não a igreja.
Central é o tema da "lei natural", entendida sob uma nova perspectiva. Na natureza humana, a sexualidade tem uma ampla gama de significados e propósitos. A reprodução é apenas uma delas; mas a sexualidade também tem a função de preservar e fortalecer o indivíduo e o casal, de diferentes maneiras no espaço e no tempo. Não é mais sustentável afirmar que em todo ato sexual todas as funções da sexualidade devam ser perfeitamente expressas; antes, elas dependem das diferentes circunstâncias da vida.
Por exemplo, a sexualidade para os adolescentes serve naturalmente a propósitos diferentes dos adultos ou idosos. Portanto, um ato sexual que, por várias razões, não pode levar à reprodução, não é por si só contra a natureza, mas pertence às possibilidades oferecidas pela natureza humana e pode proporcionar às pessoas um senso de identidade e vida plena. Isso representa um potencial ético que não deve ser desperdiçado: "onde duas pessoas se unem para amar de maneira duradoura e expressam esse amor no encontro sexual, não há motivo para acreditar que isso seja inatural" (Rosenberger, p. 115).
Um amplo espaço é dedicado (por exemplo, por Stowasser) à interpretação histórico-crítica das passagens bíblicas tradicionalmente citadas para condenar o comportamento homossexual: o episódio de Sodoma e Gomorra se refere à violência contra os estrangeiros e à violação das leis da hospitalidade; as severas condenações de Levítico pretendiam evitar qualquer contaminação entre o povo de Israel e os pagãos vizinhos, que praticavam a prostituição sagrada no âmbito de cultos idólatras; as passagens de Paulo são claramente influenciadas não pelo Evangelho, mas pelos pensadores judeus, bem como pela filosofia platônica e estoica.
Reconstruir, de modo exegeticamente rigoroso, o background das passagens bíblicas serve, acima de tudo, para entender que a Sagrada Escritura ignora a homossexualidade como uma orientação sincera e profunda da pessoa, como busca por amor e comunhão, como possibilidade de relação estável e de compromisso afetivo e moral.
Portanto, não é possível justificar biblicamente a condenação dos relacionamentos homossexuais, cujo significado ético e espiritual deve ser avaliado com base no amor e na responsabilidade dos parceiros. O desejo de comprometer-se no tempo para o bem da pessoa amada, mesmo que seja do mesmo sexo, é um valor em si que deve ser reconhecido e promovido; além disso, quando o catecismo prescreve a castidade como vocação para as pessoas homossexuais, impõe a elas um estado de vida, em detrimento do can. 219 do vigente Código de Direito Canônico.
Somente apreciando o bem moral que as relações homossexuais também podem expressar é possível pensar em liturgias de bênção, já praticadas por outras igrejas cristãs. Dos textos bíblicos aflora uma teologia da bênção: os seres humanos precisam ser abençoados por Deus, isto é, invocar com confiança amor e proteção Dele para suas condições de vida; e invocam-no enquanto o louvam por seus dons e lhe oferecem seu compromisso com o bem. A bênção é, portanto, recíproca, é um ato da relação entre os homens e Deus: a Igreja não tem o poder de impedir essa relação, mas a tarefa de torná-la visível (Kranemann, pp. 154-155).
Uma celebração de bênção para as pessoas envolvidas em uma relação homossexual é uma maneira de cumprir o chamado e a graça do batismo, renovando a gratidão pelo dom da vida e pela redenção em Cristo. Por meio da celebração da Palavra, uma invocação solene e da presença em oração da comunidade, os parceiros podem, assim, comprometer-se com uma vida de amor e serviço mútuo, buscando em Deus a força para ser fecundos de bem também na sociedade e na Igreja.
E a comunidade cristã, admitindo essa celebração e participando dela, poderia ver nela mais um sinal do amor de Deus pela humanidade, respondendo a esse amor com gestos de acolhimento e reconciliação.
"A motivação para uma celebração de bênção, portanto, está na ação salvífica de Deus que os homens experimentam onde quer que sejam livres para viver plenamente e sua capacidade de amor e de relação é promovida, pela qual agradecem e louvam a Deus. Orar por uma bênção é, portanto, antes de tudo, uma expressão de gratidão e alegria, porque duas pessoas se encontraram, se enriqueceram e são um dom uma para a outra; e também é uma expressão do desejo e da escolha de cultivar a relação pela fé, com a esperança e a confiança de que Deus ainda hoje acompanha as pessoas, melhora suas vidas e está presente onde quer que elas, com amor e responsabilidade mútua, estejam disponíveis uma para a outra e encontrem alegria uma na outra (Lintner, p. 90).
Os autores examinam várias formas de bênção já existentes em outras Igrejas cristãs e, com base na história da liturgia, apresentam algumas propostas de celebração (a serem entendidas como sacramentais e não como sacramentos): essenciais são o anúncio da Palavra de Deus, a expressão das livres intenções dos parceiros, a solene epiclese e os gestos concretos para selar o compromisso de amor e fidelidade.
Essas liturgias poderiam ser adotadas em virtude da autonomia territorial que as recentes disposições do Papa garantem para as conferências episcopais e para os bispos diocesanos.
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A Igreja Católica austríaca e as bênçãos do amor homossexual. De uma teologia da condenação a uma da empatia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU