A teologia moral depois de "Amoris laetitia"

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

18 Julho 2017

“Não escapou às consciências mais críticas e atentas, o fato de que a exortação não enfoca apenas um campo específico do agir moral, embora importante, mas engendra uma revisão decisiva do próprio arcabouço da teologia moral em seus fundamentos e em sua totalidade”, constata Stefano Zamboni, professor na Academia Alfonsiana e Pontifícia Universidade Lateranense, Roma, em artigo publicado por Settimana News, 10-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.


Eis o artigo.

Mais de cem anos atrás, o papa Bento XV, em sua primeira encíclica Ad beatissimi apostolorum (1914), escrevia: "Nas discussões é preciso fugir de todo excesso de palavras, porque podem decorrer graves ofensas para a caridade; cada um livremente defenda a sua própria opinião, mas faça-o com respeito, e nem pense que é possível acusar os outros de fé suspeita ou de falta de disciplina pela simples razão de que eles pensam de forma diferente".

Na época eclesial atual, quando o papa Francisco convida para enfrentar as discussões com parrésia evangélica, as palavras de seu predecessor resultam particularmente oportunas em relação ao acalorado debate que tem acompanhado a celebração dos dois sínodos, primeiro o da família e, depois, a exortação Amoris laetitia.


Mudança de perspectiva


Não escapou às consciências mais críticas e atentas, o fato de que a exortação não enfoca apenas um campo específico do agir moral, embora importante, mas engendra uma revisão decisiva do próprio arcabouço da teologia moral em seus fundamentos e em sua totalidade. ‘Amoris laetitia. Um ponto de inversão para a teologia moral?’ é a pergunta que é posta em discussão por um grupo de teólogos alemães em um livro recentemente traduzido também para o italiano (San Paolo, 2017).

Em sintonia com essa perspectiva, a Atism (Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral), organizou em Alghero (3-7 de julho) o seu décimo seminário de estudo com o tema "A teologia moral depois de Amoris laetitia".

Em primeiro lugar o objetivo foi de compreender o contexto do discurso do Papa. Diante de um entendimento da moral (sexual) que objetiva o sim ou o não, segundo a lógica do permitido/proibido, o papa, além de declarar que o Magistério não pode ter respostas para tudo, transfere a discussão para um plano mais fundamental em que a busca do bem vem antes da obrigação, a atração por uma plenitude de valor tem prioridade sobre a declinação normativa e disciplinar. Nesse sentido - como destacado pela apresentação de Giacomo Rossi - a impostação de Francisco abandona a perspectiva racionalista da modernidade para retomar a valência sapiencial do discurso bíblico.

A proposta magisterial de Francisco pede para levar muito a sério a questão do discernimento.

Sabatino Majorano, mostrando uma notável coincidência de enfoque com a moralidade afonsiana, observa que é necessário voltar a confiar na consciência, livrando-se daquela suspeita a seu respeito que de certa forma permaneceu na origem do surgimento da própria moral moderna. "Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las" (AL 37). Disso decorre a importância do discernimento como resposta ao Espírito. Para o crente, as situações não são algo que atrapalha o discernimento, mas o lugar do kairós a ser compreendido e acolhido. Então, o bem em direção ao qual a pessoa orienta-se, é o bem possível. Falar do bem possível não significa legitimar uma proposta em um patamar inferior, mas significa direcionar-se ao que há de mais prático, mediante a graça que nos foi antecipada.


O "princípio da misericórdia"


Na audiência com os membros da Atism por ocasião do 50º aniversário de fundação, o Papa Francisco convidou os teólogos italianos a "compartilhar o pão da misericórdia."

É um convite que Basílio Petra, presidente da associação, leu sob a ótica da AL 310-312. Nestes parágrafos há um convite para assumir de forma decidida a perspectiva da misericórdia como pilar que suporta a vida da Igreja, chamada a ser, portanto, não como uma alfândega, em que os ministros são os controladores da graça, mas como a casa paterna, onde há espaço para cada um com sua vida cheia de complicações. Nesse sentido, o ensinamento da teologia moral, mesmo sem negligenciar o cuidado pela integridade do ensino moral da Igreja, deve deixar emergir "a primazia da caridade como resposta à iniciativa graciosa do amor de Deus". Disso decorre a necessidade de superar "uma moral fria burocrática" que julga a partir do exterior, à luz de princípios abstratos, para que se possa elaborar uma moralidade que faça parte da vida das pessoas, que assuma uma escuta participativa, que acompanhe com confiança. A misericórdia, de fato, para citar as palavras de James Keenan, é a "vontade de entrar no caos do outro".

Uma moral que assuma o "princípio da misericórdia" deve estar ciente de uma mudança de paradigma, que pode ser expressa na passagem da centralidade da norma para a centralidade da condição de pecadora da pessoa. O episódio da mulher apanhada em adultério pode ser icônico, pois explicita dois elementos: a semelhança da mulher com todos os outros protagonistas da cena é justamente na condição de pecado ("quem dentre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra"); o pecado é superado pela misericórdia salvífica de Jesus. Não mais: "temos uma lei, e de acordo com esta deve ser julgada", mas o pecado torna-se com Jesus uma "porta para a graça".


Integrar a fragilidade


A partir dessa referência é que se originou a palestra de Martin Lintner "Integrar a fragilidade". Da fragilidade humana pode ser tirada uma nova possibilidade: aquela de escapar à tentação de autorredenção, a fim de confiar na primazia da graça divina. Eis porque a necessidade de um novo olhar sobre a fragilidade. É o olhar de Jesus (Metz falava em "olhar messiânico"), direcionado prioritariamente não ao pecado, mas ao sofrimento da pessoa pecadora. É esse olhar que a Igreja, hospital de campanha, deve assumir. A isso corresponde a responsabilidade do discernimento (pastoral, pessoal, disciplinar) na lógica daquela integração que já a Familiaris consortio propunha, mas que não conseguiu garantir até o fim.

Discernir, acompanhar, integrar: é esse o recado do Magistério do Papa Francisco para toda a Igreja e, nela, para a teologia moral. Apenas a partir do primado da misericórdia, ela poderá responder de maneira convincente e produtiva.

Leia mais