18 Novembro 2025
"A sabedoria dos povos tradicionais nos ensina que estamos inseridos numa teia de vida sustentada pela natureza e defender os direitos da natureza passa a ser atitude fundamental para a sobrevivência da humanidade", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é jesuíta, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Eis o artigo.
Nossa época exige que pensemos sobre os direitos da natureza. A humanidade tem desenvolvido cada vez mais a sua capacidade de destruição. O avanço tecnológico, que também pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida, está ampliando assustadoramente a nossa potencialidade para promover a morte. Trata-se de uma questão levantada por pensadores que estudam a evolução bélica da humanidade, mas também se refere às questões mais sutis como o estilo de vida e o modelo de desenvolvimento econômico que afetam diretamente a biodiversidade presente no planeta.
Na década de 1960, alguns estudos já alertaram a humanidade para os perigos da sua intervenção no ambiente natural, como a pesquisadora Rachel Carson, que escreveu o livro Primavera Silenciosa em 1962. Naquela época, esta bióloga se deparou com evidências de que os pesticidas e agrotóxicos estavam poluindo as águas e os solos, colocando em curso um processo de eliminação de várias espécies animais e vegetais. Em 1979, o filósofo Hans Jonas também chamou a atenção para os impactos negativos das nossas ações sobre o meio ambiente, propondo uma ética da responsabilidade através do seu livro O Principio Responsabilidade.
Trabalhar pela proteção e o desenvolvimento do ser humano ainda representa um grande desafio para a humanidade, pois não é difícil encontrar situações criadas pelo homem que atentam contra a dignidade do próprio homem, como as desigualdades sociais, as violências, o abandono, as guerras, as ditaduras, os racismos e outras intervenções prejudiciais e desumanizadoras. Hoje, no entanto, o avanço tecnológico impôs outros desafios que ameaçam não somente o ser humano, mas a vida no planeta. As mudanças climáticas causadas pela ação irresponsável do ser humano, sobretudo, aquela parte que possui maior poder de consumo e intervenção na natureza, exigem que ampliemos a nossa visão de mundo.
Diante das alterações desencadeadas pela exploração excessiva e irracional dos recursos naturais é necessário nos empenhar pelo reconhecimento dos direitos da natureza. Importa lembrar que destes direitos dependem também a própria vida humana, uma vez o desequilíbrio dos ecossistemas naturais coloca em risco a vida do próprio homem, chegando a afetar de forma desproporcional as populações mais pobres. Reconhecer juridicamente que a natureza tem o direito de realizar, no seu tempo, os seus processos vitais e ciclos ecológicos promoverá um maior envolvimento do Estado nas medidas de proteção da natureza.
Os mananciais hídricos situados nos territórios amazônicos estão sofrendo graves ameaças por parte do crescimento desordenado das cidades, pela falta de políticas ambientais nas indústrias e pela omissão das empresas de saneamento, que não cumprem as metas de expansão dos serviços de esgotamento sanitário. O saneamento de Manaus, a maior metrópole da Amazônia, apresenta-se entre os piores do Brasil. A concessão privada não responde as demandas da cidade, oferecendo serviços precários para amplas parcelas da população e ignorando o cumprimento das metas contratuais do esgotamento sanitário.
A emergência das mudanças climáticas que afetam a humanidade ainda não despertou os setores estratégicos da sociedade para o compromisso ambiental. O mercado insiste em ver a natureza como uma reserva de capital disponível para a exploração a partir de uma visão reducionista e produtivista. A natureza como suporte da vida continua sendo ameaçada em largura e profundidade. A visão dos povos tradicionais que convivem harmonicamente com a natureza não serve aos interesses mercantilistas do capitalismo verde. Os modelos alternativos de sociedade justa e sustentável são minados e não conseguem prosperar pela falta de espaço e oportunidade.
As mudanças climáticas podem oferecer também oportunidades de repensar o nosso estilo de vida e ampliar os horizontes para além da cartilha capitalista, que se alimenta da busca desenfreada pelo lucro e da acumulação de riquezas nas mãos de pequenos grupos elitizados. As tragédias ambientais promovidas pelo paradigma individualista e corporativista podem nos ensinar a valorizar os bens comuns e o protagonismo coletivo na gestão socioambiental.
A sabedoria dos povos tradicionais nos ensina que estamos inseridos numa teia de vida sustentada pela natureza e defender os direitos da natureza passa a ser atitude fundamental para a sobrevivência da humanidade. As ciências também têm reconhecido cada vez mais a importância de estabelecermos relações de proteção e respeito para com a natureza. No contexto de emergências climáticas não há espaço para o negacionismo, nem para as dúvidas paralisantes. Defender a natureza contra as agressões modernas implica reconhecer os seus direitos e efetivá-los.
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