18 Novembro 2025
O nível de destruição provocado por Israel, e facilitado por uma rede de cumplicidade criminosa, é tal que muitas vozes já falam de um genocídio e um ecocídio simultâneos.
O artigo é de Ana Sánchez Mera, coordenadora da Global Energy Embargo for Palestine, publicado por El Salto, 18-11-2025.
Eis o artigo.
A retirada gradual das forças israelenses após o cessar-fogo revela uma destruição massiva em toda a área de Al-Katiba e na rua 5 em Khan Younis, no sul de Gaza, em 11 de outubro de 2025. A maioria dos edifícios e moradias foi reduzida a escombros, o que obrigou os residentes palestinos a retornarem para inspecionar o que restou de seus bairros. Agora, as pessoas procuram entre as ruínas em meio a uma grave escassez de ajuda e às contínuas restrições do bloqueio. Pelo menos 92% das moradias de Gaza foram destruídas ou danificadas, segundo dados da Agência da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
Esses dias acontece em Belém do Pará a COP30, a cúpula anual dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Duas semanas de negociações sobre mecanismos de reparação, transição ecológica justa e financiamento, em busca de respostas eficazes diante da catarsis climática que enfrentamos.
Enquanto isso, Gaza continua em chamas. Enquanto se proíbe a entrada de povos indígenas — aqueles que mais sofrem na pele o drama da mudança climática — nas negociações oficiais, bem como das vítimas do capitalismo fóssil e daqueles que poderiam oferecer respostas aos desafios colocados, as representações dos 85 países apontados por Francesca Albanese em seu último relatório como cúmplices necessários do genocídio, e empresas como Maersk ou BP, que lucram violando direitos do povo palestino, circulam alegremente pelos corredores do centro de convenções.
O nível de destruição provocado por Israel, e facilitado por essa rede de cumplicidade criminosa, é tão grande que muitas vozes já falam de genocídio e ecocídio simultâneos: a aniquilação de qualquer forma de vida possível, uma nova torção na engrenagem da despossessão capitalista que sempre foi colonial, patriarcal e violenta.
A contaminação do ar e do subsolo provocada pelo fósforo branco e outras armas químicas destruiu qualquer possibilidade de cultivo em Gaza, agravando ainda mais a fome na Faixa e dificultando enormemente a subsistência agrícola no futuro próximo.
A criação do Estado de Israel foi, desde sua origem, um atentado contra a paz e a segurança globais e, além disso, um ataque à sustentabilidade do planeta e de seus ecossistemas. As políticas de racismo ambiental levadas a cabo por Israel há décadas resultaram na destruição de centenas de milhares de hectares de terras e campos agrícolas, confiscados para a construção do muro do apartheid ou para a expansão de assentamentos, e na eliminação de mais de um milhão e meio de oliveiras apenas nos últimos vinte anos — oliveiras que são não só símbolo da vida e da resistência palestinas, mas também uma das principais fontes de renda para milhares de famílias.
A água também não escapa às políticas de racismo ambiental. O chamado regime de apartheid hídrico, operado entre outros pela empresa israelense Mekorot, garante amplo acesso à água potável para as colônias israelenses em território ocupado, assegurando um consumo médio de 247 litros por pessoa ao dia nos assentamentos, enquanto muitas comunidades palestinas nativas mal chegam a 30 litros por pessoa ao dia, abaixo dos 100 recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Como se isso não bastasse, a violência ambiental contra a Palestina se multiplicou exponencialmente nos últimos dois anos, culminando em um ecocídio sem precedentes na região. Só nos dois primeiros meses de bombardeios, Israel liberou cerca de 281 mil toneladas de CO₂ equivalente — mais que as emissões anuais de mais de vinte países entre os mais vulneráveis à mudança climática. A contaminação provocada pelo fósforo branco e por outras armas químicas destruiu qualquer possibilidade de agricultura em Gaza, agravando ainda mais a fome e inviabilizando a produção futura.
Da mesma forma que Israel não pode sustentar seu nível de violência sem o apoio militar externo, o Estado sionista precisa de energia para alimentar tanques, aviões de combate e sistemas de inteligência artificial usados para vigiar e assassinar na Palestina. Segundo relatório publicado esta semana em Belém pela Oil Change International, 25 países forneceram ou facilitaram o fornecimento de petróleo bruto ou refinado para Israel. Azerbaijão e Cazaquistão fornecem 70% do petróleo consumido por Israel; os Estados Unidos são o único fornecedor de combustível militar; e portos da Rússia, Grécia, Chipre e Espanha figuram entre os principais pontos logísticos para levar essa energia até seu destino fatal.
As empresas que estão por trás dessas extrações ou do transporte por gasodutos são as mesmas que contribuem para o aquecimento global e para a extinção da vida no planeta. A luta pela libertação da Palestina é também uma luta contra os combustíveis fósseis e contra o modelo extrativista que destrói vidas e ecossistemas no mundo inteiro.
Por isso, uma coalizão de organizações palestinas — PENGON, Comitê Nacional Palestino de BDS, Stop the Wall, Palestine Institute for Public Diplomacy e Global Energy Embargo for Palestine — viajou ao coração da Amazônia para afirmar que não pode haver justiça climática sem a libertação da Palestina.
Fazem um chamado por um embargo energético: a máquina genocida e a ocupação ilegal não se sustentam sem cumplicidade energética. Pedem o fim do apartheid hídrico e chamam ao boicote a empresas como Mekorot, que sufoca a população palestina e contribui para a privatização da água, levando militarização a outros territórios e povos em luta — como o povo mapuche. Denunciam também a cumplicidade do agronegócio e do greenwashing, por meio de empresas como Netafim ou ICL, esta última sendo a principal fornecedora aos Estados Unidos dos minerais necessários para fabricar o fósforo branco. Exigem ainda a expulsão de Israel não só do espaço da COP30, mas da própria Convenção do Clima: um Estado colonial responsável por ecocídio, construído e sustentado pelo capitalismo fóssil e pela indústria militar, responsável por pelo menos 5% de uma das indústrias mais poluentes do planeta, não pode participar de um fórum de busca de soluções para a emergência climática.
Quem lucra com o colapso não pode ser parte da solução. Em tempos de policrise global, esgotamento de recursos e colapso ecológico, as elites fecham fileiras. E nós, que defendemos a vida em todas as suas formas, também precisamos fazê-lo. É hora de agir e de colocar a luta palestina como uma luta pela terra, desde a terra: uma defesa da vida e do território, contra o capitalismo fóssil e o extrativismo.
Não haverá justiça climática sem a libertação da Palestina.
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