15 Mai 2014
“Os sistemas tradicionais de cura e doença permanecem como coisas ignoradas pelo sistema oficial de saúde”, constata a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz de Manaus.
Os dados em relação à desnutrição crônica das populações que vivem na Região Norte do Brasil, incluindo os indígenas, “são surpreendentes considerando a integridade das florestas e do meio ambiente”, diz Maria Luiza Garnelo Pereira, em entrevista concedida à IHU On-Line pessoalmente, por ocasião do XV Simpósio Internacional IHU. Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, na Unisinos.
Para ela, os casos de desnutrição estão associados à “intrusão nos territórios desses povos, mudanças nos modos de vida deles e a uma entrada maciça de alimentos industrializados”. E adverte: “Muitas vezes as pessoas têm acesso à alimentação, mas uma alimentação de baixa qualidade nutricional; calorias vazias. Esse é um fenômeno que não é apenas indígena, na verdade é um fenômeno que está acontecendo com toda a população de baixa renda, que melhorou um pouco o padrão de consumo; entretanto, o consumo alimentar não é o mais adequado”.
Maria Luiza Garnelo Pereira é bacharel em Medicina pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM e bacharel em Filosofia pela mesma instituição. Fez residência em Medicina Preventiva e Social/UFAM, mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - USP e doutorado em Ciências Sociais/Antropologia pela Universidade Estadual de São Paulo - Unicamp.
Atualmente é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz em Manaus, professora da Universidade Nilton Lins e professora visitante da Philipps University of Marburg, Alemanha. É membro do corpo docente do Programa Multi-institucional (UFAM/FIOCRUZ/UPFA) de Pós-Graduação Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a situação em termos de saúde pública, alimentação e nutrição das comunidades indígenas do Alto Rio Negro no Amazonas?
Maria Luiza Garnelo Pereira - Bem precária. Na verdade, não só no Rio Negro. De um modo geral, a situação dos indígenas do Norte é bem precária, os níveis nutricionais estão baixos, há níveis muito elevados de desnutrição crônica entre essas populações, principalmente se compararmos com a população brasileira como um todo.
De modo geral, os dados que existem da Região Norte são surpreendentes considerando a integridade das florestas e do meio ambiente. Em várias áreas da Região Norte existe desnutrição entre as crianças indígenas e não indígenas. Quando nós comparamos indígenas com não indígenas, a situação dos indígenas é significativamente mais precária. IHU On-Line – As atuais políticas de saúde indígena dão conta do quadro demonstrado?
Maria Luiza Garnelo Pereira - Não. Nós temos informações e dados do Inquérito Nacional de Situação de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado há três anos, o qual mostra que há carência no atendimento, dificuldades de regularidade nesse atendimento, existem falhas na avaliação nutricional regular das crianças. Entretanto, entendo que não é apenas o serviço de saúde e nutrição que tem a possibilidade de reduzir esse quadro. A desnutrição é um problema muito amplo em termos sociais. Existe intrusão nos territórios desses povos, mudanças nos modos de vida deles, uma entrada maciça de alimentos industrializados, e todos esses elementos pioram o quadro. Muitas vezes as pessoas tem acesso à alimentação, mas uma alimentação de baixa qualidade nutricional; calorias vazias.
Esse é um fenômeno que não é apenas indígena, na verdade é um fenômeno que está acontecendo com toda a população de baixa renda, que melhorou um pouco o padrão de consumo; entretanto, o consumo alimentar não é o mais adequado.
IHU On-Line – Houve avanços em termos de acesso à alimentação adequada nos últimos anos apesar desse quadro demonstrado de desnutrição?
“Em várias áreas da Região Norte existe desnutrição entre as crianças indígenas e não indígenas”
Maria Luiza Garnelo Pereira - Eu não tenho informação que sustente qualquer afirmação para sim ou para não. O que temos de informação é a respeito do consumo de alimento industrializado de baixa qualidade. No entanto, nós vemos reações das comunidades e várias tentativas de resgate de alimentos tradicionais, os quais são muito mais equilibrados nutricionalmente. Há iniciativas de ONGs, de entidades de apoio. No caso do nosso grupo, estamos tentando contribuir com um curso de formação dos agentes comunitários para fazer vigilância, monitoramento alimentar e nutricional, inclusive com essa valorização das comidas tradicionais, que são muito mais saudáveis.
IHU On-Line – As políticas de saúde indígena conseguem conciliar a medicina moderna com os sistemas tradicionais de cura de doenças?
Maria Luiza Garnelo Pereira - Diria que não. Os sistemas tradicionais de cura e doença permanecem como coisas ignoradas pelo sistema oficial de saúde. As populações permanecem utilizando, eles têm grande vitalidade, mas para o sistema de saúde é uma coisa que simplesmente as pessoas não sabem, não conhecem, muitas vezes não valorizam e, digamos assim, cada um segue seu caminho. São sistemas íntegros, importantes, porém situações como a desnutrição não estão no escopo de atuação desses sistemas tradicionais já que não havia desnutrição antigamente, não tínhamos essa frequência de crianças desnutridas, as populações eram menores, havia mais disponibilidade de alimentos no ambiente. Então, esse tipo de tema, por exemplo, não é muito bem equacionado pelas alternativas do sistema tradicional de cura. É um fato novo.
(Por Luciano Gallas e Patricia Fachin)
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Desnutrição: um problema de saúde pública. Entrevista especial com Maria Luiza Garnelo Pereira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU