01 Dezembro 2025
Enquanto o novo pontífice celebra, durante sua primeira viagem ao exterior, o 1700º aniversário do concílio que formulou o Credo Cristão, um coletivo de fiéis se questiona sobre a relevância dessa concepção do divino no século XXI.
A reportagem é de Coletivo, publicada por Le Monde, 27-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mil e setecentos anos após o concílio realizado em Niceia (próximo à cidade de Iznik, na atual Turquia) por iniciativa do Imperador Constantino em 325, o Papa Leão XIV celebrará aquele evento que considera fundamental na história da Igreja. Os bispos da época haviam formulado de maneira intangível a fé oficial dos cristãos, ou seja, que Jesus é Deus, o Filho unigênito de Deus, da mesma substância que o Pai e, portanto, onisciente e onipotente.
O Papa e os bispos afirmam que a fé cristã ainda hoje é definida com a mesma linguagem de 325. Por trás dessa data comemorativa, porém, se esconde um verdadeiro desafio filosófico e teológico a respeito de nossas representações do divino.
Como foi formulado o Credo em 325? Naquela época, as representações de Deus e de Jesus não eram uniformes. Entre as diversas Igrejas espalhadas pelo Império Romano, cada uma tinha sua própria autonomia e expressava sua própria interpretação do "evento de Jesus" na cultura grega da época.
Quando, em 313, com o Édito de Milão, Constantino concede aos cristãos os mesmos direitos que os fiéis de outras religiões, as Igrejas se dividem entre duas visões de Jesus. Algumas se baseiam nas poucas referências do Novo Testamento que definem Jesus como um ser divino e, consequentemente, afirmam sua divindade plena e completa. Outras, referindo-se ao pensamento do sacerdote Ário, contestam essa divinização. Mas para o imperador, preocupado com a ordem social, o fenômeno cristão não pode se apresentar com duas faces diferentes: ele precisa de uma profissão de fé unívoca. Ordena aos bispos que cheguem a um consenso sobre uma única definição de sua fé. Em 23 de maio de 325, Constantino preside o Concílio de Niceia. Cerca de 300 bispos estão ali reunidos. Os arianos são numerosos, mas os oponentes do arianismo são maioria. Constantino apoia as teses destes últimos. Os debates são acalorados. No fim, o imperador obriga os bispos a assinarem uma profissão de fé redigida pelos oponentes do arianismo, que define Cristo como o Filho unigênito de Deus. Os partidários de Ário aceitam por medo de represálias, com exceção de dois. Essa maneira política de impor uma forma de crer não parece questionável?
Contudo, o concílio não regulamentou tudo: haveria mais três concílios, chamados de "ecumênicos". Em 381, o imperador Teodósio I convoca o Primeiro Concílio de Constantinopla. Nele, é afirmado o dogma da Trindade: a divindade de Cristo comporta aquela do Espírito Santo. Mais tarde, em 392, Teodósio proclama o cristianismo a religião oficial do Império Romano e proíbe os outros cultos.
Em 431, o Concílio de Éfeso, convocado por Teodósio II, condena o patriarca de Constantinopla, Nestório, que ensinava que Maria deu à luz apenas um ser humano indissoluvelmente ligado ao logos divino: se ambas as naturezas coexistem em Jesus, elas são separadas. Maria é declarada Mãe de Deus.
Por fim, em 451, no b, convocado pelo imperador Marciano, Jesus é reconhecido como divino e humano: isto é, duas naturezas na unidade de uma só pessoa. As igrejas chamadas "monofisitas", que afirmavam uma só natureza de Cristo e rejeitam o concílio, são excomungadas.
Faz sentido hoje repetir as conclusões dos Concílios de Niceia e Calcedônia? Para nós, a resposta é não. Numa nova leitura das cartas de Paulo de Tarso e dos quatro Evangelhos, o Jesus histórico que se pode discernir jamais se proclamou Deus. Não podemos mais fazer uma leitura literal dos relatos do nascimento em Mateus e Lucas: Jesus nasceu como um ser humano, totalmente.
A afirmação de sua concepção por uma mulher virgem, fecundada por Deus, faz parte de uma imagem simbólica destinada a reforçar sua grandeza.
Expressões repensadas
Jesus deve ser visto mais como um profeta, na linha daqueles de Israel. Mas um profeta que transmite, para além do judaísmo, uma mensagem de boas novas a todos os seres humanos. A figura de Jesus fala aos nossos contemporâneos, mesmo aos não cristãos, pela qualidade de sua humanidade, pela sua luta constante à custa de sua vida contra o inumano em todas as suas formas. São os seus valores que o levarão à morte por crucificação.
Quanto às representações de Deus, as nossas são muito diferentes daquelas de Niceia, baseadas na época na astrofísica de Ptolomeu, que localizava Deus acima da abóbada celeste. Desde Copérnico, Kepler, Newton e Galileu, esse Deus foi "expulso" dos céus. Hoje, a ideia de um Deus teísta que intervém nos eventos humanos — para pôr fim a guerras, deter um ciclone, curar uma doença, etc. —não é mais sustentável. O movimento ateu fez disso o seu cavalo de batalha e, com isso, prestou um grande serviço à humanidade.
Os crentes em Deus procuram falar dele com expressões repensadas. Teólogos como Bruno Mori, Eugen Drewermann e José Arregi sugerem expressões mais abertas, como: Deus fundamento do ser, fonte de energia e de amor. O bispo anglicano John Shelby Spong, teólogo falecido em 2021, escreve, por exemplo: “Sinto Deus como a transcendência, a profundidade, o sentido fundamental da vida. Creio que humanidade e divindade não são separadas. A divindade é a realidade profunda da humanidade” (Etre honnête avec Dieu. Lettres à ceux qui cherchent, Karthala, 2020).
Em vez das definições de Niceia e Calcedônia, nós preferimos honrar Jesus com a estimulante frase do pensador Stanislas Breton (1912-2005): “Jesus é um de nós com uma intensidade excepcional”.
Robert Ageneau, Serge Couderc, Paul Fleuret, Jacques Musset, Odile Ponton e Philippe Perrin são todos membros do grupo Pour un christianisme d’avenir. Paul Fleuret publicou recentemente: “Le Credo de Nicée est-il toujours croyable?” (Karthala).
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