A análise de um teólogo moral sobre o Vaticano II

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19 Outubro 2012

No campo da teologia moral e em muitos outros campos, todos nós ainda nos beneficiamos imensamente com o trabalho do Concílio.

A análise é do teólogo jesuíta norte-americano Thomas Massaro, deão da Escola Jesuíta de Teologia de Berkeley, da Santa Clara University, na Califórnia. O artigo foi publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 16-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Este mês marca o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, aquela memorável cúpula mundial que moldou o catolicismo como o conhecemos hoje. Os cerca de 2.500 participantes daquele encontro de quatro anos realizaram mais do que qualquer pessoa se atreveria a imaginar de antemão. Os 16 documentos principais que eles produziram reformaram a liturgia, puseram o ecumenismo em pauta e comprometeram a Igreja Católica a apoiar a liberdade religiosa pela primeira vez. A vida na Igreja nunca mais seria a mesma.

Como teólogo católico, me sinto especialmente ansioso para afirmar as direções do Concílio e defender suas conquistas contra as acusações que ouvimos dos tradicionalistas hoje em dia, de que o seu abraço à modernidade foi indiscriminado – uma traição imprudente da tradição católica. Ao contrário, quando os padres conciliares afirmaram o crucial diálogo entre Igreja e mundo, eles estavam fazem avançar o melhor da nossa tradição.

O legado do Vaticano II é duramente contestado por progressistas e tradicionalistas. Quer você esteja impaciente para que as reformas prometidas pelo Vaticano II se desdobrem ainda mais, quer você prefira reverter alguns de seus ensinamentos, você tem que assumir e reconhecer o impacto da conquista transformacional forjada por todos aqueles bispos reunidos em Roma no início dos anos 1960. O seu trabalho foi desencadeado pela alegre persona de João XXIII, o papa que convocou o Concílio a fim de "deixar um pouco de ar fresco passar pelas janelas de vidro".

Durante séculos, a teologia moral católica foi dominada por uma quase obsessão pelo pecado e pelos inimigos que reprovavam a fé. Era muito mais claro contra o que uma Igreja preparada para o combate se punha – o que era um anátema – do que o que os católicos defendiam e pelo que eles deviam ansiar na vida moral. Em documentos como o Sílabo de Erros de 1864, as autoridades eclesiais emitiram condenaram arrebatadoras do livre pensamento de ideias que desafiavam as leis e as normas sociais estabelecidas pelos papas e bispos. Galileu estava longe de ser a única voz silenciada pela ação disciplinar da Igreja.

Ao substituir palavras como anátema por termos como diálogo, colegialidade, comunhão e participação – palavras que evocam uma abertura dinâmica ao invés de essências estáticas – os padres conciliares reviveram completamente o lado criativo da ética católica. A imaginação moral seriamente restrita dos fiéis podia agora ir além da preocupação anterior com a lei, o pecado e a culpabilidade, e podia se concentrar mais na liberdade moral, nas virtudes, no discernimento espiritual e, acima de tudo, no papel da consciência na vida moral.

Uma direção especialmente marcante foi a ênfase do Vaticano II sobre as profundidades interiores das pessoas ao tentar levar uma vida admirável e socialmente responsável. Isso presume que, ao se formar e agir com base na consciência, as pessoas de boa vontade irão deliberar, consultar, modificar suas mentes e ansiar por relações que sejam mais profundas e ainda mais gratificantes e fiéis.

Em última análise, o Vaticano II incentivou o catolicismo a despertar para uma versão mais modesta e menos presunçosa de si mesmo. Ele já não pretendia manter o monopólio sobre todas as respostas e começou a reconhecer a promessa de aprender lições valiosas de todo o mundo mais amplo, para além do vestíbulo da Igreja. A Igreja começou a se identificar com o mundo moderno, especialmente com o sofrimento dos mais pobres entre nós, ao buscar a justiça social e a solidariedade com nova energia e urgência. Ela começou a se entender como uma Igreja mundial, não mais apenas baseada na Europa, mas agora aberta para a vitalidade do Sul global.

O catolicismo já não se satisfaria com a construção de muros defensivos contra ideias perigosas, mas buscaria ativamente se envolver com movimentos seculares e abraçar as conquistas mundanas. Enquanto o Vaticano II assumia questões sobre o papel dos leigos, a base apropriada para as relações Igreja-Estado e muito mais, muitos observadores rapidamente notaram essa reviravolta.

Nos dias de glória da abertura do Concílio Vaticano II em 1962, ninguém podia prever o quanto as deliberações combinariam o velho com o novo, reunindo fontes cristãs tradicionais com intuições inovadoras. A uma distância de meio século agora, é evidente que os padres conciliares confeccionaram uma mistura criativa em que o sabor do familiar é intensificado por novos ingredientes. No campo da teologia moral e em muitos outros campos, todos nós ainda nos beneficiamos imensamente com o trabalho do Concílio.