20 Mai 2013
Chega nestes dias nas livrarias italianas o livro Economia com l'anima, o novo livro do economista Luigino Bruni, voz católica muito interessante no seu modo de abordar a questão da crise, trazendo para o centro a dimensão ética da economia. O livro – publicado pela editora Emi, em colaboração com Mondo e Missione – também reúne muitos dos editoriais publicados pelo professor Bruni no jornal Avvenire. Publicamos aqui um trecho do terceiro capítulo do livro, intitulado "Esperança".
O artigo foi publicado no sítio Vino Nuovo, 15-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há um traço que combina muitos dos fenômenos do mais sadio desconforto com relação ao fisco e à política: uma crescente intolerância e aversão à iniquidade. Os seres humanos, ao fazerem as suas próprias escolhas, mesmo as mais tipicamente econômicas, não seguem um frio cálculo monetário de custos-benefícios, mas colocam em campo muitos outros recursos emotivos, simbólicos, éticos, que nos levam, por exemplo, a "punir" os comportamentos que lemos como injustos.
Tudo isso é muito evidente em questões fiscais. Mesmo que toda a comunicação política (incluindo os comerciais) tente nos convencer de que o propósito do pagamento dos impostos é essencialmente a produção de bens públicos (saúde, infraestruturas, segurança...) e de bens de mérito (escolas, cultura, arte...) dos quais depois todos usufruímos, na realidade, a coleta fiscal é apenas parcialmente usada para a realização desses bens públicos e de mérito que, depois, "nos pagam" ou deveriam nos pagar.
Para compreender, então, correta e substancialmente a natureza dos impostos é preciso abalar, juntamente com as do contrato, também a categoria e a gramática do "dom", uma palavra hoje, infelizmente, totalmente ausente do debate público, ausente também porque a tratamos muito mal nas últimas décadas.
O dom aqui é importante por diversas razões, e não só porque uma parcela da coleta fiscal é destinada, e efetivamente usada, para fins redistributivos (tirar de quem tem mais para dar a quem tem menos). Basta pensar no fato, escrito nas primeiras páginas de todos os (bons) manuais de Ciência das Finanças, que a alíquota média dos impostos é sempre mais alta do que a justa, já que sempre há uma parcela de cidadãos que evade ou foge dos impostos, e uma parte da administração pública que desperdiça recursos – embora deva ser lembrado que a decência de uma sociedade é medida por quão exígua é essa cota de evasão e de desperdício e por quão sustentável é o imposto extra que os outros pagam por culpa disso. Mas justamente por causa dessa sua natureza que também é de dom, a relação entre o cidadão, os outros concidadãos e as instituições é muito complexa.
Quem pratica e conhece os dons, isto é, todos nós, sabe que o dom verdadeiro é um emaranhado inextricável de desinteresse e interesse. Quando uma pessoa dá algo, ela sai da lógica das equivalências e das garantias, é desinteressada. Ao mesmo tempo, quem doa espera um ato de reciprocidade para si ou para os outros, embora não o pretenda, mesmo que fosse apenas um "obrigado": é, portanto, interessado em uma relação, porque não é indiferente ao que o seu dom produz. E, se e quando essa relação de reciprocidade não existe, o circuito do dom se interrompe. O verdadeiro dom se realiza sempre dentro de uma forma de pacto e, portanto, de reciprocidade.
Quando, então, para voltar ao fisco, quem quer genuinamente pagar os seus impostos tem a impressão, ou a certeza, de que muitos dos seus concidadãos não os pagam (até porque se fala muito, demais, de evasão), ou de que o Estado não faz a sua parte no pacto, tem-se substancialmente três reações: ou é tentado a não pagá-los mais (evasão), ou faz de tudo para pagar o mínimo possível (elisão), ou, na pior das hipóteses, tem reações de desprezo que podem se tornar até mesmo fortes, justamente porque, sendo a evasão uma questão de dom e de reciprocidade traídos também, nos comportamos de uma forma muito semelhante aos que se sentem enganados por um amigo importante.
Nesse sentido, é emblemático que, uma vez, e talvez ainda hoje, quando dois namorados se deixavam, restituíam-se os presentes. Hoje, os italianos honestos, isto é, a maioria, sentem fortemente essa ausência de reciprocidade por parte do setor público (nacional, mas também europeu). E é um fato que deve ser levado muito mais a sério do que se está fazendo até agora.
É sério e grave continuar assistindo inermes ao espetáculo de parlamentares que anunciam cortes de salários, privilégios e cargos que nunca chegam, ou que – quando chegam – são tão irrisórios quem se tornam ofensivos. Assim como é humilhante e frustrante continuar aumentando os impostos indiretos às famílias ou os impostos sobre a primeira casa, e nem mesmo iniciar um debate sobre os impostos aos grandes patrimônios e às finanças. Assim como foi infeliz, embora talvez motivado por boas intenções, o debate interno à Agenzia delle Entrate [Receita Federal italiana] (e que rapidamente se tornou de domínio público) sobre a oportunidade de introduzir incentivos para quem denunciar os seus próprios concidadãos.
As formas de correção civil que reforçam o pacto social são sempre custosas e arriscadas para quem as pratica, pois esse custo expressa a vontade de restaurar uma relação de amizade civil que se despedaçou. Quando, ao invés, as denúncias não custam nada e, ao contrário, rendem alguns tostões, não servem para mais nada do que piorar e envenenar as relações de cidadania, pois não se premiam as virtudes, como seria necessário e urgente fazer, mas se incentiva aqueles que denunciam os vícios . Duas operações que são, civilmente, uma inversa à outra.
Por isso, deveríamos acolher com grande simpatia a ideia de alguns municípios de se ocupar diretamente da arrecadação dos impostos, a fim de tornar mais subsidiário e comunitário também esse momento da vida civil, em que o "como" conta menos do que "o quê".
De fato, não encontraremos uma nova relação com o fisco e, em geral, com o público ativando apenas os registros das sanções e dos incentivos, mas sim colocando novamente o dom no lugar que lhe é próprio, isto é, no centro do pacto social e da esfera pública, e libertando-o dos lugares privados estreitos demais em que o confinamos, pois é sempre o dom que funda e refunda as comunidades.
A communitas: aquele dom (munus) recíproco (cum), que também está na raiz da escolha civil fundamental de pagar os impostos.
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Os impostos também são ''dom''. Artigo de Luigino Bruni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU