Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 19 Mai 2018
Pensar uma economia de participação comum entre todos os sujeitos sociais: trabalhadores, empresários, consumidores, gestores públicos e pesquisadores, por uma cultura de comunhão: pela gratuidade e reciprocidade. Assim se conceitua a Economia de Comunhão (EdC), uma ideia e um projeto de expansão alternativo às relações mercadológicas essenciais do sistema capitalista. Uma das grandes pensadoras do movimento é a Profa. Dra. Alessandra Smerilli, conferencista de abertura do XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco: possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo.
A Economia de Comunhão surge do impacto das contradições sociais e econômicas da realidade brasileira. O termo foi conceituado por Chiara Lubich, professora, leiga e uma das fundadoras do Movimento dos Focolares, ao chegar no Brasil em 1991 e constatar os problemas da economia de mercado, com o contraste entre os grandes prédios executivos e favelas, dividindo o mesmo cenário. Chiara iniciou o movimento de diálogo para superação das contradições entre ricos e pobres. Atualmente existem seis polos da EdC sendo dois destes no Brasil (Cotia-SP e Iguarassu-PE) – entre os outros três em desenvolvimento, um também no Brasil (Benevides-PA). Os polos dedicam-se a dar formação aos jovens, trabalhadores, empresários e comunidade em geral com a intuição de gerar uma consciência produtiva de redução da miséria, desigualdade e perceber o empreendedorismo como promoção do bem comum.
Profa. Dra. Alessandra Smerilli, FMA
A partir deste movimento, são centenas de pesquisadores espalhados pelo mundo dedicados a repensar e dialogar com os agentes econômicos da atualidade. Entre essa rede de pesquisadores a professora Alessandra Smerilli em entrevista publicada no IHU, em janeiro de 2018, conta que “durante os estudos conheci professores que me mostraram outra economia (é o caso, por exemplo, da experiência da economia de comunhão), outras teorias, mudando minha vida. Graças a esses encontros, de fato, nasceu em mim o desejo de continuar meu aprendizado com um doutorado na Itália e um PhD na Inglaterra, estudando a ‘we-rationality’, ou seja, a racionalidade do ‘nós’, uma tentativa de superar o individualismo metodológico na economia”.
A virada do paradigma analítico da economia conduz à superação do homo economicus como natural. Segundo Smerilli, em seu livro “L’altra metà dell’economia: gratuita e mercati” (Roma: Città Nuova, 2014. Em português: A outra metade da economia: gratuidade e mercado, não publicado no Brasil), a gratuidade é um dom intrínseco da humanidade, mas afastada e ocultada pela estrutura econômica determinante do homem racional, que se impossibilita de guiar por “coisas que não vê”. Assim, importa inserir a gratuidade como ação da vida comum, ordinária, para que não se torne nem mesmo uma profissão, ou algo que gira em torno de si mesmo. A gratuidade, ou uma "cultura da dar", deve permear as relações de trabalho.
A centralidade do trabalho de Smerilli conduz a essa mudança de cultura, partindo dos pressupostos teóricos da economia, mas intervindo nas questões práticas em empresas e círculos sociais, de jovens e trabalhadores, como sugere o projeto EdC. Em artigo publicado pela Nuova Umanità, escrito em conjunto com Luigino Bruni, intitulado Il prezzo di Socrate (2006/07, em português O preço de Sócrates), critica as condições de seleção de funcionários padronizadas pelo mercado, que parte da vocação ao serviço para legitimar salários baixos, implicando um conflito entre as intenções espirituais (de valores e crenças) e as intenções materiais (salário). Isto é, o mercado percebe como um agregado no pagamento a realização da vocação das pessoas.
A proposta de câmbio apresentada pelos autores é: “ir além da ideia de que o benefício adicional é apenas de natureza material, e se mover na direção de identificar formas de remuneração simbólica e relacional, que não compensem salários mais baixos, mas adicionam-lhes ferramentas de auto-seleção”. De maneira prática, a escolha do cargo não pode ser condicionada a aceitar um salário mais baixo, mas como o sujeito se dispõe, idealmente, congregando os valores da organização, para o trabalho.
A ênfase da valorização do trabalho apresenta-se como um dos eixos do pensamento de Smerilli. Em artigo publicado pelo IHU em 2017, a professora aponta que “confiar na melhor parte de cada ser humano significa ter um olhar positivo sobre as pessoas e, portanto, sobre o trabalho, crer que a necessidade do trabalho bem feito está enraizada nas profundezas das pessoas, pelo menos tanto quanto a necessidade do ganho”. Ainda percebe que a compreensão do trabalho na cultura do mercado pode levar a uma condição de escravidão: “A primeira forma de liberdade é a de poder trabalhar e de não ter que ceder à “chantagem social” dos especuladores (os antiempresários) que tratam o trabalho como uma mercadoria e o nivelam por baixo, entre os jogos da oferta e da demanda. Mas, mesmo quando se trabalha, a concorrência que as empresas desencadeiam entre os trabalhadores pode ser uma forma de escravidão. Quem conhece a boa teoria e a vida das organizações e das empresas sabe que não é através de incentivos e de competição que se melhora a eficiência”, argumenta a economista no mesmo artigo.
Assim, o conceito de trabalho envolve questões muito maiores que valores de troca, produção e mercadoria. A ação não se refere apenas a uma questão de sobrevivência, mas de dignidade e honra compartilhada e promovida por todos. "O trabalho é, acima de tudo, um grande empreendimento cooperativo. Trabalha-se bem e as empresas crescem quando cada um opera em um contexto que o coloca em condições de dar o melhor de si; quando cada um sabe que os seus esforços serão vistos e reconhecidos, serão apreciados", define a professora.
Alessandra Smerilli é irmã religiosa das Filhas de Maria Auxiliadora, tem 43 anos e é natural de Vasto (Chieti). Ensina economia política e elementos de estatísticas na Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação "Auxilium" de Roma. Em 2014, doutorou-se em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de East Anglia (Norwich, Reino Unido), e, em junho de 2006, recebeu um PhD em Economia pela Faculdade de Economia na "Sapienza" de Roma.
A economista apresentará a conferência: “As grandes tendências econômicas sociais que caracterizam o mundo contemporâneo”, na terça-feira, 21 de maio de 2018, às 18h30min, no Teatro Unisinos, em Porto Alegre. Faça sua inscrição no site oficial do XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco.
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A possibilidade de novos paradigmas para a economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU