Gaza sob bombas e inundações: "Esta paz é igual à guerra"

Foto: Mustafa Hassona | Anadolu Agency

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02 Dezembro 2025

Dor e morte vêm do céu. A trégua não trouxe alívio. As chuvas inundam as frágeis tendas. Aviões de combate israelenses continuam a atacar, matando e ferindo dezenas de pessoas, dizimando famílias inteiras de deslocados no superlotado campo de Nuseirat.

A reportagem é de Majd Al-Assar, publicada por La Stampa, 01-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

O último ataque ocorreu na terça-feira, menos de dois meses após o anúncio de uma iniciativa de paz mediada pelos EUA, apresentada pelo presidente Donald Trump como o início do "fim da guerra em Gaza". Desde então, no entanto, os moradores dizem que a realidade "pós-guerra" é muito diferente das promessas feitas na televisão.

O exército israelense lançou dezenas de operações aéreas em toda a Faixa de Gaza, descrevendo-as como respostas direcionadas a supostas "violações" dos acordos por parte do Hamas: atrasos na entrega dos corpos dos reféns e suspeita de atividade de militantes.

Os ataques do último sábado estão entre os incidentes mais mortais até o momento. Na Cidade de Gaza, testemunhas relataram que um dos primeiros bombardeios da tarde de sábado teve como alvo um carro civil na zona oeste da cidade, matando os três ocupantes. Pouco depois, os bombardeios se deslocaram para a zona central.

No campo de refugiados de Nuseirat, uma área densamente povoada no centro da Faixa de Gaza, os moradores relatam pelo menos três ondas distintas de bombardeios. Uma delas atingiu a casa da família Abu Amouna, matando três pessoas. Outra, mais devastadora, atingiu um conjunto de casas pertencentes a membros da família Abu Shawish. Por volta das 16h15, um míssil ar-terra atingiu a casa de Ghaleb Abu Shawish, localizada em um pequeno conjunto de edifícios adjacente ao campo. Ghaleb, sua esposa e seus três filhos foram mortos no bombardeio. Apenas Tala, de dez anos, sobreviveu. A menina, que agora vive com a avó, não consegue compreender a dimensão do que aconteceu. "Meu pai, minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs morreram. Fiquei sozinha. Não tive tempo de me despedir deles. Me disseram que não sobrou muita coisa dos seus corpos", disse ela.

"De quem devo me despedir primeiro?"

As casas da família Abu Shawish são muito próximas umas das outras, sem espaço entre elas; a explosão não se limitou à casa de Ghaleb. A onda de choque e os desabamentos se espalharam imediatamente para a casa vizinha de Rami Abu Shawish, seu parente. Toda a família de Rami estava em casa no momento da explosão. Quando a poeira baixou, a casa desabou sobre eles. A esposa de Rami, Sahar, e suas filhas, Habiba e Teema, morreram, assim como seus dois filhos, Yousef e Mohammad. O próprio Rami foi retirado dos escombros, vivo, mas gravemente ferido, e transferido para a unidade de terapia intensiva do Hospital Al-Aqsa, na cidade vizinha de Deir al-Balah. Dos cinco filhos de Rami, apenas uma garota sobreviveu, Batoul, uma estudante de 19 anos. Ela está ferida, mas quando os socorristas chegaram até ela, estava consciente. Eles a transferiram imediatamente para a unidade de cirurgia de emergência, depois de ela se despedir de toda a família no necrotério do hospital. "De quem devo me despedir primeiro? Eu não sei", ela gritou. Os médicos dizem que seu estado agora é estável, mas o impacto psicológico do evento provavelmente durará mais do que as cicatrizes de seus ferimentos.

Mais adiante no corredor, no mesmo hospital, Saeed Riyad Saeed, de 18 anos, está na UTI. Ele também é vítima do bombardeio no bairro de Abu Shawish. Quando o míssil explodiu, as paredes da casa da família — parte do mesmo pequeno bairro densamente povoado — desabaram, esmagando sua perna e ferindo suas costas. Saeed foi inicialmente transportado para o Hospital Nasser em Jhan Yunis e, em seguida, transferido duas vezes entre Nasser e Al-Aqsa enquanto os médicos tentavam estabilizá-lo. Por fim, os médicos tiveram que apresentar ao pai, Riyad, uma escolha impossível. "O médico me apresentou duas opções", disse Riyad, em frente à unidade de terapia intensiva com um formulário de consentimento na mão. "Ele me perguntou se eu preferia salvar a perna do meu filho ou a vida dele." Riyad assinou o formulário, autorizando assim a amputação da perna do filho na esperança de salvar sua vida. Pouco antes da operação, no entanto, novos exames revelaram estilhaços alojados em suas costas, perigosamente perto de órgãos vitais. "Meu filho está em estado crítico", relata Riyad. "A cada visita, encontram algo novo. Qual foi a culpa dele? Ele estava sentado em casa, sem fazer nada de errado."

O bombardeio também atingiu os visitantes, não apenas os moradores. Kamilia Abu Shawish, de 50 anos, perdeu seu filho Salam, de 30 anos, no mesmo ataque. Naquela tarde, ele tinha saído para visitar parentes na casa de Rami, em Nuseirat, e parece que estava na porta quando o míssil atingiu a residência. Ele foi levado às pressas para o hospital, onde foi declarado morto. Deixa um filho de um ano. Para Kamilia, essa tragédia é a repetição de um pesadelo que começou um pouco de tempo atrás. "Um dia antes de ele morrer, comemoramos o aniversário da morte do irmão dele. Eu ainda não me conformei com a perda do meu primeiro filho, e hoje já tenho que enterrar o segundo."

Suas palavras refletem o que muitos sentem em Nuseirat: as palavras do "plano de paz" e do "cessar-fogo gradual" pouco fizeram para mudar o cotidiano dos civis. Para a população Na Faixa de Gaza, o debate sobre quem violou os acordos primeiro fica em segundo plano em relação às suas consequências.

A atenção pública internacional está voltada para as negociações diplomáticas e os cálculos políticos — em Washington, Tel Aviv e nas capitais europeias — enquanto famílias em Nuseirat dizem se sentir abandonadas em uma realidade "pós-guerra" que se assemelha muito a uma guerra.

Para Tala, aninhada nos braços da avó, as palavras do cessar-fogo e do plano de paz significam pouco. Ela tem apenas uma pergunta, que repete baixinho em continuação: "Por que me deixaram sozinha?".

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