O Papa Leão XIV mostra um estilo diplomático que lhe confere a estatura de um árbitro

Foto: Vatican Media

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12 Dezembro 2025

Fazendo um balanço da primeira viagem oficial do chefe da Igreja Católica à Turquia e ao Líbano, o autor observa que o pontífice se baseia no direito internacional mais que em referências religiosas.

O artigo é de François Mabille, publicado por Le Monde, 4 de dezembro de 2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

François Mabille é professor de ciência política no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas e diretor do Observatório Geopolítico da Religião. Escreveu “Le Vatican. La papauté face à un monde en crise” (org. Eyrolles).

Eis o artigo.

A primeira viagem internacional de Leão XIV, da Turquia ao Líbano, revelou um papa atento a reposicionar a história e o simbolismo cristãos no centro de seu pontificado e a inscrever cada uma de suas posições éticas em um quadro jurídico claro. Uma diplomacia que se distingue pela sua elegância narrativa, mas também por uma constante referência ao direito, usado como base universal em ambientes políticos frágeis.

Em sua chegada a Ancara, ele visitou o mausoléu de Atatürk, uma forma de lembrar que a Turquia moderna se baseia em uma arquitetura jurídica secular — agora revisada e reinterpretada pelo poder. Esse gesto bastante convencional precedeu um discurso no qual ele insistiu nas "liberdades fundamentais" e na "dignidade de todos", noções que, em suas palavras, sempre se reportam a um registro específico: aquele do direito internacional, dos direitos humanos, aos quais ele sempre se refere sem citar textos, mas adaptando sua linguagem. Assim, seu apelo para o reconhecimento da pluralidade das identidades religiosas na Turquia remete explicitamente aos compromissos internacionais do país em matéria de liberdade religiosa.

Em Istambul, seu encontro com o Patriarca ortodoxo Bartolomeu seguiu a mesma linha. Ao afirmar que os cristãos "pertencem plenamente à identidade turca", ele não se limita a defender um fato histórico: está indiretamente relembrando as obrigações do Estado de proteger as minorias de acordo com o direito interno e as convenções internacionais ratificadas por Ancara. Nisso, sua diplomacia não se limita a símbolos: propõe um arcabouço jurídico que se considera que deva ser adotado pela Turquia, mesmo que o Papa evite cuidadosamente qualquer confronto direto.

Liberdade de consciência

O gesto mais comentado, no entanto, continua sendo sua decisão de não rezar na Mesquita Azul. Ao visitar o monumento sem realizar um ato litúrgico, Leão XIV traça uma fronteira inter-religiosa precisa: o respeito mútuo não implica a confusão dos ritos. Também nisso, ele se baseia em um princípio de direito — o da liberdade de consciência e do respeito pelas práticas de todas as religiões, que é precisamente a base da possibilidade do diálogo inter-religioso. No Líbano, ele prosseguiu nessa linha. Ao convidar as autoridades religiosas a estarem à altura de sua população, ele retorna aos fundamentos do papel da política e do Estado de Direito e recorda, na esteira do Artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o direito de sair do país e retornar. Aqui também, a ética — o apelo à paz, à reconciliação e à reconstrução nacional — está sempre ligada a um texto, a um instrumento legal, um empenho institucional.

Por meio dessa primeira viagem, afirma-se um estilo diplomático. A uma diplomacia militante e humanitária parece suceder uma diplomacia de Estado mais normativa e protetora. Leão XIV trabalha por meio da reconfiguração das narrativas — por exemplo, apelando ao espírito resiliente do Líbano — e por meio da invocação constante de um direito que nunca é brandido como arma, mas sempre apresentado como uma base comum para a coexistência: sua referência à solução de dois Estados no conflito israelense-palestino se enquadra nesse registro.

Esse método apresenta vantagens evidentes: permite à Santa Sé dialogar com regimes mais sensíveis à honra nacional do que à crítica frontal; evita rupturas diplomáticas; e confere ao Papa o status de árbitro, ainda mais credível por ser baseada em referências universais mais que confessionais.

O Vaticano, Estado neutro e espiritual

Ao homenagear explicitamente a "ousadia e o testemunho cristão armênio em Istambul", a Santa Sé envia um sinal forte: o Papa não está apenas em visita de Estado, mas como embaixador de uma universalidade eclesial. É aqui que o status da Santa Sé como Estado neutro e espiritual mostra toda a sua importância. Ao contrário das potências nacionais empenhadas em lógicas de interesses, o Vaticano não intervém para impor uma soberania política, mas sim para proteger comunidades, minorias e tradições ameaçadas. Essa atitude permite que o Vaticano desempenhe um papel de mediador-protetor credível nos países onde os cristãos são minoria, particularmente na Turquia, e em Estados frágeis como o Líbano.

Contudo, essa abordagem também acarreta riscos: o primeiro deles é o da legibilidade. De tanto se expressar por normas implícitas, a denúncia pode parecer demasiado comedida.

O segundo é o da captação simbólica: num regime autoritário, a visibilidade do papa pode ser utilizada para neutralizar a implicação jurídica e ética das suas palavras. O terceiro diz respeito às minorias: estas últimas podem almejar algo mais do que um discreto aceno ao direito, especialmente num contexto em que o direito é pouco respeitado.

Leão XIV abraça essa aposta: aquela de uma diplomacia em que a tradição, o símbolo e o direito se reforçam mutuamente, uma diplomacia baseada na neutralidade e numa rede religiosa global para defender as minorias, especialmente as cristãs. Resta saber se essas palavras se traduzirão em proteções concretas para as comunidades frágeis da bacia do Mediterrâneo.

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