19 Julho 2019
FAO avalia a obesidade como uma pandemia mundial e constatação é um dos desafios para o cumprimento de alguns Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU.
A entrevista é de Sucena Shkrada Resk, publicada por Blog Cidadãos do Mundo, 18-07-2019.
A roupagem da malnutrição se dá de diferentes formas: não só pela fome/subnutrição, mas também pela obesidade, e um contingente expressivo de pessoas não faz esta associação. O relatório anual “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo - 2019”, lançado pela FAO (braço na área de segurança alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU)) e outras agências, neste mês de julho, revela o que já vem sendo constatado nos últimos anos. Hoje são cerca de 830 milhões de obesos no mundo e este número supera o de famintos, sendo que no Brasil, chega a quase 25% da população, sem contar o sobrepeso. Neste cenário, aumenta a preocupação na infância e adolescência. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 41 milhões de crianças até cinco anos de idade acima do peso. Esta é uma questão que permeia os desafios de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030, nas áreas de saúde e agricultura, consumo e produção sustentáveis...
Desprezar todas as implicações que estão associadas a este alerta é desconsiderar o consumo consciente, a nossa relação com o meio ambiente e cultivos e dietas mais ricas em nutrientes e livre de agrotóxicos, no contexto da segurança alimentar. Os riscos de morte por complicações de saúde decorrentes do excesso de peso são reais. São quatro milhões de mortes anualmente. Vivemos na contemporaneidade a imposição da geração “fast food”, dos alimentos ultra-processados x alimentação saudável, do combate ao sedentarismo, além da carga dos componentes genéticos. A obesidade está associada a quatro tipos de cânceres (intestino, rim, figado e ovário) ultrapassando a causa pelo tabagismo, segundo o Cancer Research UK.
O que mais preocupa é que o perigo vem desde a infância, algo que ficou evidenciado no estudo Global Burden of Disease (GBD), feito em quase 200 países, entre outros levantamentos mundiais. Em junho deste ano, o Ministério da Saúde brasileiro também informou que está realizando o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), em 15 mil domicílios de 123 municípios que abrigam crianças menores de 5 anos. A meta é buscar mapear a situação de saúde e nutrição de crianças em todo o país, com informações detalhadas sobre hábitos alimentares, crescimento e desenvolvimento, tendo como um dos focos o combate à obesidade. A adesão das famílias é voluntária.
Em alguns países, como nos EUA, Espanha, Canadá, Escócia e Inglaterra, a obesidade infantil já é considerada, inclusive, um ato de maus tratos e negligência e que isso pode gerar até a perda da guarda do filho, como destaca o professor de direito Thiago Felipe Avanci, no trabalho “Obesidade, Saúde e Direitos Fundamentais da Criança e Adolescente”.
Devido ao tamanho da relevância deste tema, a Doutora em Endocrinologia Maria Angela Zaccarelli Marino, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina do ABC e neuroendocrinologista do Instituto Neurológico de São Paulo, fala a respeito da obesidade especialmente na infância e adolescência, contribuindo com constatações em pesquisas feitas sob sua coordenação, nos últimos anos, em entrevista especial ao Blog Cidadãos do Mundo.
Quais os principais riscos da obesidade infantil?
A obesidade pode estar associada a outras doenças, como às cardiovasculares, à hipertensão arterial, ao diabetes melito tipo 2, além de doenças respiratórias, apneia noturna, doenças ortopédicas, osteoartrose, doenças dermatológicas, cálculos biliares (aumento da incidência), esteatose hepática e hiperlipemia. As doenças cardiovasculares se configuram como a principal causa de morte no mundo, e o excesso de peso, tanto o sobrepeso como a obesidade, são fatores relevantes. De forma lenta e gradual, as doenças cardiovasculares se desenvolvem ao longo da vida, e a infância é um ponto de partida, e assim é recomendável que a prevenção aconteça neste período da vida, justificando a preocupação com o excesso de peso em crianças e adolescentes.
Quais constatações pode exemplificar por meio de pesquisas que tem coordenado?
A distribuição de gordura corporal é considerada o mais importante fator de risco para o desenvolvimento de doença cardíaca, mesmo nos indivíduos com peso normal. Sabendo-se que a resistência à insulina está relacionada com a obesidade de distribuição central, e a intolerância à glicose considerada fator de risco para o diabetes melito tipo 2, a avaliação da Circunferência da Cintura (CC) foi verificada em um trabalho realizado por nós, na FMABC, e mesmo crianças e adolescentes com peso normal apresentaram excesso de gordura abdominal com aumento dos fatores de risco cardiovascular.
Assim recomendamos não somente a verificação do Índice de Massa Corporal (IMC) e também a medida da CC, para além das complicações do sobrepeso e obesidade, evitarmos o importante fator de risco para as doenças cardíacas.
Também realizamos um trabalho no tempo de permanência dos estudantes nas Escolas Públicas Estaduais do Município de Santo André, estado de São Paulo, e concluímos que os hábitos alimentares saudáveis orientados e realizados durante o período escolar integral, podem diminuir a incidência da obesidade, prevenindo as co-morbidades associadas, e a reeducação alimentar deve ser compartilhada com todos os integrantes da família. De acordo com os resultados deste trabalho, verificamos diferenças significativas entre os estudantes com obesidade das escolas de período integral e meio período.
Como os ambientes escolar e familiar podem contribuir para inibir o aumento progressivo da obesidade em crianças e adolescentes?
A obesidade é caracterizada como multifatorial, sendo que interações entre fatores ambientais, comportamentais, culturais, genéticos, fisiológicos e psicológicos são a principal causa e acredita-se que estes fatores são mais relevantes em sua incidência do que os fatores genéticos. Estas considerações vêm ao encontro com os resultados deste trabalho, pois os hábitos alimentares orientados pelas nutricionistas dentro das escolas tiveram influência, possivelmente, no menor número de estudantes com obesidade nas escolas em período integral. A qualidade de vida reflete diretamente na saúde das pessoas, e pode ser promovida pela alimentação e estilo de vida adequados, revelando a grande importância da nutrição na saúde.
Nas escolas onde os estudantes permaneciam apenas meio período, observamos um maior número de estudantes com obesidade. A permanência destes alunos em ambiente domiciliar, sem orientação alimentar, pode ter contribuído para este aumento. Pais com obesidade geralmente refletem seu estado nutricional nos filhos, os quais podem desenvolver algum grau de excesso de peso.
Pode-se dizer que a obesidade é tão perigosa quanto à subnutrição relacionada à fome? Qual é o panorama do Brasil hoje, tendo em vista que ambas são consideradas os dois grandes males que atingem a América Latina e Caribe, de acordo com informe publicado recentemente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela FAO, afetando um quarto da população regional?
O consumo alimentar, tanto nos adolescentes como nas crianças, é estabelecido por valores socioculturais, alimentos consumidos com influência da mídia, sedentarismo, imagem corporal e conveniências sociais. No Brasil, a prevalência de obesidade nos adolescentes aumentou de 4,1% para 13,9% e a prevalência de desnutrição infantil diminuiu de 19,8% para 7,6%.
Quanto ao câncer, os estudos estão sendo realizados, e atualmente sabemos que o maior órgão endócrino é o tecido adiposo, com a secreção de hormônios e suas consequências, como a puberdade adiantada em meninas.
Quais são as orientações alimentares e de mudanças de hábitos para se evitar o risco da obesidade em uma sociedade de consumo imediatista?
O estímulo à vida sedentária, com os avanços tecnológicos nos dias de hoje, como DVDs, computadores, vídeo-games, televisão, internet, automóveis, não orienta a população adulta e infantil para o hábito de caminhadas, corridas e outras formas de exercícios. Em conjunto com os erros alimentares, o ambiente vem se tornando obesogênico.
Algumas ações de promoção da saúde, estimulando implementação de programas de educação alimentar e atividade física nas escolas e incentivo para mudanças na qualidade dos alimentos oferecidos nas cantinas escolares, são estratégias para a profilaxia dos maus hábitos alimentares, já iniciados na infância.
Também é de extrema importância a orientação alimentar compartilhada com todos os membros da família, mesmo com os que não são portadores de sobrepeso ou obesidade. Os hábitos alimentares saudáveis, ensinados nas escolas, podem e devem corrigir os erros alimentares dos adultos que foram mal informados a respeito da alimentação em geral, e assim são os filhos que vão ensinar aos pais, os corretos novos hábitos.
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Endocrinologista brasileira alerta sobre os riscos da obesidade na infância e adolescência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU