13 Mai 2020
"Isolamento, terror, medo de ser morto são ingredientes que às vezes perturbam a razão e a liberdade de espírito. Você não pensa da mesma maneira quando está livre e quando está privado de toda a liberdade, além da ameaça de perder sua vida. É uma angústia profunda que provavelmente ditou a escolha de Silvia. Agora ela é livre para aceitá-la conscientemente e se livrar dela".
A opinião é do escritor franco-marroquino Tahar Ben Jelloun, escritor franco-marroquino, em artigo publicado por Repubblica, 12-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A conversão de Silvia Romano ao Islã levanta várias questões. A primeira consiste em saber que relações os jihadistas somalis do grupo al-Shabaab tinham com ela, que a sequestraram em 20 de novembro de 2018 no sudeste do Quênia. Após sua libertação, a jovem disse que "fui forte e resisti". Mas quando você resiste, não se casa com a ideologia ou religião do seu carrasco. O que aconteceu no espírito dessa jovem agente humanitária durante os 536 dias de seu cativeiro? Por que escolheu o Islã? Ela diz que é uma escolha livre. Temos que acreditar. Mas uma pergunta surge espontaneamente: por que aderir a esse Islã que sequestra, aterroriza e priva da liberdade, deixando família e entes queridos em grande angústia?
Silvia Romano (Foto: Leggilo.org)
Silvia Romano apareceu com vestimenta islâmica, isto é, a roupa de um islã rigorista, fundamentalista e antiocidental. O véu, o ibaya (uma espécie de longo jelaba) são os símbolos recentes de um Islã resistente, um Islã de protesto e identitário. É o Islã que anima uma parte dos jovens dos banlieues que partiram para lutar nas fileiras do Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
É normal que alguém possa ser seduzido por textos religiosos. A leitura inteligente do Alcorão pode ser um enriquecimento intelectual e espiritual. No entanto, é necessário evitar torná-la uma leitura literal, ou seja, estreita e intolerante. O rito dominante na Arábia Saudita, no Catar e em vários outros estados é o ritual wahhabita, nome em homenagem de um teólogo do século XVIII, Mohammed 'abd-al Wahhab, que defendia um islamismo de rigor absoluto: o ladrão paga com sua mão, a esposa adúltera tem a cabeça cortada e assim por diante. O grupo al-Shabaab age em nome dessa ideologia da intolerância total e implacável. Os jovens que praticam esses atos terroristas são jihadistas, isto é, militantes prontos para se sacrificar para fazer o Islã triunfar em todas as partes do mundo. No Islã, a palavra jihad tem dois significados: o primeiro consiste em esperar que o crente se esforce para superar seu egoísmo e suas fraquezas. É um significado nobre e humanista. O segundo significado denota a luta contra o agressor: parte-se para a jihad quando o país ou a religião está sob ataque e corre o risco de entrar em colapso. É o segundo significado que está em voga hoje entre os islamitas armados, sejam eles os Talibãs no Paquistão, os soldados do Estado Islâmico ou os simples militantes pela causa de um Islã idêntico a como apareceu no século VII na Arábia Saudita.
Silvia Romano (Foto: Sullastrada.org)
Então, como e por que uma mulher ocidental moderna, privada de liberdade e que não sabe se sua vida será respeitada, foi capaz de passar para o Islã? Os convertidos costumam abraçar uma religião e se dedicar de corpo e alma a ela, a ponto de não ter mais nenhuma distância entre o texto e a fé, entre o espírito e a letra. Agora que Silvia foi libertada, ela continuará seu projeto humanitário ou tentará espalhar ao seu redor um Islã descoberto em condições, no mínimo, estranhas?
Silvia Romano tornou-se Aisha, em referência à esposa do profeta Maomé, filha de seu fiel companheiro Abu Bakr, escolhida quando tinha apenas 9 anos de idade e com quem se casou assim que começou a ter o ciclo. Aisha era a esposa preferida do profeta. Ela exerceu grande influência sobre ele e, quando viúva, travou uma guerra implacável contra as tribos que contestavam a mensagem do enviado de Deus. Foi uma mulher excepcional e por esse motivo seu nome é tão difundido no mundo islâmico.
Silvia Romano (Foto: Vatican Media)
Silvia/Aisha se tornou uma personagem que confunde as pistas. A conversão para uma religião após uma reflexão madura, com conhecimento de causa, por convicção verdadeira e profunda, é algo absolutamente normal e admitido. Mas converter-se depois de passar tantos meses sob a pressão de mercenários que usam o Islã como uma cobertura para extorquir dinheiro de um Estado é uma escolha que abre um debate. Isolamento, terror, medo de ser morto são ingredientes que às vezes perturbam a razão e a liberdade de espírito. Você não pensa da mesma maneira quando está livre e quando está privado de toda a liberdade, além da ameaça de perder sua vida. É uma angústia profunda que provavelmente ditou a escolha de Silvia. Agora ela é livre tanto para aceitá-la conscientemente como para se livrar dela.
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Os mistérios de uma conversão. Artigo de Tahar Ben Jelloun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU