24 Mai 2022
"No dia em que uma doença, uma mudança climática ou o processo de decrescimento que é comum a todos os seres vivos afetar a variedade considerada forte e a levar à extinção, não teremos mais um reservatório onde buscar alternativa. Podemos ver claramente como a biodiversidade, especialmente ligada à alimentação, não é um elemento de vitrine de museu ou reserva natural protegida. A biodiversidade é a principal garantia para a vida, a saúde e a nossa segurança alimentar", escreve Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (Giunti e Slow Food Editore), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre a "ecologia integral” e o destino do planeta, em artigo publicado por La Repubblica, 22-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A época histórica em que vivemos é caracterizada por algumas palavras que, de desconhecidas, se tornaram de uso geral. Assim, com cada vez mais frequência, ao lado da dupla sustentabilidade-transição ecológica, encontramos um terceiro termo: biodiversidade. Biodiversidade que desde fevereiro de 2022 passou a integrar os princípios fundamentais da nossa carta constitucional, ao lado da proteção do ambiente e dos ecossistemas. A mesma biodiversidade a que - a partir de 22 de maio de 2000 - todos os anos neste dia, é dedicado um dia para refletir sobre a sua defesa e proteção. Uma palavra que é bastante citada e celebrada, mas infelizmente pouco praticada e cultivada.
Digo isso porque, enquanto enchemos a boca com a palavra biodiversidade e destacamos sua importância no contaste à crise climática, ecossistêmica e até nutricional-sanitária, somos responsáveis indiscutíveis de sua perda exponencial. De fato, a biodiversidade está diminuindo a um ritmo vertiginoso. Das cerca de 8 milhões de espécies vivas, um milhão corre o risco de desaparecer. E como a riqueza da biodiversidade é uma espécie de garantia para a vida, ao destruí-la minamos a base de nossa sobrevivência.
Antes de continuar, permitam-me um esclarecimento. Muitas vezes, falando de biodiversidade, pensa-se no panda gigante, no orangotango de Sumatra ou no recife de coral. Espécies em risco de extinção para as quais foram instituídos verdadeiros santuários naturais nos quais se espera que, na ausência de intrusão humana, possam voltar a proliferar. Certamente a biodiversidade também é isso, e é bom que existam áreas protegidas para tutelá-la. Mas quando falamos de biodiversidade não podemos esquecer a extraordinária variedade de plantas e raças animais que, ao nos alimentar, sustentaram a nossa vida na Terra até hoje.
E neste caso a abordagem segregadora não tem razão de ser, porque a biodiversidade vive apenas graças à interação. O que aconteceu nos últimos cinquenta anos é uma confirmação (negativa) disso: para fazer face ao crescimento da procura de alimentos, de fato privilegiamos algumas espécies consideradas (apenas a curto prazo) mais fortes por serem mais produtivas; ignorando as perdas com que nos deparávamos e ignorando as externalidades negativas decorrentes de um setor de alimentos altamente industrializado.
Hoje, a criação animal intensiva vale-se de menos de 10 raças de animais, com 26% das quase 9.000 conhecidas em risco de extinção.
Enquanto no mundo vegetal nos últimos 70 anos, foram perdidos três quartos da agrobiodiversidade selecionada nos 10.000 anteriores.
Uma contagem de perdas que não é apenas quantitativa, mas também qualitativa: alimentar-se de biodiversidade é alimentar-se de saúde. Digo isso à luz de hábitos alimentares que consomem proteínas animais e alimentos processados energeticamente ricos, mas nutricionalmente pobres e relacionados a patologias como obesidade, diabetes ou câncer.
Mas também porque o aumento das monoculturas está associado a um declínio nutricional das mesmas. Assim como o uso excessivo de antibióticos na criação animal piora a resistência a medicamentos em nós humanos. No entanto, esses problemas são mitigados quando escolhemos espécies autóctones coevoluídas em sinergia com o meio ambiente e que, portanto, requerem menos insumos externos (fertilizantes, medicamentos) e são mais ricas em substâncias nutricionais benéficas.
Por outro lado, reduzindo a biodiversidade até o osso, não entendemos que um mundo pobre em variabilidade genética não é conveniente, e a história nos ensina isso. Na Irlanda em meados do século XIX, um parasita da batata (a peronospora) atingiu a única variedade desse tubérculo cultivada na ilha; variedade que, aliás, era também a base da nutrição dos mais pobres. Aconteceu que em poucos anos 1 milhão e meio de irlandeses morreram por desnutrição e em igual proporção migraram para os Estados Unidos.
A carestia irlandesa exemplifica o risco que corremos quando não cultivamos a biodiversidade. No dia em que uma doença, uma mudança climática ou o processo de decrescimento que é comum a todos os seres vivos afetar a variedade considerada forte e a levar à extinção, não teremos mais um reservatório onde buscar alternativa. Podemos ver claramente como a biodiversidade, especialmente ligada à alimentação, não é um elemento de vitrine de museu ou reserva natural protegida. A biodiversidade é a principal garantia para a vida, a saúde e a nossa segurança alimentar.
É aquele elemento que, apesar dos tempos difíceis, nos permitirá manter um sistema agrícola capaz de alimentar o planeta de forma saudável, fazendo frente às mudanças climáticas, às doenças e à falta de recursos naturais. A biodiversidade é a melhor aliada possível na construção de um futuro compartilhado com todas as outras formas de vida. Optemos por conservá-la.
Protegê-la. Cultivá-la.
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Biodiversidade, por que é um valor. Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU