21 Novembro 2025
"Portanto, quando um relacionamento é mantido por meio de repreensões, dramatizações, argumentos moralizantes ou apelos ao autossacrifício, deixa de ser amor e se torna controle emocional disfarçado de dedicação", escreve José Carlos Enrique Diaz, em artigo publicado por Ataque al poder, 17-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Nos relacionamentos saudáveis, o amor se baseia na reciprocidade, na liberdade e na responsabilidade compartilhada.
No entanto, existem dinâmicas em que esses pilares se corroem gradualmente e o vínculo passa a ser mantido por sentimentos de culpa, confusão emocional, dependência afetiva e manipulação. A psicologia clínica estudou extensivamente esses esquemas, observando que algumas personalidades, especialmente aquelas caracterizadas por insegurança crônica, apego ansioso, narcisismo vulnerável ou experiências precoces de crítica constante, desenvolvem formas de se relacionar que, longe de nutrir, destroem emocionalmente o outro.
Uma dessas dinâmicas consiste em reconstruir o passado idealizando-o intensamente, atribuindo à outra pessoa a responsabilidade por ter "esquecido", "desvalorizado" ou "abandonado" um amor que, aparentemente, era profundo e sacrificial. Embora essas expressões possam soar ternas ou carregadas de emoção, a psicologia as reconhece como um mecanismo frequente em relacionamentos tóxicos: são usadas para gerar uma dívida emocional, fazendo com que o outro se sinta como alguém incapaz de dar tudo o que o outro espera.
Autores como Forward (1997) e Bancroft (2002) descrevem esse fenômeno como chantagem emocional indireta, na qual a dor expressa não é comunicada para curar, mas para condicionar, recuperar o controle ou evitar a separação.
Esse esquema é comum em pessoas com narcisismo vulnerável, caracterizado por uma autoimagem frágil, uma intensa necessidade de confirmação e uma profunda sensibilidade à rejeição. Longe da grandiosidade visível do narcisismo clássico, o narcisismo vulnerável opera a partir da ferida: idealiza, dramatiza, acusa, se faz de vítima e oscila entre o amor exaltado e a dolorosa reprovação. Seu objetivo, muitas vezes inconsciente, é evitar a ameaça da solidão e neutralizar a angústia causada pela perda. Soma-se a isso a dependência emocional, na qual a pessoa sente que sua identidade e estabilidade dependem da presença constante do outro. Nesses casos, o relacionamento deixa de ser livre: transforma-se em um espaço no qual o afeto é usado como garantia para evitar o vazio interior.
A origem desses comportamentos é muitas vezes decorrente de experiências da infância marcadas por crítica constante, privação emocional ou vínculos inconsistentes, o que gera um profundo medo da desaprovação e um desejo compulsivo de se sentir necessário. Como explica Bowlby (1988), o apego inseguro produz adultos que oscilam entre a ansiedade de perder o outro e mecanismos de controle para garantir sua presença. Embora a compreensão dessas origens permita a empatia, não justifica a manipulação, nem torna o dano algo tolerável.
Nesses tipos de relacionamento, são frequentes modalidade de comunicação como acusações injustificadas, insinuações de abuso psicológico, reações desproporcionais, demonstrações de agressividade diante da imposição de limites e a tendência de projetar no outro a própria insegurança. A pessoa pode até reinterpretar cada desentendimento como agressão, o que, em casos extremos, pode facilitar o surgimento de acusações falsas ou distorcidas, nem sempre devidas a malícia premeditada, mas sim à forma como se elaboram emocionalmente o conflito e a rejeição. Em termos clínicos, isso ocorre quando a pessoa confunde sua dor com evidência objetiva e sua necessidade de reivindicação supera sua capacidade de julgamento.
Esse esquema torna-se particularmente perigoso quando o relacionamento termina. A combinação de dependência afetiva, narcisismo vulnerável, sensação de injustiça e medo do abandono pode levar a comportamentos impulsivos, recriminações públicas, inversões de papéis ou à construção de narrativas em que a culpa recai inteiramente sobre a outra parte. Portanto, especialistas como Cloud & Townsend (1992) e Vernick (2013) recomendam que, ao se deparar com sinais persistentes de manipulação, culpa e ataques sistemáticos, a pessoa afetada estabeleça limites e, se necessário, interrompa por completo o relacionamento.
A partir de uma perspectiva teológica cristã, esse processo tem uma leitura profunda. O amor, para ser autêntico, deve ser livre; não nasce do medo ou da imposição emocional. 1 João 4,18 afirma: “No amor não há medo; pelo contrário, o perfeito amor expulsa o medo”. Qualquer vínculo mantido por sentimento de culpa, pressão ou ansiedade contradiz essa verdade fundamental. A Bíblia não aprova laços emocionais sufocantes: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Cor 3,17). O amor, para ser bíblico, deve refletir a liberdade que Deus concede, não a escravidão emocional que alguns buscam impor.
Portanto, quando um relacionamento é mantido por meio de repreensões, dramatizações, argumentos moralizantes ou apelos ao autossacrifício, deixa de ser amor e se torna controle emocional disfarçado de dedicação. A teologia é clara: o amor não exige permanência quando se torna um jugo. Jesus nos convida a aceitar o seu jugo porque é “suave” (Mt 11,30), e o amor humano que se torna pesado, coercitivo ou emocionalmente opressivo deixa de ser sinal de graça.
A conclusão necessária é esta: o amor autêntico nunca se impõe, porque o que é imposto deixa de ser amor e se torna dominação. Nenhum sacrifício do passado confere o direito de possuir o presente de outra pessoa. Nenhuma dedicação, por mais profunda que seja, justifica a manipulação. Nenhuma emoção, por mais intensa que seja, dá permissão para reter alguém que deseja a liberdade. O verdadeiro amor respeita, o verdadeiro amor deixa ir, o verdadeiro amor não acorrenta. Porque onde não há liberdade, não pode haver amor; e onde há medo do abandono, sentimento de culpa e pressão afetiva, o que se mantém não é um vínculo, mas uma ferida.
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