22 Setembro 2025
A ofensiva interminável de Israel em Gaza está deixando Netanyahu cada vez mais sozinho, com grandes países como Reino Unido, Canadá, Austrália, França, Portugal e Bélgica reconhecendo a Palestina como um estado no âmbito de uma Assembleia Geral das Nações Unidas marcada pelo apoio de Trump ao massacre israelense e seu boicote aos palestinos.
O artigo é de Andrés Gil e Francesca Cicardi, jornalistas espanhóis, publicado por El Diario, 21-09-2025.
Eis o artigo.
A imagem será devastadora: o governo que cometeu o genocídio discursará pessoalmente na Assembleia Geral das Nações Unidas. Benjamin Netanyahu, preso pelo tribunal da ONU por crimes de guerra e genocídio, circulará livremente por Nova York graças à proteção do presidente americano Donald Trump. E o presidente do povo massacrado, Mahmoud Abbas, terá que enviar um vídeo de seu discurso porque Trump não o deixará entrar no país.
"Vocês não se lembram do dia 7 de outubro, mas eu me lembro", disse o presidente dos EUA a repórteres na última quinta-feira, em Londres, quando questionado sobre por que não impediu a matança em Gaza, visto que ele é a única pessoa com capacidade para fazê-lo. Além disso, o massacre em Gaza está sendo realizado graças a armas, dinheiro, combustível e à cobertura diplomática dos EUA.
E o que Trump não vê, e o que cada vez mais governos e organizações internacionais estão vendo, é que desde os ataques do Hamas, que mataram 1.200 israelenses e sequestraram outros 200, mais de 65.000 palestinos morreram, a maioria crianças e mulheres; o território foi devastado, e os planos declarados do governo israelense são baseados em "um acordo imobiliário", nos moldes do "resort da Riviera do Oriente Médio" que o próprio Trump proclamou.
Assim, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, como a França e o Reino Unido, estão reconhecendo o Estado Palestino no âmbito da Assembleia Geral da ONU — Londres o fez oficialmente neste domingo. Junto com eles, outros países, como Bélgica, Canadá, Austrália e Portugal — os três últimos anunciaram neste domingo — se juntarão aos 147 dos 193 membros da ONU que já reconhecem a Palestina como um Estado.
Neste contexto, o presidente dos EUA se reunirá com líderes árabes nesta terça-feira em Nova York, aproveitando a Assembleia Geral da ONU, segundo a Axios, para discutir a guerra em Gaza.
Os países que reconhecem o Estado Palestino nesta segunda-feira em Nova York reconhecem, na prática, o governo da Autoridade Palestina chefiado pelo presidente Mahmoud Abbas — que não pôde viajar aos EUA porque o governo Trump negou vistos a ele e a outros representantes da Autoridade Palestina (AP) e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Atualmente, a AP governa uma área muito pequena da Palestina na Cisjordânia ocupada e não tem soberania absoluta sobre ela, pois o controle militar é detido por Israel. Não é um Estado de fato, pois não controla suas fronteiras terrestres ou seu espaço aéreo, nem pode impedir as frequentes incursões do exército israelense. Politicamente, está deslegitimada, pois Mahmoud Abbas está no poder desde 2005 e não realizou eleições desde então.
O reconhecimento é mais um endosso diplomático à Autoridade Palestina — contra o grupo islâmico Hamas — e à ideia de um futuro Estado palestino, já que a comunidade internacional continua a apoiar uma solução de dois Estados (um palestino e um israelense). Esse Estado hipotético incluiria o território ocupado por Israel desde 1967, incluindo a Faixa de Gaza, e Jerusalém Oriental seria sua capital, conforme estabelecido pelas resoluções da ONU.
No entanto, Israel rejeitou repetidamente essa fórmula e, no terreno, ocupou e anexou cada vez mais territórios que pertenceriam ao Estado palestino.
O governo de Benjamin Netanyahu acelerou essa ocupação nos últimos dois anos e planeja anexar a maior parte do território atualmente governado pela Autoridade Palestina na Cisjordânia, além de ter tomado militarmente quase toda a Faixa de Gaza. Diante do reconhecimento ou promessas de reconhecimento da Palestina por vários países, Tel Aviv respondeu com ameaças e deixou claro que não permitirá que tal Estado se torne realidade.
O problema para Netanyahu é que, apesar de contar com o apoio incondicional de Trump, ele chega à Assembleia Geral da ONU cada vez mais sozinho. Além disso, uma marcha foi convocada em Nova York nesta sexta-feira para protestar contra o genocídio israelense durante o discurso do primeiro-ministro.
Nesta sexta-feira, 145 países votaram a favor da participação de Abbas no debate, e apenas cinco votaram contra: Estados Unidos, Israel, Paraguai, Nauru e Palau, sendo estas duas últimas pequenas ilhas do Pacífico com uma população combinada de apenas 30.000 habitantes. Esse é todo o capital político que o governo israelense consegue reunir agora, mas conta com Trump a bordo.
E Trump vetou novamente uma resolução do Conselho de Segurança na quinta-feira que pedia um cessar-fogo em Gaza. Mas o que ele não pode vetar é a realização de uma Conferência de Alto Nível nesta segunda-feira nas Nações Unidas, véspera da abertura do debate de chefes de Estado e de governo na Assembleia, sobre a resolução pacífica da questão palestina e o estabelecimento de dois Estados. A reunião será presidida pela França e pela Arábia Saudita.
O que nem Trump nem Netanyahu conseguiram vetar foi a aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, há uma semana, por ampla maioria de 142 Estados, de uma resolução, patrocinada pela França e Arábia Saudita, que busca revitalizar a solução dos dois Estados: recebeu o apoio de 142 dos 164 países presentes, com 12 abstenções e apenas 10 votos contrários, entre os quais estão os habituais dos Estados Unidos e Israel, além de aliados da administração norte-americana, como Argentina e Paraguai.
Mas isso não é tudo: a Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas concluiu na última terça-feira que "Israel cometeu genocídio contra palestinos em Gaza desde 7 de outubro de 2023". Seu relatório de 72 páginas destaca a existência de quatro dos cinco critérios para genocídio: "assassinato, causar danos físicos e mentais graves, imposição deliberada de condições de vida calculadas para causar destruição e imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos".
Esses crimes são característicos de genocídio e foram cometidos por autoridades e forças de segurança israelenses "com a intenção específica de destruir, no todo ou em parte, os palestinos em Gaza".
Essas conclusões se somam a outras emitidas neste ano ou em 2024, como as do relator da ONU, que em março daquele ano divulgou um relatório denunciando a existência de um genocídio em andamento, ou as do Instituto Lemkin para a Prevenção do Genocídio. Além disso, neste verão, a principal autoridade acadêmica no assunto, a Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio, também emitiu uma declaração semelhante, assim como organizações como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a B'Tselem já haviam feito antes. A declaração de hoje é importante no âmbito da ONU.
A Comissão Independente estabelecida pela ONU lista ataques contra civis, pessoas protegidas e propriedades, a imposição deliberada de condições de vida que resultam em mortes, maus-tratos severos a detidos palestinos, tortura, estupro e agressão sexual, deslocamento forçado, destruição do meio ambiente, infraestrutura e terras essenciais, bloqueio de ajuda essencial, violência reprodutiva, ataques diretos contra crianças e negação de assistência médica.
Espanha, uma das mais ativas da Europa
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, é um dos mais ativos da UE na resposta ao genocídio israelense, embora essa resposta ainda esteja longe daquela exercida com a Rússia em sua invasão da Ucrânia — o governo não rompeu relações diplomáticas ou comerciais com Tel Aviv, por exemplo. No entanto, a Espanha foi um dos primeiros países a reconhecer o Estado da Palestina e aguarda a formalização do embargo de armas em uma reunião do Conselho de Ministros.
Nesse contexto, Sánchez exigiu nesta segunda-feira que o eco dos protestos em Madri "chegue a todos os cantos do mundo". "Por que a Rússia foi expulsa e Israel não? Nossa posição é clara: até que a barbárie cesse, nem a Rússia nem Israel devem ser incluídos em nenhuma outra competição internacional. Israel não pode usar nenhuma plataforma internacional para encobrir sua presença. As instituições esportivas devem considerar se é ético manter Israel em competições internacionais", exigiu, lembrando a pressão da Espanha pelo reconhecimento do Estado Palestino e seu pedido para que a União Europeia suspenda seu acordo comercial com Israel por violação de direitos humanos.
Assim, o Primeiro-Ministro participará da Conferência de Alto Nível na segunda-feira e deixará o discurso na Assembleia Geral na quarta-feira para o chefe de Estado, o Rei Felipe, marcando o 70º aniversário da entrada da Espanha na ONU.
Resta saber se o rei, em seu discurso, descreverá o massacre israelense em Gaza como genocídio, em consonância com o primeiro-ministro e seus aliados de coalizão e investidura, ou se ele prefere não fazê-lo, já que os discursos do rei são aprovados pelo governo.
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