11 Outubro 2017
O mundo enfrenta uma crise global de má nutrição causada tanto pela falta de comida como pelo consumo de alimentos processados pouco saudáveis. Os dois problemas estão relacionados com a pobreza e a desigualdade social e ameaçam cada vez mais os países em desenvolvimento, alerta um estudo publicado nesta quarta-feira pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em colaboração com instituições acadêmicas do Reino Unido.
A reportagem é de Nuño Domínguez, publicada por El País, 11-10-2017.
No mundo já há 124 milhões de crianças e jovens — entre cinco e 19 anos — que sofrem de obesidade, um número dez vezes maior do que o registrado há quatro décadas. Enquanto o problema segue crescendo entre os mais jovens, o avanço da desnutrição está diminuindo a nível global. Se estas tendências continuarem nos próximos anos, em 2022 haverá no mundo mais crianças e jovens obesos do que desnutridos, acrescenta o trabalho, que também ressalta que há outros 213 milhões de garotos e garotas com sobrepeso. À este problema é preciso somar o dos 192 milhões de crianças e jovens com desnutrição moderada e aguda, um problema que afeta especialmente países asiáticos, como a Índia.
“A obesidade também é uma consequência da má nutrição”, explica Chiara di Cesare, especialista em saúde pública da Universidade de Middlesex e coautora do estudo, publicado nesta quarta na revista médica The Lancet, e cujos dados por países podem ser observados aqui. O estudo analisou mais de 2.000 estudos sobre o índice de massa corporal de adultos, crianças e adolescentes que inclui dados de 128 milhões de pessoas para estimar as taxas de sobrepeso, obesidade e desnutrição em 200 países.
“A obesidade também é uma consequência da má nutrição A região com mais crianças obesas é a Polinésia, onde mais de 30% das crianças e jovens estão obesos. Em seguida estão outras regiões de países em desenvolvimento com taxas próximas a 20% na Ásia e no Norte da África, como Arábia Saudita, Iraque, Kuwait e Egito. América Latina também é uma das regiões onde mais cresceu a obesidade entre as crianças, explica Di Cesare. A nível global, 5,6% das garotas e 7,8% dos garotos estão obesos. Em 1975, o primeiro ano analisado, as cifras eram de 0,7% e de 0,9%, respetivamente. Quando analisados os dados apenas do Brasil, os números são ainda mais altos: entre os meninos, a prevalência é de 12,7% e, entre as meninas, de 9,4% —em 1975, era de 0,9% para ambos e, em 2000, quando houve um estirão de crescimento, de 5,7% entre eles e de 5% entre elas.
“Ainda não está clara qual é a explicação para que se tenha tanta obesidade nestes países, embora uma das razões possa ser as mudanças bruscas no mercado de alimentação e a chegada das comidas processadas com baixo valor nutritivo”, ressalta a especialista. Enquanto a obesidade entre jovens avança nos países em desenvolvimento, o crescimento está estancando na Europa e nos EUA, mas só após décadas de avanço e com uma prevalência que continua sendo muito alta, alertam os autores do trabalho.
Se o impacto da desnutrição é visível e de curto prazo — certa de três milhões de crianças morrem por estas causas a cada ano —, o da obesidade é crônico, pois fomenta doenças como a diabetes, os problemas cardiovasculares ou o câncer, que aparecem após décadas. Com esta tendência, se não se tomarem medidas “sérias” contra a obesidade, “se colocará em risco desnecessário a saúde de milhões de pessoas, o que elevará os custos humanos e econômicos”, alertou Leanne Riley, especialista da OMS e coautora do estudo.
Majid Ezzati, pesquisador do Imperial College e um dos coordenadores do trabalho, ressalta que “a maioria de países ricos resistiram a estabelecer impostos e regulação para mudar os hábitos alimentares das crianças e, assim, evitar a obesidade infantil”. “Mais importante é que existem muito poucas políticas e programas dedicados a facilitar o acesso a comidas saudáveis como os grãos integrais, frutas e vegetais para famílias pobres. A impossibilidade de comprar comida saudável pode levar à desigualdade social e à obesidade”, acrescenta.
A transição entre a desnutrição e o sobrepeso e a obesidade pode acontecer de forma rápida em países em desenvolvimento que passam de ter falta de comida a um acesso facilitado a alimentos e bebidas processadas com alto teor de gorduras, sal e açúcares e poucos nutrientes essenciais, alertam os autores. Ao mesmo tempo, “os países desenvolvidos mostram um estancamento do avanço da obesidade, mas é possível que o que esteja acontecendo é uma redução só entre os mais ricos e um avanço entre os setores mais desfavorecidos”, adverte Di Cesare.
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Número de crianças obesas se multiplica por dez em quatro décadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU