04 Dezembro 2019
Luis Lopez estava nervoso enquanto caminhava até a frente do salão de oração lotado em Union City, nos EUA, com seu filho. Juntos, eles repetiram palavra por palavra, em árabe, a Shahada, a profissão de fé requerida para se converter ao Islã.
A reportagem é de Hannan Adely, publicada por NorthJersey.com, 03-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Não há deus senão Allah, e Muhammad é seu mensageiro”, declararam eles na mesquita, localizada em um prédio de tijolos com colunas que antes abrigava um centro comunitário cubano.
Para Lopez, a conversão e o abraço da congregação há quatro meses trouxeram uma sensação de paz e um reconhecimento de quão longe ele chegara em uma vida que quase terminara 22 anos atrás devido à violência entre gangues.
“Eles me disseram: ‘Venha para a mesquita. Você vai se sentir acolhido’”, disse Lopez, 41 anos, motorista de caminhão e lutador de boxe profissional de North Bergen.
Com sua jornada religiosa, Lopez e seu filho de 21 anos se juntaram a um segmento crescente da população latina que está abandonando o cristianismo pelo Islã. Cerca de 8% de todos os adultos muçulmanos norte-americanos são latinos, de acordo com um relatório de 2017 do Pew Research Center, um aumento de cerca de um terço em comparação com 2011.
Em entrevistas, os convertidos latinos disseram que são atraídos pelo Islã por causa do recurso à intensa devoção a Deus, uma simplicidade na fé e um foco na comunidade que eles não conseguiram encontrar na fé anterior. Mas sua conversão geralmente não é fácil, porque eles rompem os laços com a família e com sua criação cristã.
Eles também escolhem essa fé em um momento em que latinos e muçulmanos se sentem alvo da retórica do presidente Donald Trump e de suas políticas de imigração cada vez mais restritivas para ambos os grupos. Os relatos de crimes de ódio estão aumentando, enquanto os muçulmanos se opõem à sua representação na mídia. No entanto, para alguns, a experiência compartilhada de viver como minoria nos EUA é uma atração poderosa.
Lopez, que se mudou para os EUA de Puerto Rico quando criança, treinava boxe com muçulmanos e se tornou amigo íntimo deles. Dois eventos o levaram a mudar de vida: uma facada relacionada a uma disputa entre gangues em 1997 e o nascimento de seu filho um ano depois.
Por insistência dos seus amigos, ele visitou uma mesquita e começou a ler a respeito dessa fé. Mas foi o desejo de seu filho de se converter anos depois que o levou finalmente a dar o salto.
O filho de Lopez, um estudante universitário também chamado Luis, foi batizado e crismado na Igreja Católica. Enquanto ele e seus familiares se afastaram da sua fé, o jovem Lopez ainda sentia um impulso rumo à vida espiritual. O Islã chamou a sua atenção porque se focava em orações somente a Deus, e não a Deus e a Jesus ou aos santos, disse ele.
Cerca de 94% dos muçulmanos latinos citaram o desejo de uma experiência pessoal mais direta de Deus como uma razão para a conversão, em uma pesquisa com 560 convertidos publicada no relatório “Muçulmanos latinos nos Estados Unidos”, de 2017, no Journal of Race, Ethnicity, and Religion.
“Desde esse primeiro dia, quando as pessoas ficaram para nos ver nos tornando muçulmanos, foi assim. Elas encontram alegria nisso. Elas estão genuinamente felizes pelas pessoas que se converteram”, disse o jovem Lopez.
Elas escolheram o Islã em um momento em que os preconceitos, a discriminação e os crimes de ódio são uma preocupação. Tanto o pai quanto o filho disseram não acreditar nos estereótipos que retratam os muçulmanos amplamente como extremistas ou terroristas.
“Eles podem dizer o que quiserem. Não há nenhuma razão para temer, porque estamos fazendo a coisa certa”, disse o filho.
Mas, para outros convertidos, o abraço ao Islã criou rixas.
Khadijah Noor Tanju, que veio da Colômbia aos 9 anos de idade, entrou em conflito com seus familiares que achavam que ela estava rejeitando sua cultura e sua fé católicas. Ex-cantora de coral, Tanju, cujo nome de nascimento é Carol, cantava em um coro da igreja e passou pelo sacramento católico da Crisma.
As tensões surgiram quando ela se casou com um homem turco-americano, e seus parentes fizeram comentários sobre os muçulmanos como terroristas, disse ela.
Sentindo seus desafios, seu marido lhe disse que nunca a machucaria. Ele não era muito religioso quando se conheceram, e ela sabia pouco sobre a fé dele. Em privado, ela começou a pesquisar sobre o Islã e a assistir a uma série no YouTube sobre isso.
Uma noite, enquanto ouvia um sermão em casa, ela se sentiu inspirada e prometeu mudar a sua vida por Deus. Em 2015, ela se converteu. Em princípio, sua família não falou muito a respeito, mas isso mudou quando ela começou a usar o hijab, o véu islâmico para a cabeça.
“A minha família não conhecia as implicações [da minha conversão], que era um estilo de vida. Foi mais quando eu comecei a praticar o Islã que eles diziam: ‘Uau, ¿qué pasa aquí?’”, disse ela, usando a expressão em espanhol para “o que está acontecendo aqui?”.
Tanju enfrentou seus próprios desafios para se ajustar à fé. Ela começou a usar o hijab porque queria viver uma vida muçulmana autêntica e piedosa, disse ela. Mas, publicamente, ela sentiu que as pessoas a estavam olhando e julgando. Privadamente, ela se preocupou que o hijab a faria parecer pouco atraente.
“‘Tire isso. Você parece feia, nojenta; você não parece atraente’ – eu continuava ouvindo essas coisas na minha cabeça”, disse Tanju, assistente de professora e moradora de Hackensack.
Ela não sabia com quem conversar sobre as suas preocupações. Mais tarde, ela começou a participar de eventos para novos convertidos e foi voluntária na WhyIslam, uma organização sem fins lucrativos com sede em Somerset que ensina sobre a fé e tem uma seção em espanhol.
Há cerca de um ano, ela começou a frequentar aulas semanais no Centro Educacional Islâmico de North Hudson, em Union City, onde os latinos representam aproximadamente 10% da congregação.
“Eu me sinto muito feliz”, disse ela. “Não me sinto sozinha no meu caminho espiritual.”
As comunidades muçulmanas latinas têm encontrado o seu espaço em áreas majoritariamente urbanas como Nova York, Miami, Chicago, Los Angeles e Houston.
Suas origens são diversas. Cerca de 56% se converteram do catolicismo, e o restante de fés protestantes ou de vidas seculares ou ateias, de acordo com o relatório “Muçulmanos latinos nos Estados Unidos”.
Eles também diferem no modo de viver suas vidas como muçulmanos convertidos. Algumas mulheres usam o hijab, enquanto outras, não. Alguns ainda gostam do Natal por ser uma celebração secular com a família, mas outros optam por se abster.
Eles fazem parte de uma mudança religiosa para os latino-americanos. Pouco menos da metade (47%) se descreve como católico, abaixo dos 57% de uma década atrás, de acordo com uma pesquisa do Pew divulgada no mês passado. A fatia de protestantes latinos se manteve estável em cerca de um quarto do total.
Menos de 1% são muçulmanos, de acordo com a pesquisa. Mas esse dado demográfico tem chamado a atenção em parte devido à percepção de que o Islã é alheio ou está em desacordo com a cultura latina tipicamente associada com o catolicismo.
Os grupos muçulmanos latinos dizem que o Islã, de fato, faz parte da sua herança. Eles dizem que estão voltando às suas raízes por causa do domínio mouro de quase 800 anos na Espanha, que deixou uma influência islâmica na língua e na cultura hispânicas.
Esses laços são frequentemente citados por grupos de novos muçulmanos, disse Harold Morales, professor associado de Filosofia e Estudos Religiosos da Morgan State University, em Baltimore.
A mensagem é que “não estamos escolhendo abandonar a cultura latina ou abraçar a marginalização. Estamos optando por abraçar algo que já existe”, disse Morales, que escreveu o livro “Latino and Muslim in America: Race, Religion, and the Making of a New Minority” [Latinos e muçulmanos na América: raça, religião e a criação de uma nova minoria], de 2018.
Morales disse que o ciclo eleitoral de 2016, marcado por um aumento no discurso de ódio e nos crimes de preconceito contra latinos e muçulmanos, levou a laços ainda mais estreitos, à medida que os grupos se mobilizavam em torno de questões como imigração e discriminação.
No Centro Educacional Islâmico de North Hudson, onde Lopez e Tanju rezam, o número de convertidos latinos tem aumentado constantemente desde que a mesquita foi inaugurada em 1992, disse o imã Mohammad Alhayek, líder espiritual da mesquita.
A mesquita fica no meio de uma das maiores populações latinas do Estado, atraindo famílias da República Dominicana, da Colômbia, de Cuba e do Equador. Ela fica perto da Bergenline Avenue, uma movimentada rua repleta de bares, padarias e restaurantes com placas bilíngues, onde se costumam ouvir conversas em espanhol.
Alhayek disse que o esforço da mesquita de ir ao encontro das pessoas, que inclui tabelas de informações na Bergenline Avenue, foi fundamental para o seu crescimento.
Nos últimos meses, o comitê realizou o seu 18º Dia Anual Muçulmano Hispânico. No mês que vem, o imã Wesley Lebrón, um clérigo de origem porto-riquenha nascido em Passaic, ministrará um curso sobre como ensinar sobre o Islã, com foco especial nos latinos.
Na mesquita, não é incomum avistar um Alcorão em espanhol ou ver empanadas sendo servidas junto com comidas do Oriente Médio em jantares casuais.
“A nossa visão é compartilhar os verdadeiros ensinamentos do Islã, a orientação do Islã, com tantas pessoas quanto pudermos na região de North Jersey Hudson”, disse Alhayek. “Essa é a nossa primeira prioridade, e, além disso, ir ao encontro do maior número de pessoas possível.”
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EUA: por que os latinos estão trocando a Igreja Católica pelo Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU